Páginas

18/07/2014

Espera-se heroísmo do cristão

Quantos, que se deixariam cravar numa Cruz, perante o olhar atónito de milhares de espectadores, não sabem sofrer cristãmente as alfinetadas de cada dia! – Pensa então no que será mais heróico. (Caminho, 204).

Hoje, como ontem, espera-se heroísmo do cristão. Heroísmo em grandes contendas, se é preciso. Heroísmo – e será o normal – nas pequenas escaramuças de cada dia. Quando se luta continuamente, com Amor e deste modo que parece insignificante, o Senhor está sempre ao lado dos seus filhos, como pastor amoroso: Eu mesmo apascentarei as minhas ovelhas e as farei repousar, diz o Senhor Deus. Irei procurar as que se tinham perdido, farei voltar as que andavam desgarradas, porei ligaduras às que tinham algum membro quebrado e fortalecerei as que estavam fracas... E as minhas ovelhas habitarão no seu país sem temor; e elas saberão que eu sou o Senhor, quando eu tiver quebrado as cadeias do seu jugo, e as tiver arrancado das mãos daqueles que as dominavam.

Apelo para a sua misericórdia, para a sua compaixão, a fim de que não olhe para os nossos pecados, mas para os méritos de Cristo e de sua Santa Mãe, e que é também nossa Mãe, para os do Patriarca S. José, que Lhe serviu de Pai, para os Santos.


O cristão pode viver com a segurança de que, se quiser lutar, Deus o acolherá na sua mão direita, como se lê na Missa desta festa. Jesus, que entra em Jerusalém montado num pobre burrico, Rei da paz, é quem diz: o, reino dos céus alcança-se com violência, e os violentos arrebatam-no. Essa força não se manifesta na violência contra os outros; é fortaleza para combater as próprias debilidades e misérias, valentia para não mascarar as nossas infidelidades, audácia para confessar a fé, mesmo quando o ambiente é contrário. (Cristo que passa, 82)

Pequena agenda do cristão

Sexta-Feira

(Coisas muito simples, curtas, objectivas)







Propósito:
Contenção; alguma privação; ser humilde.


Senhor: Ajuda-me a ser contido, a privar-me de algo por pouco que seja, a ser humilde. Sou formado por este barro duro e seco que é o meu carácter, mas não Te importes, Senhor, não Te importes com este barro que não vale nada. Parte-o, esfrangalha-o nas Tuas mãos amorosas e, estou certo, daí sairá algo que se possa - que Tu possas - aproveitar. Não dês importância à minha prosápia, à minha vaidade, ao meu desejo incontido de protagonismo e evidência. Não sei nada, não posso nada, não tenho nada, não valho nada, não sou absolutamente nada.

Lembrar-me:
Filiação divina.

Ser Teu filho Senhor! De tal modo desejo que esta realidade tome posse de mim, que me entrego totalmente nas Tuas mãos amorosas de Pai misericordioso, e embora não saiba bem para que me queres, para que queres como filho a alguém como eu, entrego-me confiante que me conheces profundamente, com todos os meus defeitos e pequenas virtudes e é assim, e não de outro modo, que me queres ao pé de Ti. Não me afastes, Senhor. Eu sei que Tu não me afastarás nunca. Peço-Te que não permitas que alguma vez, nem por breves instantes, seja eu a afastar-me de Ti.

Pequeno exame:
Cumpri o propósito que me propus ontem?




Temas para meditar - 178

Vida interior


As causas que levam a não progredir na vida interior e portanto, a retroceder e a dar guarida ao desalento, podem ser muito diversas, mas em muitas ocasiões reduzem-se a poucas: o descuido, o desleixo nas coisas pequenas que dizem respeito ao serviço e amizade com Deus, e o retroceder ante os sacrifícios que nos pede. 

(R. garrigou-lagrangeLas tres edades de la vida interior, Palabra, 4ª ed., Madrid, 1982, vol. I, nr. 531 ss., trad ama)

Tratado da lei 57

Questão 101: Dos preceitos cerimoniais em si mesmos.

Em seguida devemos tratar dos preceitos cerimoniais. Primeiro, em si mesmos. Segundo, da causa deles. Terceiro, da duração dos mesmos.

