Tempo comum XVII Semana
São
Pedro Crisólogo – Doutor da Igreja
Evangelho:
Mt 13, 47-53
44 «O Reino dos Céus é semelhante a um tesouro escondido num campo que,
quando um homem o acha, esconde-o e, cheio de alegria pelo achado, vai e vende
tudo o que tem e compra aquele campo. 45 O Reino dos Céus é também
semelhante a um negociante que busca pérolas preciosas 46 e, tendo
encontrado uma de grande preço, vai, vende tudo o que tem e a compra. 47
«O Reino dos Céus é ainda semelhante a uma rede lançada ao mar, que apanha toda
a espécie de peixes. 48 Quando está cheia, os pescadores tiram-na
para fora e, sentados na praia, escolhem os bons para cestos e deitam fora os
maus. 49 Será assim no fim do mundo: virão os anjos e separarão os
maus do meio dos justos, 50 e lançá-los-ão na fornalha de fogo. Ali
haverá choro e ranger de dentes. 51 Compreendestes tudo isto?». Eles
responderam: «Sim». 52 Ele disse-lhes: «Por isso todo o escriba
instruído nas coisas do Reino dos Céus é semelhante a um pai de família que
tira do seu tesouro coisas novas e velhas». 53 Quando Jesus acabou de dizer estas parábolas partiu dali.
Comentário:
«Por isso todo o
escriba instruído nas coisas do Reino dos Céus é semelhante a um pai de
família que tira do seu tesouro coisas novas e velhas»
Somos,
os cristãos, estes 'escribas' de o Senhor fala porque somos instruídos -
devemos ser independentemente da nossa capacidade ou inteligência - nas coisas
de Deus.
De
facto, a nossa 'instrução' nunca pára desde a primeira infância até ao último
dia da nossa vida terrena.
Há
sempre algo, que já sabemos, a aprofundar e coisas novas a aprender.
Uma
sólida formação doutrinal, uma esclarecida mentalidade cristã, este é o nosso
dever porque como o 'pai de família que Jesus refere, temos estrita obrigação
de distribuir esses 'tesouros' por quantos se cruzam connosco nos caminhos da
vida e, é evidente, ninguém pode dar o que não tem.
(ama, meditação sobre Mt 13, 47-53,
2002.08.02)
Leitura espiritual
São Josemaria Escrivá
Amigos
de Deus
208
Mas se abundam os temerosos e os frívolos,
nesta nossa terra muitos homens rectos, impelidos por um nobre ideal - ainda
que sem motivo sobrenatural, por filantropia - afrontam toda a espécie de privações
e consomem-se generosamente a servir os outros, a ajudá-los nos seus
sofrimentos ou nas suas dificuldades.
Sinto-me
sempre levado a respeitar, e mesmo a admirar a tenacidade de quem trabalha
decididamente por um ideal limpo.
No
entanto, considero minha obrigação recordar que tudo o que iniciamos aqui, se é
empresa exclusivamente nossa, nasce com o selo da caducidade.
Meditai
as palavras da Escritura: contemplei tudo
o que as minhas mãos tinham feito e as canseiras que tive ao fazê-lo e vi que
tudo era vaidade e vento que passa e que nada havia de proveitoso debaixo do
sol.
Esta precariedade não sufoca a esperança.
Pelo
contrário, quando reconhecemos a pequenez e a contingência das iniciativas
terrenas, o trabalho abre-se à autêntica esperança que eleva toda a actividade
humana e a converte em lugar de encontro com Deus.
Essa
tarefa é assim iluminada com uma luz perene, que afasta as trevas das
desilusões.
Mas
se transformarmos os projectos temporais em metas absolutas, suprimindo do
horizonte a morada eterna e o fim para que fomos criados - amar e louvar o
Senhor e possuí-lo depois no Céu - os intentos mais brilhantes transformam-se
em traições e inclusive em instrumento para envilecer as criaturas.
Recordai
a sincera e famosa exclamação de Santo Agostinho, que tinha experimentado
tantas amarguras enquanto não conhecia Deus e procurava fora d'Ele a
felicidade: fizeste-nos, Senhor, para Ti,
e o nosso coração está inquieto enquanto não descansa em Ti!
