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01/01/2015

Tratado do verbo encarnado 77

Questão 11: Da ciência inata ou infusa da alma de Cristo

Art. 2 — Se a alma de Cristo não podia conhecer pela ciência infusa, senão servindo-se dos fantasmas.

O segundo discute-se assim. — Parece que a alma de Cristo não podia conhecer pela ciência infusa, senão servindo-se dos fantasmas.

1 - Pois, os fantasmas estão para a alma intelectiva como as cores, para a vista, consoante o diz Aristóteles. Ora, a potência visiva de Cristo não podia actualizar-se senão em dependência das cores. Logo, também a sua alma intelectiva nada podia inteligir sem recorrer aos fantasmas.

2. Demais. — A alma de Cristo tem a mesma natureza que a nossa, do contrário não seria da mesma espécie que nós, em oposição ao dito do Apóstolo: Fez-se semelhante aos homens. Ora, a nossa alma não pode inteligir sem se servir dos fantasmas. Logo, nem a alma de Cristo.

3. Demais. — Os sentidos foram dados ao homem para servirem o intelecto. Se, pois, a alma de Cristo podia inteligir sem se servir dos fantasmas, recebidos pelos sentidos, então os sentidos teriam sido inúteis, o que é inadmissível. Logo, parece que a alma de Cristo não podia inteligir senão servindo-se dos fantasmas.

Cristo, no estado anterior à paixão, tinha a sua alma unida ao corpo e simultaneamente contemplava a essência divina, como a seguir melhor se dirá. E sobretudo, o seu corpo, pela sua passibilidade, estava sujeito à condição do corpo mortal, ao passo que sobretudo pela sua alma intelectiva é que estava sujeito as condições da visão. Ora, é condição da alma, que frui da visão beatífica, não estar sujeita de modo nenhum ao corpo, nem dele depender, mas ao contrário, dominá-lo totalmente, por isso, depois da ressurreição, a glória da alma redundará para o corpo. Ora, a alma do homem, enquanto unida ao corpo, precisa recorrer aos fantasmas, por estar ligada a ele, e, de certo modo, ao corpo sujeita e dele dependente. Por isso, as almas bem-aventuradas, antes e depois da ressurreição, podem inteligir sem recorrer aos fantasmas. O que devemos dizer da alma de Cristo, que teve na sua plenitude a faculdade da visão.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A semelhança referida, de que fala o Filósofo, não é uma semelhança total. Pois, como é manifesto, o fim da potência visiva é conhecer as cores, mas, o fim da potência intelectiva não é conhecer os fantasmas, mas as espécies inteligíveis que apreende dos fantasmas e nos fantasmas, no estado da vida presente. Há, pois, semelhança quanto ao referente a uma e a outra potência, mas não quanto ao termo da condição de uma e de outra. Pois, nada impede, segundo os estados diversos, por meios diversos tender um ente para o seu fim. Ora, o fim próprio de um ser é só um. Donde, embora a vista nada conheça sem a cor, contudo o intelecto, conforme o seu estado, pode conhecer sem fantasma, mas não, sem espécie inteligível.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Embora a obra de Cristo fosse da mesma natureza que a nossa, tinha contudo um estado que a nossa alma actual e realmente não tem, senão só em esperança, a saber, o estado da visão beatífica.

RESPOSTA À TERCEIRA. Embora a alma de Cristo pudesse inteligir sem recorrer aos fantasmas, podia contudo inteligir também recorrendo a eles. Por isso não tinha em vão os seus sentidos, sobretudo porque os sentidos não são dados ao homem só para os efeitos da ciência intelectiva, mas também para as necessidades da vida animal.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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