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04/02/2015

Tratado do verbo encarnado 111

Questão 16: Do conveniente a Cristo no seu ser e no seu dever

Art. 8 — Se é verdadeira a proposição: Cristo é uma criatura.

O oitavo discute-se assim. — Parece verdadeira a proposição – Cristo é uma criatura.

1. — Pois, diz Leão Papa: Nova e inaudita união — Deus, que é e era, torna-se criatura. Ora, podemos predicar, de Cristo, que foi feito Filho de Deus pela Encarnação. Logo, é verdadeira a proposição: Cristo é uma criatura.

2. Demais. — As propriedades de uma e outra natureza podem ser predicadas da hipóstase comum delas, seja qual for o nome que a cada uma delas signifique, como se disse. Ora, é propriedade da natureza humana ser criatura, assim como é propriedade da natureza divina ser Criador. Logo, podemos dizer ambas estas coisas de Cristo: que é criatura e que é incriado e Criador.

3. Demais. — A alma é mais principal parte do homem do que o corpo. Ora, em razão do corpo, que Cristo recebeu da Virgem, dizemos, absolutamente falando, que nasceu da Virgem. Logo, em razão da alma, criada por Deus, devemos dizer, absolutamente falando, que Cristo é criatura.

Mas, em contrário, Ambrósio diz: Porventura foi o Cristo feito, com uma palavra? Foi porventura criado por um acto da vontade suprema? Quase se respondesse – não. Por isso acrescenta: Como, pois, pode Deus ser uma criatura? Pois, que a natureza de Deus é simples e não, composta. Logo, não devemos conceder a proposição: Cristo é uma criatura.

Como diz Jerónimo, palavras proferidas inconsideradamente podem fazer-nos incorrer em heresia. Ora, não devemos ter nenhuma comunidade de expressão com os heréticos, para não parecermos participar dos seus erros. Ora, os heréticos Arianos diziam ser Cristo uma criatura e menor que o Pai, não só em razão da natureza humana, mas ainda em razão da Pessoa divina. Donde, não devemos dizer, em sentido absoluto, que Cristo é uma criatura, ou menor que o Pai, senão em sentido determinado, isto é, pela natureza humana. Mas, quando se trata de uma atribuição da qual nem ainda podemos suspeitar que convenha à Pessoa divina em si mesma, podemos então em sentido absoluto atribuí-la à natureza humana de Cristo, assim, absolutamente falando, dizemos que Cristo sofreu, morreu e foi sepultado. Assim também, na ordem das coisas materiais e humanas, quando podemos duvidar se uma atribuição convém ao todo ou à parte, se convém a uma parte não a aplicamos ao todo em sentido absoluto, isto é, sem determinação, por isso não dizemos que um Etíope é branco, mas, de dentes brancos. Dizemos porém, sem determinação, que é crespo, porque isto só lhe pode convir aos cabelos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Às vezes os santos doutores, por brevidade, aplicam a palavra criatura a Cristo sem nenhuma determinação. Mas devemos subentende-la nas suas expressões.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Todas as propriedades da natureza humana, como da divina, podem de certo modo ser atribuídas a Cristo. Por isso diz Damasceno: Cristo que é Deus e homem, é chamado criável e incriável, passível e impassível. Contudo, expressões duvidosas em relação a qualquer das suas naturezas, não se lhe devem aplicar sem restrição. Por isso, a seguir, o mesmo doutor acrescenta: A sua hipóstase única é, em si mesma, incriada, pela divindade, e criada, pela humanidade. Assim como e ao inverso, não devemos dizer sem restrição — Cristo é incorpóreo — ou — impassível — para evitar o erro de Maniqueu, que ensinava não ter Cristo um verdadeiro corpo nem ter verdadeiramente sofrido. Mas devemos dizer, em sentido restrito, que Cristo, pela sua divindade, é incorpóreo e impassível.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Não podemos de modo nenhum duvidar que a natividade, da Virgem, convenha à pessoa do Filho de Deus, como podemos, que lhe convenha a criação. Logo, não há paridade em ambos esses casos.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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