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22/02/2015

Tratado do verbo encarnado 129

Questão 20: Da sujeição de Cristo ao Pai

Art. 2 — Se Cristo estava sujeito a si próprio.

O segundo discute-se assim. — Parece que Cristo não estava sujeito a si próprio.

1. — Pois, diz Cirilo, numa Epístola aceita pelo Sínodo Efesino: Não era Cristo seu próprio servo nem senhor. E assim, é fátuo, e ainda mais, impio, senti-lo e dizê-lo, O que também afirma Damasceno quando diz: O mesmo ser, Cristo, não podia ser servo e senhor de si mesmo. Ora, Cristo é chamado servo do Pai enquanto lhe está sujeito. Logo, Cristo não estava sujeito a si mesmo.

2. Demais. — O servo supõe o senhor. Ora, não pode haver relação de um ser para consigo mesmo e por isso diz Hilário, que nada é semelhante ou igual a si mesmo. Logo, não podemos dizer que Cristo fosse senhor de si mesmo. E por consequência, nem que a si próprio estivesse sujeito.

3. Demais. — Assim como a alma racional e a carne constituem um só homem, assim Deus e o homem constituem um só Cristo, no dizer de Atanásio. Ora, não dizemos, de ninguém, que esteja sujeito a si mesmo ou seja servo de si mesmo ou seja maior que si mesmo, pelo facto de ter o corpo sujeito à alma. Logo, nem que Cristo fosse sujeito a si mesmo, pelo facto de ser a sua humanidade sujeita à divindade.

Mas, em contrário, Agostinho diz: A verdade mostra, deste modo, isto é, pelo qual o Pai é maior que Cristo segundo a natureza humana, que o Filho é menor que si próprio.

Demais. — Como Agostinho argumenta no mesmo lugar, o Filho de Deus recebeu a forma de servo mas de modo a não perder a forma de Deus. Ora, pela forma de Deus, comum ao Pai e ao Filho, o Pai é maior que o Filho segundo a natureza humana. Logo, também o Filho é maior que si próprio segundo a natureza humana.

Demais. — Cristo, segundo a natureza humana, é servo de Deus Pai, conforme o Evangelho. Vou para meu Pai e vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus. Ora, quem é servo do Pai é-o também do Filho, de contrário, nem tudo o que é do Pai seria do Filho. Logo, Cristo é servo de si mesmo e a si mesmo sujeito.

Como dissemos, ser senhor e servo é atributo da pessoa ou da hipóstase, segundo uma certa natureza. Quando, pois, dizemos que Cristo é Senhor ou servo de si mesmo, ou que o Verbo de Deus é Senhor do homem Cristo, podemos entender essas expressões de dois modos. - Num sentido aplicam-se em razão de uma hipóstase ou pessoa, como se uma seja a Pessoa do Verbo de Deus, como senhor, e outra a do homem, como servo, o que constitui a heresia de Nestório. Por isso, na condenação de Nestório, diz o Sínodo Efesino: Quem disser que é Deus ou Senhor o Verbo de Cristo, procedente de Deus Pai, e não o confessar simultaneamente como Deus é homem, por ter o Verbo sido feito carne, segundo as Escrituras, seja anátema. E é nesse sentido que o negam Cirilo e Damasceno, devendo-se no mesmo sentido negar que Cristo fosse menor que si próprio, ou a si próprio sujeito. — De outro modo podemos entender as referidas expressões relativamente à diversidade de naturezas numa mesma Pessoa ou hipóstase. E então podemos dizer, relativamente a uma delas, na qual convém com o Pai, que Cristo, simultaneamente com o Pai é senhor e domina, relativamente porém à outra natureza, na qual convém connosco, está sujeito e serve. E, neste sentido, Agostinho diz ser o Filho menor que si próprio.

É mister porém saber que, sendo o nome de Cristo um nome de Pessoa, como o é o nome de Filho, podemos atribuir a Cristo, essencial e absolutamente falando, o que lhe convém em razão da sua Pessoa, que é eterna, e sobretudo essas relações consideradas como mais propriamente pertencentes à pessoa ou à hipóstase. Ao passo que o que lhe convém segundo a natureza humana, devemos, antes, atribuir-lhe com restrição. Assim, podemos dizer que Cristo é, absolutamente falando, Máximo, Senhor e Chefe, mas o ser sujeito ou servo ou menor devemos atribuir-lhe com restrição, isto é, segundo a natureza humana.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Cirilo e Damasceno negam que Cristo fosse Senhor de si mesmo, se isso importar pluralidade de supostos, necessária para alguém ser senhor de si mesmo, absolutamente falando.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Absolutamente falando, é necessário que o senhor seja diferente do servo, pode porém o domínio e a servidão revestirem-se de um algum aspecto, de modo que possa alguém ser senhor e servo de si mesmo, a diversas luzes.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Por causa das partes diversas do homem, das quais uma é superior e outra inferior, diz também o Filósofo, que pode haver justiça do homem para consigo mesmo, quando o irascível e o concupiscível obedecem à razão. E assim, desse modo, pode um homem considerar-se sujeito a si mesmo e de si mesmo servidor, conforme as suas partes diversas.

As RESPOSTAS aos outros argumentos resultam claras do que ficou dito. — Assim, Agostinho afirma que o Filho é menor que si próprio, ou a si mesmo sujeito, segundo a natureza humana, não segundo a diversidade de supostos.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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