Talvez
não exista nada mais trágico na vida dos homens do que os enganos padecidos
pela corrupção ou pela falsificação da esperança, apresentada com uma
perspectiva que não tem como objecto o amor que sacia sem saciar.
A mim, e desejo que a vós suceda o mesmo, a
segurança de me sentir - de me saber - filho de Deus enche-me de verdadeira
esperança que, por ser virtude sobrenatural, ao ser infundida nas criaturas, se
acomoda à nossa natureza e é também virtude muito humana.
Sou
feliz com a certeza do Céu que alcançaremos, se permanecermos fiéis até ao fim;
com a felicidade que nos chegará, quoniam
bonus, porque o meu Deus é bom e é infinita a sua misericórdia. Esta convicção
incita-me a compreender que só o que está marcado com o selo de Deus revela o
sinal indelével da eternidade e tem um valor imperecível.
Por
isso, a esperança não me separa das coisas desta terra, antes me aproxima
dessas realidades de um modo novo, cristão, que procura descobrir em tudo a
relação da natureza, caída, com Deus Criador e com Deus Redentor.
209
Em
que esperar
Dado que o mundo oferece muitos bens,
apetecíveis para este nosso coração, que reclama felicidade e busca
ansiosamente o amor, talvez alguns perguntem: nós, os cristãos, em que devemos
esperar? Além disso, queremos semear a paz e a alegria às mãos cheias, não
ficamos satisfeitos com a consecução da prosperidade pessoal e procuramos que
estejam contentes todos os que nos rodeiam.
Por desgraça, alguns, com uma visão digna
mas rasteira, com ideais exclusivamente caducos e fugazes, esquecem que os
anelos do cristão se hão-de orientar para cumes mais elevados: infinitos.
O
que nos interessa é o próprio Amor de Deus, é gozá-lo plenamente, com um júbilo
sem fim.
Temos
comprovado, de muitas maneiras, que as coisas da terra hão-de passar para
todos, quando este mundo acabar; e já antes, para cada um, com a morte, porque
nem as riquezas nem as honras acompanham ninguém ao sepulcro.
Por
isso, com as asas da esperança, que anima os nossos corações a levantarem-se
para Deus, aprendemos a rezar: in te
Domine speravi, non confundar in æternum, espero em Ti, Senhor, para que me
dirijas com as tuas mãos agora e em todos os momentos pelos séculos dos
séculos.
210
O Senhor não nos criou para construirmos
aqui uma Cidade definitiva, porque este mundo é o caminho para o outro, que é
morada sem pesar.
No
entanto, nós, os filhos de Deus, não devemos desligar-nos das actividades
terrenas em que Deus nos coloca para as santificarmos, para as impregnarmos da
nossa bendita fé, a única que dá verdadeira paz, alegria autêntica às almas e
aos diversos ambientes.
Tem
sido esta a minha pregação constante desde 1928: urge cristianizar a sociedade;
levar a todos os estratos desta nossa humanidade o sentido sobrenatural, de
modo que uns e outros nos empenhemos em elevar à ordem da graça a ocupação
diária, a profissão ou o ofício.
Desta
forma, todas as ocupações humanas se iluminam com uma esperança nova, que
transcende o tempo e a caducidade do mundano.
Pelo Baptismo, somos portadores da palavra
de Cristo, que serena, que inflama e aquieta as consciências feridas.
E
para que o Senhor actue em nós e por nós, temos de lhe dizer que estamos
dispostos a lutar em cada dia, ainda que nos vejamos frouxos e inúteis, ainda
que sintamos o peso imenso das misérias pessoais e da pobre debilidade pessoal.
Temos
de lhe repetir que confiamos n'Ele, na sua ajuda: se é preciso, como Abraão,
contra toda a esperança.
Assim
trabalharemos com renovado empenho e ensinaremos as pessoas a reagirem com
serenidade, livres de ódios, de receios, de ignorância, de incompreensões, de
pessimismos, porque Deus tudo pode.
211
Onde quer que nos encontremos, esta é a
exortação do Senhor: vigiai!
Em
face deste apelo de Deus, alimentemos nas nossas consciências os desejos
esperançosos de santidade, com obras.
Dá-me,
meu filho, o teu coração, sugere-nos o Senhor ao ouvido. Deixa-te de construir
castelos com a fantasia, decide-te a abrir a tua alma a Deus, pois
exclusivamente no Senhor acharás o fundamento real para a tua esperança e para
fazer o bem aos outros.
