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21/04/2015

Evangelho, comentário L. Esp. (A beleza de ser cristão)


Semana III da Páscoa


Evangelho: Jo 6 30-35

30 Mas eles disseram-Lhe: «Que milagre fazes Tu, para que o vejamos e acreditemos em Ti? Que fazes Tu? 31 Nossos pais comeram o maná no deserto, segundo está escrito: “Deu-lhes a comer o pão do céu”». 32 Jesus respondeu-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: Moisés não vos deu o pão do céu, mas Meu Pai é que vos dá o verdadeiro pão do céu. 33 Porque o Pão de Deus é Aquele que desceu do céu e dá a vida ao mundo». 34 Então disseram-Lhe: «Senhor, dá-nos sempre desse pão». 35 Jesus respondeu-lhes: «Eu sou o pão da vida; aquele que vem a Mim não terá jamais fome, e aquele que crê em Mim não terá jamais sede.

Comentário:

Vejo-me tal como sou: nada, absolutamente. E tenho esta percepção da grandeza que me está reservada dentro de momentos: Receber o Corpo, o Sangue, a Alma e a Divindade do Rei e Senhor do Universo.
Eu, António, este pobre homem com pés de barro e vontade frágil, estou aqui na expectativa do momento sublime em que Te receberei meu Deus e Senhor.
Tenho o meu coração palpitando de alegria, confiança e amor.
Alegria por ser convidado, confiança em que saberei esforçar-me por merecer o convite e amor sem limites pela caridade que me fazes.
Aqui me tens, tal como sou e não como gostaria e deveria ser.
Não sou digno, não sou digno, não sou digno!
Sei porém, que a uma palavra Tua a minha dignidade de filho e irmão me dará o direito a receber-te tal como Tu mesmo quiseste que fosse.
Aqui me tens, Senhor. Convidaste-me e eu vim. Amém.

(ama, preparação para a comunhão, 1987)

Leitura espiritual

a beleza de ser cristão

PRIMEIRA PARTE

O QUE É SER CRISTÃO?

I.            Relações que Deus estabelece com o homem.

…/8

V. o pecado

        Que aconteceu no coração de Adão, para desobedecer ao mandato de Deus? «O homem, tentado pelo diabo, deixou morrer no seu coração a confiança para com o seu criador”.[i]

        Deus, além de criar Adão e Eva, à sua imagem e semelhança e adoptá-los como filhos, situou-os no paraíso, submeteu-lhe o resto da criação, como já vimos, fez um gesto que deveria ter aberto o coração de Adão e Eva ao amor de Deus.

        O Criador manifestou-lhes a sua proximidade e a confiança que depositava neles, como fica patente na afirmação recolhida no Génesis quando, depois do pecado, os primeiros pais «ouviram os passos do Senhor Deus, que passeava pelo jardim à brisa da tarde”[ii].

        Esse passeio de Deus ao entardecer no dia da queda não parece ter sido um facto isolado. Como entender e explicar que, depois dessas conversas inefáveis com o seu criador e não obstante os dons recebidos, e a proximidade amorosa que Deus lhe manifestava, Adão desconfiasse de Deus, duvidasse dos planos de Deus sobre eles e lhe desobedecesse?

        A desconfiança e a desobediência supõem em Adão uma rejeição da sua condição de criatura, ao mesmo tempo que um obscurecimento da consciência do seu ser filho de Deus.
Ao desconfiar do amor com que Deus os tinha criado, Adão e Eva já não vêm o seu próprio bem nos limites de criatura da sua pessoa e não apreciam, portanto, a grandeza de ser filhos de Deus.

        A rejeição dos dons de Deus destaca-se com as tentativas de justificação do pecado, que o próprio Adão apresenta a Deus. «A mulher que me deste por companheira deu-me da árvores e eu comi”[iii].

Acaso não há nesta frase de Adão uma certa tentativa de atribuir a Deus a sua própria culpa, por lhe ter dado uma mulher que lhe transmitiu a tentação do diabo?

        A rejeição da condição de criatura e o obscurecimento da consciência de ser filhos de Deus, que se esconde no gesto rebelde de Adão, tem consigo, realmente, uma certa rejeição da sua grandeza natural, que ficou ferida no seu próprio ser e se torna opaca aos seus próprios olhos.
        O pecado pessoal de Adão e Eva «afecta a natureza humana (...) é um pecado que será transmitido por propagação a toda a humanidade (…). Por isso o pecado original é chamado «pecado” de forma análoga: é um pecado «contraído”, «não cometido”, um estado e não um acto”[iv].

