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02/11/2014

Queres deveras ser santo?

Queres deveras ser santo? – Cumpre o pequeno dever de cada momento faz o que deves e está no que fazes. (Caminho, 815)

Tens obrigação de te santificar. – Tu, também. – Quem pensa que é tarefa exclusiva de sacerdotes e religiosos? A todos, sem excepção, disse o Senhor: "Sede perfeitos, como meu Pai Celestial é perfeito".. (Caminho, 291)

Rectificar. – Todos os dias um pouco. – Eis o teu trabalho constante, se deveras queres tornar-te santo. (Caminho, 290)

Ser fiel a Deus exige luta. E luta corpo a corpo, homem a homem – homem velho e homem de Deus – palmo a palmo, sem claudicar. (Sulco, 126)

Hoje não bastam mulheres ou homens bons. Além disso, não é suficientemente bom quem se contenta em ser quase... bom; é preciso ser "revolucionário". Ante o hedonismo, ante a carga pagã e materialista que nos oferecem, Cristo quer inconformistas! Rebeldes de Amor! (Sulco, 128)

Se não for para construir uma obra muito grande, muito de Deus – a santidade –, não vale a pena entregar-se.

Por isso, a Igreja, ao canonizar os Santos, proclama a heroicidade da sua vida. (Sulco, 611)


Temas para meditar - 259


Prudência


Prudente não é - como frequentemente se acredita -  o que sabe arranjar a sua vidinha e tirar dela o máximo proveito, mas quem acerta em edificar a vida inteira segundo a voz da consciência recta e segundo as exigências da justa moral.
Deste modo, a prudência vem a ser a chave para que cada um realize a tarefa fundamental que recebeu de Deus. Esta tarefa é a perfeição do próprio homem.

(Btº JOÃO PAULO IIAloc., 1978.10.25)

Tratado do verbo encarnado 17

Questão 2: Do modo da união do Verbo Encarnado

Art. 12 — Se a graça da união era natural ao homem Cristo.

O duodécimo discute-se a graça da união não era natural ao homem Cristo.

1. — Pois, a união da Encarnação não se fez na natureza, mas na pessoa, como se disse. Ora, um movimento designa-se pelo seu termo. Logo, essa graça deve ser considerada, antes, pessoal que natural.

2. Demais. — A graça divide-se da natureza por oposição, assim como o que é gratuito, procedente de Deus, se distingue do natural, procedente de um princípio intrínseco. Ora, de coisas que se dividem por oposição, uma não tira da outra a sua denominação. Logo, a graça de Cristo não lhe é natural.

3. Demais. — Chama-se natural ao que é segundo a natureza. Ora, a graça da união não é natural a Cristo pela sua natureza divina, porque então conviria também às outras pessoas. Nem lhe é natural pela sua natureza humana, porque então conviria a todos os homens, que são da mesma natureza que ele. Logo, parece que de nenhum modo a Graça da união é natural a Cristo.

Mas, em contrário, Agostinho diz: Por ter assumido a natureza humana a graça mesma de algum modo se tornou natural a esse homem, e nenhum pecado o poderia privar dela.

Segundo o Filósofo, num sentido chama-se natureza a própria natividade, noutro, a essência de um ser. Donde, natural pode ter significado duplo. Num, é o resultado dos princípios essenciais de um ser, assim, é natural ao fogo ser levado para o alto. Noutro, dizemos natural ao homem o que ele tem pela sua natividade, segundo aquilo do Apóstolo: Éramos por natureza filhos da ira. E noutro lugar da Escritura: A sua nação é malvada e a malícia é-lhes natural. Logo, a graça de Cristo, quer a de união, quer a habitual, não pode chamar-se natural, quase causada nele pelos princípios da natureza humana, embora possa chamar-se natural, quase proveniente à natureza humana de Cristo, pela causalidade da sua natureza divina. Mas dissemos que ambas essas graças são naturais a Cristo, por as ter desde a sua natividade, pois, desde o início da sua concepção a natureza humana esteve unida à pessoa divina, e a sua alma tinha a plenitude do dom da graça.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Embora a união não se tivesse feito na natureza, foi contudo causada pelo poder da natureza divina, que é verdadeiramente a natureza de Cristo. E também convinha a Cristo desde o princípio da sua natividade.