Quando
não lutamos connosco mesmos, quando não rechaçamos terminantemente os inimigos
que estão dentro da cidadela interior - o orgulho, a inveja, a concupiscência
da carne e dos olhos, a auto-suficiência, a tresloucada avidez da libertinagem
- quando não existe essa peleja interior, os mais nobres ideais definham como a
flor do feno; ao romper o sol ardente, a erva seca, a flor cai e acaba a sua
vistosa formosura.
Depois,
pela menor fenda brotarão o desalento e a tristeza, como plantas daninhas e
invasoras.
Jesus não se conforma com um assentimento
titubeante.
Pretende,
tem direito a que caminhemos com inteireza, sem concessões às dificuldades.
Exige
passos firmes concretos; pois, de ordinário, os propósitos gerais servem para
pouco.
Os
propósitos pouco delineados parecem-me entusiasmos falazes que intentam calar
as chamadas divinas percebidas pelo coração; fogos fátuos, que não queimam nem
dão calor e que desaparecem com a mesma fugacidade com que surgiram.
Por isso, convencer-me-ei de que as tuas
intenções de alcançar a meta são sinceras, se te vir caminhar com determinação.
Faz
o bem, revendo as tuas atitudes habituais quanto à ocupação de cada instante;
pratica a justiça, precisamente nos ambientes que frequentas, ainda que a
fadiga te vença; fomenta a felicidade dos que te rodeiam, servindo os outros
com alegria no lugar do teu trabalho, com esforço para o acabar com a maior
perfeição possível, com a tua compreensão, com o teu sorriso, com a tua atitude
cristã.
E
tudo por Deus, com o pensamento na sua glória, com o olhar no alto, anelando a
Pátria definitiva, pois só esse fim vale a pena.
212
Tudo
posso
Se não lutas, não me digas que procuras
identificar-te mais com Cristo, conhecê-lo, amá-lo.
Quando
empreendemos o caminho real de seguir a Cristo, de nos portarmos como filhos de
Deus, não se nos oculta o que nos aguarda: a Santa Cruz, que temos de
contemplar como o ponto central onde se apoia a nossa esperança de nos unirmos
ao Senhor.
Digo-vos desde já que este programa não é
uma empresa cómoda; viver da maneira que o Senhor assinala pressupõe esforço.
Leio-vos a enumeração do Apóstolo, quando refere as suas peripécias e os seus
sofrimentos para cumprir a vontade de Jesus:
Dos
judeus recebi cinco vezes quarenta açoites menos um. Três vezes fui açoitado com varas; uma vez apedrejado; três vezes naufraguei;
uma noite e um dia estive no abismo do mar. Muitas vezes, em viagens, perigos
de rios, perigos de ladrões, perigos dos da minha nação, perigos dos gentios,
perigos na cidade, perigos no descampado, perigos no mar, perigos entre falsos
irmãos; em trabalhos e misérias, em muitas vigílias, com fome e com sede, com
muitos jejuns, com frio e nudez. Além destas coisas exteriores, pesam sobre mim
as ocupações de cada dia pela solicitude de todas as igrejas.
Gosto, nestas conversas com o Senhor, de me
cingir à realidade em que se desenvolve a nossa vida, sem inventar teorias, nem
sonhar com grandes renúncias, com heroicidades, que habitualmente não
acontecem.
Importa
que aproveitemos o tempo, que se nos escapa das mãos e que, segundo o critério
cristão, é mais do que ouro, porque representa uma antecipação da glória que
depois nos será concedida.
Logicamente, na nossa jornada, não
toparemos com tais nem com tantas contradições como as que ocorreram na vida de
Saulo. Nós descobriremos a baixeza do nosso egoísmo, os golpes da sensualidade,
as investidas de um orgulho inútil e ridículo e muitas outras claudicações:
tantas, tantas fraquezas.
Descoroçoar?
Não.
Com
S. Paulo, repitamos ao Senhor: sinto
complacência nas minhas enfermidades, nos ultrajes, nas necessidades, nas
perseguições, nas angústias por amor de Cristo; pois quando estou fraco, então
sou mais forte.
(cont)
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