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26/02/2015

Tratado do verbo encarnado 132

Questão 21: Da oração de Cristo

Art. 4 — Se a oração de Cristo foi sempre ouvida.

O quarto discute-se assim: — Parece que a oração de Cristo nem sempre foi ouvida.

1. — Pois, pediu que passasse de si o cálice da paixão, e contudo dele não passou. Logo, parece que nem toda sua oração foi ouvida.

2. Demais. — Cristo pediu que fosse perdoado o pecado dos que o crucificaram, como se lê no Evangelho. Contudo esse pecado não foi perdoado a todos, pois os Judeus foram punidos por ele. Logo parece que nem todas as suas orações foram ouvidas.

3. Demais. — O Senhor orou por aqueles que haviam de crer nele, por meio da palavra dos Apóstolos, para que todos fossem nele um e chegassem à união com ele. Ora, nem todos chegam a tal. Logo, nem todas as suas orações foram ouvidas.

4. Demais. — A Escritura diz, da Pessoa de Cristo: Clamarei durante o dia e tu não me ouvirás. Logo, nem todas as suas orações foram ouvidas.

Mas, em contrário, diz o Apóstolo: Oferecendo com um grande brado e com lágrimas, foi atendido pela sua reverência.

Como dissemos, a oração é de certo modo interpretativa da vontade humana. Pois, quando oramos, a nossa oração é ouvida, se a nossa vontade é satisfeita. Ora, em sentido absoluto, a vontade do homem é a vontade racional, pois, queremos, absolutamente falando, o que queremos com razão deliberada. Mas, o que queremos por um movimento da sensualidade, ou ainda por um movimento de simples vontade, considerada como natureza, não o queremos absolutamente falando, mas só relativamente, isto é, se não se opuser nenhum obstáculo proveniente da deliberação da razão. Por isso essa vontade se chama antes veleidade que vontade absoluta, isto é, consiste em querermos uma determinada coisa, se nenhum obstáculo se nos opuser. Ora, pela vontade racional, Cristo não queria senão o que sabia estar de acordo com a vontade de Deus. Por isso, toda vontade absoluta de Cristo, mesmo humana, foi cumprida, porque era conforme a Deus, e por consequência todas as suas orações foram ouvidas. Pois, também as orações dos outros são exaltadas, quando as suas vontades estão conformes com Deus, segundo o Apóstolo: Aquele que esquadrinha os corações sabe, isto é, aprova, o que deseja o Espírito, isto é, que faz os santos desejarem, porque ele só pede pelos santos segundo Deus, isto é, de conformidade com a vontade divina.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O pedido de Cristo de se lhe ser evitado o cálice os santos expõem-no diversamente. - Assim, Hilário diz: Quando rogava que de si passasse aquele cálice, não pedia que fosse livre dele, mas que recaísse sobre outros o que de si passasse. E desse modo orava pelos que depois dele haveriam de sofrer, sendo o sentido: Assim como eu bebo este cálice da paixão, assim também o bebam com esperança confiante, sem sentir dor e sem medo da morte. - Ou, segundo Jerónimo: Diz assinaladamente – este cálice, isto é, do povo judeu, que não tem nenhuma escusa de ignorância, se me matar, porque tem as leis e os profetas que todos os dias vaticinam a meu respeito. — Ou segundo Dionísio Alexandrino: Quando disse — Passe de mim este cálice — não quis significar — Não me seja oferecido — pois, sem lho ter sido oferecido, dele não podia passar. Mas significava que assim como o pretérito nem é intacto nem permanente, assim o Salvador pede seja afastado a tentação que de leve ia penetrando. — Ambrósio, porém, Orígenes e Crisóstomo, dizem que pediu como homem, que por vontade natural foge a morte. — Se, pois, entendermos que pedia, com essas palavras, que os outros mártires lhe viessem a ser os imitadores da paixão, segundo Hilário, ou se pediu que o temor de beber o cálice não o perturbasse, ou que a morte não o detivesse, de qualquer modo cumpriu-se o que ele pediu. — Se porém se entende que pediu para não beber o cálice da morte e da paixão, ou que não o bebesse, dado pelos Judeus, por certo não se cumpriu o que pediu, porque a razão, que propôs a petição, não queria que tal se cumprisse, mas, para nossa instrução, quis nos mostrar a sua vontade natural e o movimento da sensibilidade, que, como homem tinha.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O Senhor não orou por todos os que o crucificaram, nem também por todos os que haviam de acreditar nele, mas só pelos predestinados para que, por ele, conseguissem a vida eterna.

Donde se deduz também a RESPOSTA À TERCEIRA OBJECÇÃO.

RESPOSTA À QUARTA. — A expressão — Clamarei e tu não me ouvirás — devemos entendê-la quanto ao efeito da sensibilidade, a que repugnava a morte. Cristo foi porém ouvido quanto ao afecto da razão, como se disse.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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