        Por conseguinte, as consequências do pecado voltam-se não só contra a pessoas de Adão e Eva, mas também afectam os planos do existir criacional que Deus tinha estabelecido para a sua criatura amada, tanto por parte de Deus como por parte da criatura.
E estas consequências, logicamente, incidem sobre o núcleo da pessoa humana e, assim, ficam perturbadas a acção e as possibilidades criaturais do homem nos três planos da sua existência”:
        - No plano «natural-biológico”; antes da queda tinham recebido o mandato de crescei e multiplicai-vos” e «estavam nus e não se envergonhavam”.

A inteligência dos primeiros pais apreciava nesse mandato de Deus a ordem recta do uso das faculdades recebidas, desde a inteligência até à sexualidade, para seguir os planos de Deus com a criatura.

E assim como filhos, ao contemplar o criado, «viu que era muito bom”, eles participavam desse gozo de Deus vivendo segundo as suas palavras.
        Depois do pecado e conscientes do poder de quebrar os planos de Deus e de introduzir-se eles próprios dentro da ordem do criado e mudá-lo a seu gosto, envergonham-se da sua nudez, e Eva, ao dar à luz com dor, sentirá a consciência do pecado.

        - No plano «natural-espiritual”, antes do pecado, Adão tinha recebido o mandato de «cultivar e guardar” o paraíso; e nesse mandato continha-se um pedido de Deus para que Adão e Eva participassem no gozo de cuidar da criação, de colaborar com o Criador na própria obra da criação.

        Depois de desconfiar e de desobedecer a Deus, perdem também a possibilidade de gozar em ver crescer a criação segundo a sua ordem, e é dito a Adão que «comerá o pão com o suor do seu rosto”.

O homem trabalhará a terra, tratará de submeter o mundo, exercerá o poder sobre a natureza com domínio, em serviço próprio, e sem procurara glória de Deus.

Daí que em tantas ocasiões a natureza se lhe manifeste hostil e lhe será muito mais difícil gozar da criação e do esforço do trabalho vivido em serviço e por amor.

        - No «plano sobrenatural”, o homem vê Deus com temor, sem confiança, como fez Adão, o qual, depois do pecado, se quis esconder do olhar de Deus. E, ao mesmo temo, a morte entra no mundo, «voltará ao pó de foi feito”[v], e São Paulo afirma: «A morte faz a sua entrada na história da humanidade”[vi].

        E com a morte, a obscuridade da inteligência, a debilidade da memória, o desvio profundo da caridade, como que fica confirmada pela morte de Abel às mãos da inveja de Caim.

        A desordem do pecado provocou um vazio não só no interior do homem, mas em toda a criação; um vazio que só pode ser preenchido com «a manifestação dos filhos de Deus”, que acontecerá na Redenção, quando os homens poderão ser, pela graça, adoptados por Deus Pai como seus filhos no seu Filho Único Jesus Cristo.

* * *

        O projecto de Deus sobre o homem é irrealizável apenas com as forças humanas, porque, depois do pecado, o homem viu-se despojado da graça da santidade original.[vii]

Deus tinha preparado a inteligência do homem, a sua memória, a sua vontade e o seu coração, para que levasse a cabo a obra de Deus nele.
        Todavia, pela tentação, e por esse hiato que existe e existirá sempre no mistério entre Deus e o homem, entre o homem e Deus, e que só a liberdade amorosa do homem está em condições de ultrapassar; o homem rejeita o primeiro vínculo que Deus estabeleceu com ele.

E, «desde o primeiro pecado, uma verdadeira invasão de pecado inunda o mundo”[viii].

        Na sua profunda fragilidade, o homem desconfia de Deus e, se consegue superar a desconfiança, apenas se consegue temê-lo um pouco e a tremer ante Ele: naturalmente, com as suas próprias forças, não o amará muito.

        Depois do pecado, Adão e Eva são talvez mais conscientes da magnitude da empresa a que foram chamados, apreciam com maior clarividência a grandeza de ser criatura de Deus, filhos de Deus e, na consciência da sua debilidade, tremem ao ver-se ante Deus.

        Aí tem início a deformação da visão do Criador que acompanhou o homem desde a saída do paraíso até à Encarnação do Filho de Deus, e que pode ser apreciada, entre outras manifestações, nos «deuses« tão variados e contraditórios que ao longo da sua história os homens adoraram.

(cont)

ernesto juliá, La belleza de ser cristiano, trad. ama)





[i] Catecismo Catecismo n. 397
[ii] 3, 8
[iii] Gn 3, 12
[iv] Catecismo n. 404
[v] Gn 3, 19
[vi] cfr. Rom 5, 12
[vii] cfr. Rm 3, 23
[viii] Catecismo n. 401

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