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12/09/2015

Tratado da vida de Cristo 34

Questão 34: Da perfeição do filho concebido

Art. 2 — Se Cristo, como homem, teve o uso do livre-arbítrio no primeiro instante da sua concepção.

 O segundo discute-se assim. — Parece que Cristo, como homem, não teve o uso do livre arbítrio desde o primeiro instante da sua concepção.

1. — Pois, antes de um ser agir ou obrar, deve existir. Ora, o uso do livre arbítrio é uma acção. Mas, como a alma de Cristo começou a existir no primeiro instante da sua concepção, segundo do sobredito se colhe, parece impossível que tivesse o uso do livre arbítrio no primeiro instante da sua concepção.

2. Demais. — O uso do livre arbítrio é a eleição. Ora, a eleição pressupõe a deliberação do conselho; assim, como diz o Filósofo, a eleição é o desejo do que foi deliberado. Logo, parece impossível que no primeiro instante da sua concepção Cristo tivesse o uso do livre arbítrio.

3. Demais. — O livre arbítrio é uma faculdade da vontade e da razão, como se estabeleceu na Primeira Parte; e assim, o uso do livre arbítrio é o acto da vontade e da razão, ou do intelecto. Ora, o acto do intelecto pressupõe o acto do sentido, que não pode existir sem órgãos capazes. Ora, Cristo não tinha tais órgãos no primeiro instante da sua concepção. Logo, parece que Cristo não podia ter tido o uso do livre arbítrio no primeiro instante da sua concepção.

Mas, em contrário, Agostinho diz: Logo que o Verbo desceu ao ventre da Virgem, como nada perdeu da sua natureza, tornou-se carne e homem perfeito. Ora, o homem perfeito tem o uso do livre arbítrio. Logo, Cristo teve o uso do livre arbítrio desde o primeiro instante da sua concepção.

Como dissemos, à natureza humana assumida por Cristo, é própria a perfeição espiritual, na qual não progrediu por tê-la perfeita desde o princípio. Ora, a perfeição última não consiste na potência nem no hábito, mas na operação. Por isso, Aristóteles diz, que a operação é um acto segundo. Donde devemos concluir, que Cristo, no primeiro instante da sua concepção, teve aquela operação da alma que se pode ter num instante. Ora, tal é a operação da vontade e do intelecto, na qual consiste o uso do livre arbítrio. Pois mais súbita e instantaneamente se desfaz a operação do intelecto e da vontade, que a da visão corpórea. Porque inteligir, querer e sentir não são movimentos, actos do imperfeito, que se realizam sucessivamente; mas são actos do ser já perfeito, como diz Aristóteles. Donde devemos concluir, que Cristo, no primeiro instante da sua concepção teve o uso do livre arbítrio.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Existir é por natureza anterior ao agir, mas não temporalmente; ao mesmo tempo porém que o agente começa a ser perfeito começa a agir, se nada lho impede. Assim, o fogo logo que é gerado começa a esquecer e a iluminar; mas a calefacção não termina num instante, senão num tempo sucessivo; ao passo que a iluminação se perfaz instantaneamente. E tal modo de agir é o uso do livre arbítrio, como dissemos.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Simultaneamente com o termo do conselho ou da deliberação pode existir a eleição. Assim, os que precisam da deliberação do conselho, logo que este está terminado, adquirem a certeza do que devem eleger e por isso imediatamente o fazem. Donde é claro, que a deliberação do conselho não é pre-exigida para a eleição, senão para sairmos da incerteza. Ora, Cristo, no primeiro instante da sua concepção, assim como teve a plenitude da graça santificante, assim teve conhecimento pleno da verdade, segundo o Evangelho: Cheio de graça e de verdade. Donde, como quem tinha a certeza total, podia eleger logo e instantaneamente.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O intelecto de Cristo podia, pela sua ciência infusa, inteligir, mesmo sem se servir dos fantasmas, como estabelecemos. Por isso podia exercer a actividade da vontade e do intelecto separadamente da operação dos sentidos. Contudo, pode exercer a operação dos sentidos, no primeiro instante da sua concepção, sobretudo a do sentido do tacto. Por este sentido é que filho concebido já tem sensibilidade, no ventre materno, mesmo antes de receber a alma racional, como diz Aristóteles. Donde, tendo Cristo no primeiro instante da sua concepção a alma racional, quando já tinha o corpo formado e organizado, com muito maior razão podia exercer, no mesmo instante, a actividade do sentido do tacto.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.



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