RESPOSTA À SEGUNDA. — As expressões — graça e natural — não têm sentido idêntico. Mas, chama-se graça ao que não provém do mérito, e natural, ao que provém da virtude da natureza divina, para a humanidade de Cristo, desde o seu nascimento.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A graça da união não é natural a Cristo segundo a sua natureza humana, quase causada dos princípios dessa natureza. Donde, não é necessário que convenha a todos os homens. Mas é-lhe natural segundo a natureza humana, por causa da propriedade da sua natividade, isto é, foi concebido do Espírito Santo de modo que fosse naturalmente Filho de Deus e do homem. Mas, segundo a natureza divina é-lhe natural, enquanto a natureza divina é o princípio activo dessa graça. E isto convém à toda a Trindade, isto é, ser o princípio activo dessa graça.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evangelho diário, coment. Leit espiritual (História de uma alma)

Tempo comum XXXI Semana

Fiéis defuntos

Evangelho: Mt 11 25-30

25 Então Jesus, falando novamente, disse: «Eu Te louvo ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e aos prudentes, e as revelaste aos pequeninos. 26 Assim é, ó Pai, porque assim foi do Teu agrado. 27 «Todas as coisas Me foram entregues por Meu Pai; e ninguém conhece o Filho senão o Pai; nem ninguém conhece o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar. 28 O «Vinde a Mim todos os que estais fatigados e oprimidos, e Eu vos aliviarei. 29 Tomai sobre vós o Meu jugo, e aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração, e achareis descanso para as vossas almas. 30 Porque o Meu jugo é suave, e o Meu fardo leve».

Comentário:

Não temos, não podemos ter, senão uma pálida ideia do bem que Deus derrama sobre nós.
A Sua Graça está sempre actuante nas nossas vidas. De facto, nós somos os “pequeninos” que o Senhor refere como sendo os preferidos do Pai, os que Ele destinou para O conhecer e gozar eternamente na Sua companhia.

(ama, comentário sobre Mt 11, 25-27, 2014.06.27)

Leitura espiritual




HISTÓRIA DE UMA ALMA

Santa Teresinha do Menino Jesus

Manuscrito "A" - Parte III

…/3

Antes de ver a família congregada no pátrio lar dos Céus, devia atravessar ainda muitas separações. No ano de minha admissão como filha da Santíssima Virgem, ela tirou-me a minha querida Maria, único sustento de minha alma... Era Maria quem me guiava, consolava, ajudava a praticar a virtude. Era o meu único oráculo. Sem dúvida, Paulina tinha ficado bem firme no meu coração, mas estava longe, muito longe de mim!... Sofri o martírio para me habituar a viver sem ela, por ver entre nós muros intransponíveis. Mas enfim acabei aceitando a triste realidade. Paulina estava perdida para mim, quase como se estivesse morta. Continuava a amar-me, rezava por mim, mas aos meus olhos minha querida Paulina tornara-se uma santa, que já não poderia compreender as coisas da terra; e as misérias da sua pobre Teresa, se as conhecesse, tê-la-iam espantado e impedido de amá-la tanto... Por outro lado, ainda se quisera confidenciar-lhe os meus pensamentos, como o fazia nos Buissonnets, não teria possibilidade, porque os atendimentos no locutório eram somente para Maria. Celina e eu tínhamos permissão de chegar lá só no final, justamente o tempo necessário para nos deixar com o coração apertado... Assim não tinha na realidade senão Maria, que me era, por assim dizer, indispensável. Só a ela contava meus escrúpulos e era tão obediente que meu confessor nunca chegou a saber da minha desagradável doença. A ele dizia exactamente o número de pecados que Maria me autorizava confessar, nem um a mais. Por isso poderia ser tida como a alma menos escrupulosa da terra, embora o fosse até ao último grau... Maria sabia, por conseguinte, tudo o que se passava em minha alma. Sabia também dos meus desejos a respeito do Carmelo, e eu lhe queria tanto, que não podia viver sem ela. Titia convidava-nos todos os anos a irmos, uma por vez, à sua casa em Trouville. Gostava muito de lá ir, mas em companhia de Maria! Não a tendo comigo, ficava muito entediada. Uma vez, entretanto, senti-me satisfeita em Trouville. Foi no ano da viagem de Papai a Constantinopla. Para nos distrair um pouco, (pois estávamos desgostosas por saber Papai a tão grande distância), Maria mandou-nos, à Celina e a mim, passar quinze dias à beira-mar. Tive ali muita distração, porque a minha Celina estava comigo. Titia arranjava-nos todos os passatempos possíveis: montaria em jumentinho, pesca de lingueirões etc... Era ainda muito criança, apesar dos meus doze anos e meio. Lembro-me da minha satisfação, quando punha as lindas fitas azuis de anil, que Titia me dera para os cabelos. Lembra-me, também, de ter confessado em Trouville até essa alegria infantil, que pareceu-me pecado... Uma tarde, fiz uma experiência que me surpreendeu bastante. - Maria (Guérin), que vivia quase sempre adoentada, choramingava de vez em quando. Titia então fazia-lhe carícias, dizia-lhe os nomes mais afectuosos, e a minha querida priminha nem por isso parava de dizer, toda lacrimosa, que estava com dor de cabeça. Ora, eu que, quase todos os dias, também tinha dor de cabeça e nunca me queixava, quis uma tarde imitar Maria. Senti, pois, a obrigação de choramingar numa poltrona ao canto da sala. Joana e Titia logo aproximaram-se de mim, perguntando-me o que tinha. Respondi, igual à Maria: "Estou com dor de cabeça". Parece que não me saí bem no modo de queixar-me, pois nunca pude convencê-las de ter sido dor de cabeça o que me fizera chorar. Em vez de me afagarem, falaram comigo como se fala com gente grande. De sua parte, Joana censurou-me por não confiar bastante na Titia, por julgar que eu estava às voltas com algum escrúpulo de consciência... Afinal, aprendi à própria custa, tomando a firme resolução de não imitar mais os outros, e entendi a fábula de "O asno e o cachorrinho". Eu representava o asno que, vendo as carícias que se faziam ao cachorrinho, ergueu a pesada pata sobre a mesa, para receber o seu quinhão de beijos. Mas, ai! se não levei pancadas, como o pobre animal, recebi realmente a moeda de minha paga, moeda que me curou, por toda a vida, do prurido de atrair a atenção. Só o esforço que nisso apliquei, custou-me caro demais!...