Na primeira questão discutem-se quatro artigos:

Art. 1 — Se a razão dos preceitos cerimoniais está em serem concernentes ao culto de Deus.
Art. 2 — Se os preceitos cerimoniais são figurativos.
Art. 3 — Se deviam ter sido muito os preceitos cerimoniais.
Art. 4 — Se as cerimónias da lei antiga se dividiam convenientemente em sacrifícios, coisas sagradas, sacramentos e observâncias.

Art. 1 — Se a razão dos preceitos cerimoniais está em serem concernentes ao culto de Deus.

(Supra, q. 99, a. 3; infra, q. 104, a. 1).

O primeiro discute-se assim. — Parece que a razão dos preceitos cerimoniais não está em concernirem ao culto de Deus.

1. — A lei antiga impunha aos judeus alguns preceitos sobre a abstinência dos alimentos, como se vê na Escritura (Lv 11); e também proibia o uso de algumas vestes (Lv 19, 19): Não usarás vestido que seja tecido de fios diferentes. E ainda (Nm 15, 38): que se façam umas guarnições nos remates das suas capas. Ora, estes não são preceitos morais, porque não permaneceram na lei nova; e nem judiciais, por não dizerem respeito a juízos dirimentes de questões entre as partes. Logo, são cerimoniais, mas, que em nada concernem ao culto de Deus. Portanto, não é da essência dos preceitos cerimoniais serem concernentes ao culto de Deus.

2. Demais. — Alguns consideram cerimoniais os preceitos concernentes às solenidades, provavelmente assim chamados por causa dos círios que se nelas acendiam. Ora, além das solenidades, há muitas mais cerimónias concernentes ao culto de Deus. Donde se conclui que os preceitos cerimoniais da lei não se chamam assim por concernirem ao culto de Deus.

3. Demais. — Alguns consideram os preceitos cerimoniais como quase normas, i. é, regra da salvação; pois, chaireem em grego significa salve, em latim. Ora, todos os preceitos da lei são regras de salvação, e não só os atinentes ao culto de Deus. Logo, não se chamam cerimoniais só os preceitos concernentes ao culto de Deus.

4. Demais. — O Rabbi Moisés diz que se chamam preceitos cerimoniais aqueles cuja razão não é manifesta. Ora, muitos dos preceitos concernentes ao culto de Deus tem razão manifesta, como, a observância do Sábado, a celebração da Fase e da Scenopegia, e muitas outras, cuja razão é sinalada na lei. Logo, cerimoniais não são os preceitos concernentes ao culto de Deus.

Mas, em contrário, diz a Escritura (Ex 18, 19-20): Presta-te ao povo naquelas coisas que dizem respeito a Deus, para lhes ensinares as cerimónias e o modo com que devem honrar a Deus.

Como já dissemos (q. 99, a. 4), os preceitos cerimoniais determinam os preceitos morais relativos a Deus, assim como os judiciais os determinam em relação ao próximo. Ora, o homem ordena-se para Deus por meio do culto devido. Por onde, cerimoniais propriamente se chamam os preceitos concernentes ao culto de Deus. E a razão deste nome já a demos antes, quando distinguimos esses preceitos, dos outros.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Ao culto de Deus não dizem respeito só os sacrifícios e coisas semelhantes, considerados como se ordenando a Deus imediatamente, mas também a preparação conveniente dos ministros do culto devido a Deus. Assim, em tudo, os meios conducentes ao fim pertencem à ciência do fim. Ora, esses preceitos sobre as vestes e os alimentos dos ministros de Deus, estabelecidos pela lei, e outros semelhantes, respeitam-lhes de certo modo a preparação a fim de serem idóneos para tal culto; assim como os que estão a serviço do rei seguem certas observâncias especiais. Por isso, tais preceitos estão contidos nos cerimoniais.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Essa derivação do nome em questão não parece muito apropriada; sobretudo por não ser frequente ler-se, na lei, que se acendessem círios nas solenidades; senão que, no próprio candelabro, eram preparadas lâmpadas com azeite de oliveira como está claro na Escritura (Lv 24, 2). Contudo, pode dizer-se, que nas solenidades tudo o mais pertencente ao culto de Deus era diligentemente observado; e sendo assim, na observância das solenidades incluem-se todos os preceitos cerimoniais.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Também não parece muito apropriada a derivação desse nome, pois, o nome “cerimónia” não é grego, mas latino. Pode dizer-se, contudo, que, vindo de Deus a salvação do homem, são aqueles preceitos considerados sobretudo como regras da salvação, que o ordenam para Deus. E assim, preceitos cerimoniais se chamam os relativos ao culto de Deus.

