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13/01/2015

Tratado do verbo encarnado 89

Art. 4 — Se a alma de Cristo tinha a omnipotência quanto à execução da própria vontade.

O quarto discute-se assim. — Parece que a alma de Cristo não tinha a omnipotência quanto à execução da própria vontade.

1. — Pois, diz o Evangelho que Jesus, tendo entrado numa casa, quis que ninguém o soubesse mas não pôde ocultar-se. Logo, não podia em tudo executar o propósito da sua vontade.

2. Demais. — Uma ordem é manifestação da vontade, como se disse na Primeira Parte. Ora, o Senhor mandou fazer algumas coisas, cujo contrário veio a acontecer. Assim refere o Evangelho, que aos cegos depois de terem recuperado a vista, Jesus os ameaçou dizendo: Vede lá que ninguém o saiba. Mas eles, saindo dali, divulgaram por toda aquela terra o seu nome. Logo, não podia em tudo executar o propósito da sua vontade.

3. Demais. — Não pedimos a outrem o que podemos fazer por nós mesmos. Ora, o Senhor pediu ao Pai, na sua oração, o que queria que fosse feito como se lê no Evangelho: Saiu ao monte a orar e passou toda a noite em oração a Deus. Logo, não podia executar em tudo o propósito da sua vontade.

Mas, em contrário, diz Agostinho: É impossível não se cumprir a vontade do Salvador, nem pode querer o que sabe não se dever fazer.

A alma de Cristo querer alguma coisa de dois modos pode. — Primeiro, como devendo realizá-la ela própria. E então, devemos dizer que pôde tudo quanto quis. Pois, não lhe conviria à sapiência quisesse fazer por si o que não estava ao alcance do seu poder. — De outro modo, podia querer uma coisa como devendo ser feita pela virtude divina como a ressurreição do seu próprio corpo e outras obras milagrosas semelhantes. As quais não podia por virtude própria, mas sim enquanto instrumento da divindade, como se disse.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Diz Agostinho, devemos afirmar que Cristo quis o que foi feito. Pois, é mister advertirmos que tais coisas se realizavam nos confins da gentilidade, aos quais ainda não era tempo de pregar. Embora fosse inveja não aceitar os que espontaneamente se apresentavam a receber a fé. Por isso não quis ser anunciado pelos seus discípulos, mas, sim ser procurado pelos gentios. E assim se fez. — Ou podemos dizer que essa vontade de Cristo não se referia ao que por ela se devia fazer, mas ao que devia ser feito por outros e que não dependia da sua vontade humana. Por isso na Epístola do Papa Ágato, recebida pelo Sexto Sínodo, se lê: Pois então ele, criador e Redentor de tudo, não podia viver escondido na terra? Não, se o entendemos em relação à sua vontade humana, que se dignou assumir temporalmente.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Como diz Gregório, mandando as suas virtudes calarem-se o Senhor deu-se como exemplo aos servos que o seguiam, para também eles terem o desejo de ocultar as suas, embora manifestassem contra a vontade deles os outros, para aproveitarem do seu exemplo. Assim, pois, a sua ordem manifestava-lhe a vontade de fugir à glória humana, segundo o Evangelho: Eu não busco a minha glória. Mas, absolutamente falando, queria, sobretudo pela vontade divina, que se publicasse o milagre feito, para utilidade dos outros.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Cristo orava tanto para a realização do que devia ser feito por vontade divina, como para a do que havia de fazer pela sua vontade humana. Pois, a virtude e a operação da alma de Cristo dependiam de Deus, que é quem obra em nós o querer e o fazer, como diz o Apóstolo.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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