No ano seguinte, que era o da partida de minha querida Madrinha, Titia ainda me convidou, mas desta vez a mim sozinha, mas tão desambientada fiquei que, ao cabo de dois ou três dias adoeci, e foi preciso que me fizessem voltar para Lisieux. A minha doença, que temiam como grave, não passava de uma nostalgia dos Buissonnets. Mal ali pus os pés, voltou a saúde... E a essa criança, ia o Bom Deus arrebatar-lhe o único apoio que a prendia à vida!...

Logo que soube da resolução de Maria, resolvi não procurar mais nenhum prazer na terra... Depois que saí do pensionato, alojei-me no antigo gabinete de pintura de Paulina, e arrumei-o a meu gosto. Era um verdadeiro bazar, um aglomerado de coisas piedosas e curiosidades, uma jardineira e um viveiro de passarinhos... Assim, também, na parede do fundo, sobressaíam uma grande cruz de madeira preta, sem o corpo de Cristo, e alguns desenhos que me agradavam. Na outra parede, uma cesta guarnecida de musselina e fitas cor-de-rosa, cheia de folhinhas picadas e de flores. Afinal, na última parede, salientava-se, como peça única, o retrato de Paulina aos 1O anos de idade. Debaixo do retrato, conservava eu uma mesa, onde se achava uma grande gaiola, que comportava grande número de passarinhos, cujos melodiosos trinados atordoava a cabeça dos visitantes, mas não a da sua jovem proprietária, que lhes tinha grande afeição... Ali havia ainda o "pequeno traste branco", cheio dos meus livros de estudo, de cadernos etc. Em cima do traste estava colocada uma estátua da Santíssima Virgem, com vasos sempre providos de flores naturais, com castiçais. Em redor, havia uma multidão de estatuetas de Santos e Santas, cestinhos feitos de conchas, caixas de cartolina, etc! Afinal, a minha jardineira ficava suspensa diante da janela, onde eu cultivava vasos de flores (os mais raros que podia encontrar). No interior do "meu museu" havia ainda uma jardineira, sobre a qual punha a minha planta predilecta... Diante da janela, a minha mesa coberta com um tapete verde, e sobre esse tapete coloquei, no meio, uma ampulheta, uma estatueta de São José, um porta-relógio, corbelhas para flores, um tinteiro etc... Algumas cadeiras mancas e a fascinante caminha de boneca de Paulina completavam todo o meu mobiliário. Realmente, esse pobre quarto de sótão era um mundo para mim, e como o Sr. De Maistre poderia eu escrever um livro com o título: "Passeio em torno do meu quarto". Gostava de permanecer horas inteiras nesse quarto, a estudar e a meditar diante do panorama que se descortinava aos meus olhos... Quando eu soube da partida de Maria, o meu quarto perdeu para mim todo o encanto. Não queria abandonar um só instante a querida irmã que dentro em breve se subtrairia à nossa convivência... Quantos actos de paciência não a obriguei a praticar! Todas as vezes que passava diante da porta do seu quarto, batia até que ela abrisse, e abraçava-a de todo o coração. Queria fazer provisão de beijos por todo o tempo que ficaria sem eles.