RESPOSTA À QUARTA. — Essa explicação dos preceitos cerimoniais é de algum modo provável. Não que se chamem cerimoniais por não terem explicação manifesta, mas por tal ser uma consequência. Pois, dos preceitos concernentes ao culto de Deus serem figurativos, como a seguir se dirá (a. 2), procede o não terem a razão manifesta.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evangelho e comentário, Leit. Espiritual Cong para a Doutrina da Fé - A mensagem de Fátima,)


Tempo comum XV Semana

Evangelho: Mt 12, 1-8

1 Naquele tempo, num dia de sábado, passava Jesus por umas searas, e Seus discípulos, tendo fome, começaram a colher espigas e a comê-las. 2 Vendo isto os fariseus, disseram-Lhe: «Olha que os Teus discípulos fazem o que não é permitido fazer ao sábado». 3 Jesus respondeu-lhes: «Não lestes o que fez David e os seus companheiros, quando tiveram fome? 4 Como entrou na casa de Deus, e comeu os pães sagrados, dos quais não era lícito comer, nem a ele, nem aos que com ele iam, mas só aos sacerdotes? 5 Não lestes na Lei que aos sábados os sacerdotes no templo violam o sábado e ficam sem culpa? 6 Ora Eu digo-vos que aqui está Alguém que é maior que o templo. 7 Se vós soubésseis o que quer dizer: “Quero misericórdia e não sacrifício”, jamais condenaríeis inocentes. 8 Porque o Filho do Homem é senhor do próprio sábado».9 Partindo dali, foi à sinagoga deles,10 onde se encontrava um homem que tinha atrofiada uma das mãos; e, eles, para terem de que O acusar, perguntaram-Lhe: «É permitido curar aos sábados?». 11 Ele respondeu-lhes: «Que homem haverá entre vós que, tendo uma ovelha, se esta cair no dia de sábado a uma cova, não a agarre, e não a tire de lá? 12 Ora quanto mais vale um homem do que uma ovelha? Logo, é permitido fazer bem no dia de sábado».

Comentário:

Continua, infelizmente, a haver muita gente – até entre os cristãos – cuja principal preocupação parece ser o avaliar os outros e as suas acções tendo em conta os detalhes, pormenores – os “argueiros” – portando-se como uma espécie de “guardiões” da Lei. O seu espírito crítico sempre pronto a manifestar-se afoga qualquer boa intenção e, mesmo, qualquer obra boa.

É uma pena! Se conhecessem tão bem a Lei como pensam que conhecem teriam bem presente que o que lhes deveria importar nos outros seria procurar satisfazer as suas necessidades tal como, se têm fome… dar-lhes de comer.

(ama, comentário sobre Mt 12, 1-8, 2014.03.16)

Leitura espiritual


Documentos do Magistério

CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ

A MENSAGEM DE FÁTIMA

APRESENTAÇÃO

Na passagem do segundo para o terceiro milénio, o Papa João Paulo II decidiu tornar público o texto da terceira parte do «segredo de Fátima».

Depois dos acontecimentos dramáticos e cruéis do século XX, um dos mais tormentosos da história do homem, com o ponto culminante no cruento atentado ao «doce Cristo na terra», abre-se assim o véu sobre uma realidade que faz história e a interpreta na sua profundidade segundo uma dimensão espiritual, a que é refractária a mentalidade actual, frequentemente eivada de racionalismo.

A história está constelada de aparições e sinais sobrenaturais, que influenciam o desenrolar dos acontecimentos humanos e acompanham o caminho do mundo, surpreendendo crentes e descrentes. Estas manifestações, que não podem contradizer o conteúdo da fé, devem convergir para o objecto central do anúncio de Cristo: o amor do Pai que suscita nos homens a conversão e dá a graça para se abandonarem a Ele com devoção filial. Tal é a mensagem de Fátima, com o seu veemente apelo à conversão e à penitência, que leva realmente ao coração do Evangelho.

Fátima é, sem dúvida, a mais profética das aparições modernas. A primeira e a segunda parte do «segredo», que são publicadas em seguida para ficar completa a documentação, dizem respeito antes de mais à pavorosa visão do inferno, à devoção ao Imaculado Coração de Maria, à segunda guerra mundial, e depois ao prenúncio dos danos imensos que a Rússia, com a sua defecção da fé cristã e adesão ao totalitarismo comunista, haveria de causar à humanidade.

