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02/02/2015

Tratado do verbo encarnado 109

Questão 16: Do conveniente a Cristo no seu ser e no seu dever

Art. 6 — Se é falsa a proposição, Deus se fez homem.

O sexto discute-se assim. — Parece falsa a proposição: Deus se fez homem.

1. — Pois, homem, significando uma substância, fazer-se homem é fazer-se em sentido absoluto. Ora, é falsa a proposição: Deus se fez, em sentido absoluto. Logo também esta outra é falsa: Deus se fez homem.

2. Demais. — Fazer-se homem é mudar-se. Ora, Deus não pode ser sujeito de mudança, conforme a Escritura: Eu sou o Senhor e não me mudo. Logo, parece falsa a proposição: Deus se fez homem.

3. Demais. — A palavra homem, predicada de Deus, supõe a pessoa do Filho de Deus. Ora, é falsa a proposição: Deus se fez a pessoa do Filho de Deus. Logo, esta outra também é falsa: Deus se fez homem.

Mas, em contrário, o Evangelho: O Verbo se fez carne. Ora, como diz Atanásio, o dito — O Verbo se fez carne — é semelhante ao outro — Deus se fez homem.

Dizemos que um ser é feito quando podemos atribuir-lhe uma qualificação nova. Ora, ser homem verdadeiramente predica-se de Deus, como dissemos. Mas, no sentido em que não convém a Deus ser homem abeterno, senão só temporalmente, pela assunção da natureza humana. Logo, é verdadeira a proposição — Deus se fez homem. Mas essa proposição – bem como a outra: Deus é homem — alguns entendem-na diversamente, como se disse.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Fazer-se homem é fazer-se em sentido absoluto, para todos aqueles nos quais a natureza humana começa a existir num suposto criado no tempo. Mas, dizemos que Deus se fez homem, por ter a natureza humana começado a existir, no suposto da natureza divina preexistente abeterno. Logo, o fazer-se Deus, homem, não é fazer-se absolutamente falando.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Como dissemos ser feito implica uma predicação nova atribuída a um ser. Donde, sempre que uma predicação nova é atribuída a um ser, implicando neste uma mudança, fazer-se é mudar-se. E isto se aplica a tudo o que se diz em sentido absoluto, assim, não pode a brancura ou a negrura ser uma atribuição nova de um sujeito, senão porque este sofreu uma mudança no sentido da brancura ou da cor negra. As predicações relativas, porém, podem começar a ser atribuídas a um sujeito, sem nenhuma mudança deste, assim um homem poderá passar à direita sem sofrer nenhuma mudança pelo movimento do que passou à esquerda. E tais casos, não implicam nenhuma mudança naquilo de que se diz que foi feito, pois, isto pode resultar da mudança de outro ser. E é nesse sentido que dizemos a Deus: Senhor, tu tens sido o nosso refúgio. — Ora, ser homem convém a Deus em virtude da união, que é uma relação. Donde, ser homem começa a ser predicado de Deus, sem nenhuma mudança nele, por mudança da natureza humana, assumida na Pessoa divina. E assim, quando dizemos — Deus se fez homem — isso não implica nenhuma mudança por parte de Deus, mas só da parte da natureza humana.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Homem supõe a pessoa do Filho de Deus, não pura e simples, mas enquanto subsistente na natureza humana. Donde, embora seja falsa a proposição — Deus se fez a pessoa do Filho de Deus — contudo é verdadeira esta outra — Deus se fez homem — por se ter unido à natureza humana.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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