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11/02/2015

Tratado do verbo encarnado 118

Questão 18: Da unidade de Cristo quanto a vontade

Em seguida devemos tratar da unidade de Cristo quanto à vontade.

E nesta questão discutem-se seis artigos:

Art. 1 — Se Cristo tem duas vontades – uma divina e outra humana.
Art. 2 — Se em Cristo havia uma vontade sensitiva, além da vontade racional.
Art. 3 — Se Cristo tinha duas vontades racionais.
Art. 4 — Se em Cristo havia livre arbítrio.
Art. 5 — Se a vontade humana de Cristo quis coisas diferentes das que Deus quer.
Art. 6 — Se havia em Cristo vontades contrárias.

Art. 1 — Se Cristo tem duas vontades – uma divina e outra humana.

O primeiro discute-se assim. — Parece que Cristo não tem duas vontades – uma divina e outra humana.

1. — Pois, a vontade é o primeiro motor e o primeiro imperante em todo sujeito por ela dotado. Ora, em Cristo o primeiro motor e o primeiro imperante era a vontade divina, porque tudo o humano em Cristo era movido pela vontade divina. Logo, parece que em Cristo só havia uma vontade – a divina.

2. Demais. — Um instrumento não se move por vontade própria, mas pela vontade do movente. Ora, a natureza humana era em Cristo instrumento da sua divindade, Logo, a natureza humana de Cristo não se movia por vontade própria, mas pela divina.

3. Demais. — Em Cristo só há multiplicidade no atinente à natureza. Ora, a vontade não pertence à natureza, pois, ao passo que o natural é necessário, o voluntário não o é. Logo, Cristo tinha uma só vontade.

4. Demais. — Damasceno diz, que querer de certo modo não é próprio da natureza, mas da nossa inteligência, isto é, pessoal. Ora, toda vontade é uma determinada vontade, porque não pertence a um género o que não pertence a nenhuma espécie dele. Logo, toda vontade pertence à pessoa. Ora, em Cristo houve e há uma só pessoa. Logo, Cristo tem uma só vontade.

Mas, em contrário, o Evangelho: Pai, se é do teu agrado, transfere de mim este cálix não se faça contudo a minha vontade, senão a tua. O que Ambrósio comenta: Assim como assumiu a minha vontade, assumiu a minha tristeza. E noutro lugar: Refere ao homem a sua vontade e ao Pai a divindade. Pois, a vontade do homem é temporal e a vontade divina, eterna.

Alguns disseram que Cristo tem uma só vontade. Mas, para o afirmarem foram levados por diversas razões. — Assim, Apolinário não admitia que Cristo tivesse uma alma racional, mas, que o Verbo estava em lugar da alma, ou ainda, do intelecto. Ora, como a sede da vontade é a razão, no dizer do Filósofo, resultava não ter Cristo uma vontade humana. E portanto, só tinha uma vontade. — E semelhantemente Eutiques e todos os que admitiam como composta a natureza de Cristo eram forçados a lhe atribuir uma só vontade. — Também Nestório, que ensinava ser a união de Deus e do homem feita só pelo afecto e pela vontade, admitia só uma vontade em Cristo. — Depois, porém, Macário, o patriarca Antioqueno, Ciro Alexandrino, Sérgio Constantinopolitano e alguns sequazes deles atribuíam a Cristo uma só vontade, embora lhe atribuíssem duas naturezas unidas na hipóstase. Porque diziam que a natureza humana de Cristo nunca tinha nenhum movimento próprio, mas que só era movida pela divindade, como se lê na Epístola Sinódica do Papa Ágato. — Por isso, no Sexto Sínodo, celebrado em Constantinopla, foi determinado que se devem admitir em Cristo duas vontades. Assim, nele se lê: De acordo com o que os Profetas outrora disseram de Cristo, e com o que ele próprio nos ensinou, e nos transmitiu o símbolo dos santos Padres, confessamos haver nele duas vontades naturais e dois modos naturais de agir.

E era necessário dizer assim. Pois é manifesto que o Filho de Deus assumiu a natureza humana perfeita, como demonstramos. Ora, a natureza humana completa supõe a vontade, sua faculdade natural como o intelecto, segundo resulta do dito na Primeira Parte. Donde forçosamente devemos concluir que o Filho de Deus assumiu a vontade humana ao mesmo tempo que a natureza humana. Ora, pela assunção da natureza humana a natureza divina do Filho de Deus não sofreu nenhum detrimento, deve portanto ter vontade, como demonstramos na Primeira Parte. Donde necessariamente concluímos, que em Cristo há duas vontades, a divina e a humana.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Tudo o existente em a natureza humana de Cristo estava sujeito ao nuto da vontade divina, mas daí se não segue que em Cristo não houvesse movimentos da vontade próprios à natureza humana. Pois, também os actos pios de vontade dos outros santos obedecem à vontade de Deus, que obra neles o querer e o perfazer, como diz o Apóstolo. Embora, pois, a vontade não possa ser interiormente movida por nenhuma criatura, é porem, interiormente movida por Deus, como dissemos na Primeira Parte. E assim também a vontade humana de Cristo obedecia à vontade divina, segundo a Escritura: Para fazer a tua vontade, Deus meu, eu o quis. Daí o dizer Agostinho: Quando o Filho disse ao Pai — não o que eu quero, mas o que tu queres — de que te serve ajuntares as palavras seguintes e dizeres — mostrou verdadeiramente ter a vontade sujeita ao seu Pai — como se nós negássemos que a vontade do homem deve estar sujeita à vontade de Deus?

RESPOSTA À SEGUNDA. — O instrumento é propriamente movido pelo agente principal, mas de modos diversos conforme a propriedade da sua natureza, pois o instrumento inanimado como o machado ou a serra é movido pelo artífice só pelo movimento corpóreo, ao passo que o instrumento animado pela alma sensível é movido pelo apetite sensitivo como o cavalo pelo cavaleiro, e enfim o instrumento animado pela alma racional é movido pela vontade dela como pelo império do senhor é movido o escravo a praticar um acto, cujo escravo é como um instrumento animado, no dizer do Filósofo. Assim, pois, a natureza humana em Cristo foi o instrumento da divindade, para que fosse movido pela vontade própria.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O poder próprio da vontade é natural e resulta necessariamente da natureza. Mas, o movimento ou o acto próprio dessa potência, também chamado vontade, é às vezes natural e necessário, por exemplo, em respeito à felicidade, outras vezes provém do livre arbítrio da razão e não é necessário nem natural, como resulta do dito na Segunda Parte. E contudo, também a razão em si mesma, princípio desse movimento, é natural. E portanto, além da vontade divina é mister admitirmos em Cristo a vontade humana não só enquanto potência natural, ou como movimento natural, mas também como um movimento da razão.

RESPOSTA À QUARTA. — A expressão — querer de certo modo — designa um modo determinado de querer. Ora, um modo determinado pertence à própria coisa de que é modo. Ora, a vontade, pertencendo à natureza, o princípio do querer de certo modo também pertence à natureza, não absolutamente considerada mas enquanto existente numa determinada hipóstase. Donde, também a vontade humana de Cristo teve um certo modo determinado por ter existido na hipóstase divina, de modo que se movia sempre ao nuto da divina vontade.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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