Em 1917, ninguém poderia ter imaginado tudo isto: os três pastorinhos de Fátima veem, ouvem, memorizam, e Lúcia, a testemunha sobrevivente, quando recebe a ordem do Bispo de Leiria e a autorização de Nossa Senhora, põe por escrito.

Para a exposição das primeiras duas partes do «segredo», aliás já publicadas e conhecidas, foi escolhido o texto escrito pela Irmã Lúcia na terceira memória, de 31 de Agosto de 1941; na quarta memória, de 8 de Dezembro de 1941, ela acrescentará qualquer observação.

A terceira parte do «segredo» foi escrita «por ordem de Sua Ex.cia Rev.ma o Senhor Bispo de Leiria e da (...) Santíssima Mãe», no dia 3 de Janeiro de 1944.

Existe apenas um manuscrito, que é reproduzido aqui fotostaticamente. O envelope selado foi guardado primeiramente pelo Bispo de Leiria. Para se tutelar melhor o «segredo», no dia 4 de Abril de 1957 o envelope foi entregue ao Arquivo Secreto do Santo Ofício. Disto mesmo, foi avisada a Irmã Lúcia pelo Bispo de Leiria.

Segundo apontamentos do Arquivo, no dia 17 de Agosto de 1959 e de acordo com Sua Eminência o Cardeal Alfredo Ottaviani, o Comissário do Santo Ofício, Padre Pierre Paul Philippe OP, levou a João XXIII o envelope com a terceira parte do «segredo de Fátima». Sua Santidade, «depois de alguma hesitação», disse: «Aguardemos. Rezarei. Far-lhe-ei saber o que decidi». (1)

Na realidade, a decisão do Papa João XXIII foi enviar de novo o envelope selado para o Santo Ofício e não revelar a terceira parte do «segredo».

Paulo VI leu o conteúdo com o Substituto da Secretaria de Estado, Sua Ex.cia Rev.ma D. Ângelo Dell'Acqua, a 27 de Março de 1965, e mandou novamente o envelope para o Arquivo do Santo Ofício, com a decisão de não publicar o texto.

João Paulo II, por sua vez, pediu o envelope com a terceira parte do «segredo», após o atentado de 13 de Maio de 1981. Sua Eminência o Cardeal Franjo Seper, Prefeito da Congregação, a 18 de Julho de 1981 entregou a Sua Ex.cia Rev.ma D. Eduardo Martínez Somalo, Substituto da Secretaria de Estado, dois envelopes: um branco, com o texto original da Irmã Lúcia em língua portuguesa; outro cor-de-laranja, com a tradução do «segredo» em língua italiana. No dia 11 de Agosto seguinte, o Senhor D. Martínez Somalo devolveu os dois envelopes ao Arquivo do Santo Ofício. (2)

Como é sabido, o Papa João Paulo II pensou imediatamente na consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria e compôs ele mesmo uma oração para o designado «Acto de Entrega», que seria celebrado na Basílica de Santa Maria Maior a 7 de Junho de 1981, solenidade de Pentecostes, dia escolhido para comemorar os 1600 anos do primeiro Concílio Constantinopolitano e os 1550 anos do Concílio de Éfeso. O Papa, forçadamente ausente, enviou uma radiomensagem com a sua alocução. Transcrevemos a parte do texto, onde se refere exactamente o acto de entrega:

«Ó Mãe dos homens e dos povos, Vós conheceis todos os seus sofrimentos e as suas esperanças, Vós sentis maternalmente todas as lutas entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas, que abalam o mundo, acolhei o nosso brado, dirigido no Espírito Santo directamente ao vosso Coração, e abraçai com o amor da Mãe e da Serva do Senhor aqueles que mais esperam por este abraço e, ao mesmo tempo, aqueles cuja entrega também Vós esperais de maneira particular. Tomai sob a vossa protecção materna a família humana inteira, que, com enlevo afectuoso, nós Vos confiamos, ó Mãe. Que se aproxime para todos o tempo da paz e da liberdade, o tempo da verdade, da justiça e da esperança». (3)