Um mês antes de sua entrada no Carmelo, Papai levou-nos a Alençon, mas a viagem ficou longe de assemelhar-se à primeira, porque tudo se me converteu em tristeza e amargura. Não poderia descrever as lágrimas que derramei junto ao túmulo de Mamãe, por ter esquecido de levar um ramalhete de centáureas, colhidas para ela. Na verdade, acabrunhava-me com qualquer coisa! Era ao contrário de agora, pois o Bom Deus concedeu-me a graça de me não abater com nenhuma coisa passageira. Quando recordo os tempos idos, minha alma transborda de gratidão vendo os favores que recebi do Céu. Operou-se tal mudança em mim que não sou reconhecível... Verdade é que eu desejava ter "sobre minhas acções um domínio absoluto, ser a dona, não a escrava"'. Essas palavras da Imitação comoviam-me profundamente, mas devia, por assim dizer, comprar essa graça inestimável pelos meus desejos; ainda parecia uma criança que só quer o que os outros querem. O que fazia as pessoas de Alençon dizerem que eu era fraca de carácter... Foi durante essa viagem que Leónia fez experiência nas Clarissas". Fiquei triste com sua entrada extraordinária, pois amava-a muito e não pude beijá-la antes da partida.
Nunca me esquecerei da bondade e do embaraço desse pobre paizinho quando veio anunciar-nos que Leónia já vestia o hábito das Clarissas... Como nós, achava isso muito engraçado, mas não queria dizer nada, vendo quanto Maria estava descontente. Levou-nos ao convento, e lá senti um aperto no coração como nunca tinha sentido ao ver um mosteiro. Isso produziu em mim o efeito contrário do Carmelo, em que tudo dilatava minha alma... A vista das religiosas tampouco me encantou, e não fiquei tentada a permanecer no meio delas. A pobre Leónia parecia muito gentil no novo traje; disse-nos para olhar bem os olhos dela, porque não devíamos vê-los mais (as Clarissas só se mostram de olhos baixos). Mas Deus contentou-se com dois meses de sacrifício, e Leónia voltou a mostrar-nos os seus olhos azuis, frequentemente molhados de lágrimas... Ao deixar Alençon, pensava que ela ia ficar com as Clarissas, por isso foi com muita tristeza que me afastei da triste rua da meia-lua. Ficávamos apenas três e, logo, nossa querida Maria ia nos deixar... 15 de outubro foi o dia da separação! Só restavam as duas últimas da numerosa e alegre família dos Buissonnets... As pombas haviam fugido do ninho paterno e as que ficavam queriam também segui-las, mas as suas asas eram ainda fracas demais para poder alçar voo... Deus, que queria chamar para si a menor e a mais fraca de todas elas, apressou-se em desenvolver as suas asas. Ele, que se compraz em mostrar a sua bondade e o seu poder servindo-se dos instrumentos menos dignos, quis chamar-me antes de Celina, que, sem dúvida, merecia antes esse favor. Mas Jesus sabia como eu era fraca e foi por isso que me escondeu antes no recôncavo do rochedo.

Quando Maria entrou para o Carmelo, era eu ainda muito escrupulosa. Já não podendo confiar-me a ela, volvi-me para o lado dos Céus. Foi aos quatro anjinhos, meus predecessores lá no alto, que me dirigi com a ideia de que as suas almas inocentes, por não terem jamais conhecido inquietações nem temores, deviam compadecer-se da sua pobre maninha que sofria aqui na terra. Falava-lhes com ingenuidade de criança, e fazia-lhes ver que, sendo a mais nova da família, tinha sido sempre a mais amada, a mais contemplada com carinhos por parte de minhas irmãs, e que eles, por certo também me teriam dado provas de afeição, se tivessem continuado aqui na terra... A sua partida para o Céu não me parecia motivo para me esquecerem. Pelo contrário, estando em condições de haurir nos tesouros divinos, neles poderiam buscar a paz para mim, e mostrar-me assim que no Céu a gente ainda sabe amar!... A resposta não se fez esperar. A paz logo me inundou a alma com sua deliciosa exuberância, e compreendi que, se era amada aqui na terra, também o era lá no Céu... Desde aquele momento, cresceu a minha devoção para com os meus irmãozinhos. Gosto de entreter-me muitas vezes com eles, de falar-lhes das tristezas do exílio... do meu desejo de logo juntar-me a eles brevemente na Pátria!...

