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21/01/2015

Tratado do verbo encarnado 97

Questão 15: Das fraquezas atinentes à alma que Cristo assumiu com a natureza humana

Art. 4 — Se a alma de Cristo era passível.

O quarto discute-se assim. — Parece que a alma de Cristo não era passível.

1. — Pois, nenhum ser é paciente senão em relação a outro mais forte, como o provam Agostinho e Aristóteles. Ora, nenhuma criatura era mais forte que a alma de Cristo. Logo, ela não podia sofrer nada de nenhuma criatura e, portanto, não era passível, e assim teria em vão a potência passiva se de nenhum ser podia ser paciente.

2. Demais. — Túlio diz que as paixões são umas doenças da alma. Ora, na alma de Cristo não havia nenhuma doença, pois, as doenças da alma resultam do pecado, como está claro na Escritura: Salva a minha alma porque pequei contra ti. Logo, a alma de Cristo não era susceptível de nenhuma paixão.

3. Demais. — Parece que as paixões da alma são umas inclinações para o pecado, por isso o Apóstolo lhes chama paixões dos pecados. Ora, em Cristo não havia nenhuma inclinação para o pecado, como se disse. Logo, parece que na sua alma não havia paixões. E assim, a alma de Cristo não era passível.

Mas, em contrário, a Escritura diz, da pessoa de Cristo: A minha alma está repleta de males, não, certamente, de pecados, mas de males humanos, isto é, de dores, como expõe a Glosa. Portanto, a alma de Cristo era passível.

A alma unida ao corpo é susceptível de duas espécies de paixões: as do corpo e as da alma. — As paixões do corpo vêm de uma perturbação corpórea. Pois, sendo a alma a forma do corpo, resulta por consequência que o ser da alma e do corpo é uno, e portanto, perturbado o corpo por alguma paixão corpórea, há de a alma necessariamente, perturbar-se, embora por acidente, isto é, na existência que tem enquanto unida ao corpo. Ora, o corpo de Cristo, tendo sido passível e mortal, como estabelecemos, havia também necessariamente a sua alma de ser passível. — Quanto à alma, diz-se que é susceptível de paixão pela operação que lhe é própria ou é dela mais principalmente que do corpo. É embora digamos, neste sentido, que a alma sofre, mesmo na sua inteligência e na sua sensibilidade, contudo, como provamos na Segunda Parte, chamam-se apropriadissimamente paixões da alma as afeições do apetite sensitivo, que existiram em Cristo, como tudo quanto constitui a natureza da alma. Donde o dizer Agostinho: O Senhor, tendo-se dignado viver a vida humana em forma de escravo, quis sentir essas paixões quando julgou que as devia sentir, pois, um verdadeiro corpo humano e uma verdadeira alma humana não deviam ter sentimentos que não fossem verdadeiramente humanos.

Devemos porém saber, que essas paixões existiram em Cristo diferentemente do que existem em nós, em três pontos. — Primeiro, quando ao objecto. Pois, as paixões da nossa alma tendem geralmente para objectos ilícitos, o que não se dava com Cristo. — Segundo, quanto ao princípio. Porque tais paixões frequentemente previnem em nós o juízo da razão, ao passo que em Cristo todos os movimentos sensitivos do apetite se orientavam conforme a disposição racional. Donde o dizer Agostinho: Pela admirável disposição da graça nele existente, Cristo não sentia esses movimentos na sua alma humana senão quando queria, assim como se fez homem quando quis. — Terceiro, quanto ao afecto. Pois, em nós às vezes esses movimentos não se limitam ao apetite sensitivo, mas arrastam a razão. O que não se dava com Cristo, pois, os movimento naturalmente próprios da carne humana existiam no seu apetite sensitivo com uma disposição tal, que não impediam de nenhum modo a razão de exercer a sua actividade. Donde o dizer Jerónimo: Nosso Senhor sofreu verdadeiramente a tristeza para provar que verdadeiramente assumiu a natureza humana, mas, para que a paixão não lhe dominasse a alma, o Evangelho diz que ele começou a sofrer a tristeza, por uma como pre-paixão, de modo que se entenda por paixão perfeita a que domina totalmente a alma, isto é, a razão, e por pre-paixão a paixão que, começada no apetite sensitivo, não se estendeu mais além.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A alma de Cristo podia por certo resistir às paixões, para se lhe elas não manifestarem, sobretudo pelo seu poder divino. Mas, por vontade própria, sujeitou-se às paixões tanto corpóreas como da alma.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Túlio exprime-se, no lugar citado, ao modo dos estoicos, que chamavam paixões, não a quaisquer movimentos do apetite sensitivo, mas só aos desordenados. Ora, tais paixões, não existiam em Cristo manifestamente.

RESPOSTA À TERCEIRA. — As paixões dos pecadores são movimentos do apetite sensitivo que tendem para objectos ilícitos. O que não existiu em Cristo, como nele não existiu a inclinação para o pecado.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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