Se o Céu me cobria de graças, não era porque as merecesse, era ainda muito imperfeita; de facto, tinha um grande desejo de praticar a virtude, mas agia de maneira estranha. Eis um exemplo: por ser a mais nova, não estava acostumada a servir-me. Celina arrumava o quarto em que dormíamos e eu não fazia nenhum trabalho caseiro; depois da entrada de Maria no Carmelo, acontecia-me, às vezes, para agradar a Deus, de tentar arrumar a cama ou de, na ausência de Celina, guardar os vasos de flores à noite. Como disse, era só por Deus que eu fazia essas coisas, portanto não devia esperar o agradecimento das criaturas. Ai! Era todo o contrário. Se Celina não demonstrasse contentamento pelos meus servicinhos, eu ficava contrariada e provava-o com minhas lágrimas...

Era verdadeiramente insuportável pela minha sensibilidade excessiva. Se me acontecesse causar involuntariamente aflição a alguém a quem amava, em vez de me controlar e não chorar, o que aumentava meu erro em vez de diminuí-lo, chorava como uma Madalena, e quando começava a consolar-me pela coisa que me levara a chorar chorava por ter chorado... Todos os raciocínios eram inúteis e não conseguia corrigir-me desse desagradável defeito. Não sei como acalentava a doce ideia de ingressar no Carmelo, estando ainda nos cueiros!..." Foi preciso Deus fazer um pequeno milagre para eu crescer de repente, e esse milagre deu-se num dia inesquecível de Natal, nessa noite luminosa que ilumina as delícias da Santíssima Trindade. Jesus, a doce criancinha recém-nascida, transformou a noite da minha alma em torrentes de luz... nessa noite em que se fez fraco e sofrido pelo meu amor, fez-me forte e corajosa, equipou-me com as suas armas e, desde essa noite abençoada, não saí vencida em nenhum combate. Pelo contrário, andei de vitória em vitória e iniciei, por assim dizer, "uma corrida de gigante!..." A fonte das minhas lágrimas secou e só voltou a jorrar pouquíssimas vezes e com dificuldade, o que justificou essa palavra que me fora dita: "Choras tanto na infância que, mais tarde, não terás mais lágrimas para derramar!..."

Foi em 25 de Dezembro de 1886 que recebi a graça de sair da infância, em suma, a graça da minha completa conversão. Estávamos voltando da missa do galo, em que tinha tido a felicidade de receber o Deus forte e poderoso. Ao chegar aos Buissonnets, alegrava-me por pôr os meus sapatos na lareira. Esse costume antigo causara-nos tanta alegria durante a infância que Celina queria continuar a tratar como um bebé, por ser a menor da família... Papai gostava de ver a minha felicidade, ouvir os meus gritos de alegria ao tirar cada surpresa dos sapatos encantados, e a alegria do meu Rei querido aumentava muito a minha. Mas, querendo Jesus mostrar-me que devia desfazer-me dos defeitos da infância, tirou de mim também as inocentes alegrias; permitiu que papai, cansado da missa do galo, sentisse tédio vendo os meus sapatos na lareira e dissesse essas palavras que me magoaram: "Enfim, felizmente, é o último ano!..." Subi a escada para ir tirar o meu chapéu, Celina, conhecendo a minha sensibilidade e vendo já as lágrimas nos meus olhos, ficou também com vontade de chorar, pois amava-me muito e compreendia o meu sofrimento: "Oh, Teresa!", disse-me, "não desce, causar-te-á tristeza demais olhar já os teus sapatos". Mas Teresa não era mais a mesma, Jesus havia mudado o coração dela! Reprimindo as minhas lágrimas, desci rapidamente e, comprimindo as batidas do coração, peguei os meus sapatos... então, colocando-os diante de papai, tirei alegremente todos os objectos, parecendo feliz como uma rainha. Papai ria também, voltara a ficar alegre e Celina pensava sonhar!... Felizmente, era uma doce realidade. Teresinha reencontrar a força de alma que perdera aos 4 anos e meio e ia conservar para sempre!...

(cont.)