Mas, para responder mais plenamente aos pedidos de Nossa Senhora, o Santo Padre quis, durante o Ano Santo da Redenção, tornar mais explícito o acto de entrega de 7 de Junho de 1981, repetido em Fátima no dia 13 de Maio de 1982. E, no dia 25 de Março de 1984, quando se recorda o fiat pronunciado por Maria no momento da Anunciação, na Praça de S. Pedro, em união espiritual com todos os Bispos do mundo precedentemente «convocados», o Papa entrega ao Imaculado Coração de Maria os homens e os povos, com expressões que lembram as palavras ardorosas pronunciadas em 1981:

«E por isso, ó Mãe dos homens e dos povos, Vós que conheceis todos os seus sofrimentos e as suas esperanças, Vós que sentis maternalmente todas as lutas entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas, que abalam o mundo contemporâneo, acolhei o nosso clamor que, movidos pelo Espírito Santo, elevamos directamente ao vosso Coração: Abraçai, com amor de Mãe e de Serva do Senhor, este nosso mundo humano, que Vos confiamos e consagramos, cheios de inquietude pela sorte terrena e eterna dos homens e dos povos.

De modo especial Vos entregamos e consagramos aqueles homens e aquelas nações que desta entrega e desta consagração têm particularmente necessidade.

“À vossa protecção nos acolhemos, Santa Mãe de Deus”! Não desprezeis as súplicas que se elevam de nós que estamos na provação!».

Depois o Papa continua com maior veemência e concretização de referências, quase comentando a Mensagem de Fátima nas suas predições infelizmente cumpridas:

«Encontrando-nos hoje diante Vós, Mãe de Cristo, diante do vosso Imaculado Coração, desejamos, juntamente com toda a Igreja, unir-nos à consagração que, por nosso amor, o vosso Filho fez de Si mesmo ao Pai: “Eu consagro-Me por eles — foram as suas palavras — para eles serem também consagrados na verdade” (Jo 17, 19). Queremos unir-nos ao nosso Redentor, nesta consagração pelo mundo e pelos homens, a qual, no seu Coração divino, tem o poder de alcançar o perdão e de conseguir a reparação.

A força desta consagração permanece por todos os tempos e abrange todos os homens, os povos e as nações; e supera todo o mal, que o espírito das trevas é capaz de despertar no coração do homem e na sua história e que, de facto, despertou nos nossos tempos.

Oh quão profundamente sentimos a necessidade de consagração pela humanidade e pelo mundo: pelo nosso mundo contemporâneo, em união com o próprio Cristo! Na realidade, a obra redentora de Cristo deve ser participada pelo mundo por meio da Igreja.

Manifesta-o o presente Ano da Redenção: o Jubileu extraordinário de toda a Igreja.

Neste Ano Santo, bendita sejais acima de todas as criaturas Vós, Serva do Senhor, que obedecestes da maneira mais plena ao chamamento Divino!

Louvada sejais Vós, que estais inteiramente unida à consagração redentora do vosso Filho!

Mãe da Igreja! Iluminai o Povo de Deus nos caminhos da fé, da esperança e da caridade! Iluminai de modo especial os povos dos quais Vós esperais a nossa consagração e a nossa entrega. Ajudai-nos a viver na verdade da consagração de Cristo por toda a família humana do mundo contemporâneo.

Confiando-Vos, ó Mãe, o mundo, todos os homens e todos os povos, nós Vos confiamos também a própria consagração do mundo, depositando-a no vosso Coração materno.

Oh Imaculado Coração! Ajudai-nos a vencer a ameaça do mal, que se enraíza tão facilmente nos corações dos homens de hoje e que, nos seus efeitos incomensuráveis, pesa já sobre a vida presente e parece fechar os caminhos do futuro!

Da fome e da guerra, livrai-nos!

Da guerra nuclear, de uma autodestruição incalculável, e de toda a espécie de guerra, livrai-nos!

Dos pecados contra a vida do homem desde os seus primeiros instantes, livrai-nos!

Do ódio e do aviltamento da dignidade dos filhos de Deus, livrai-nos!

De todo o género de injustiça na vida social, nacional e internacional, livrai-nos!

Da facilidade em calcar aos pés os mandamentos de Deus, livrai-nos!

Da tentativa de ofuscar nos corações humanos a própria verdade de Deus, livrai-nos!

Da perda da consciência do bem e do mal, livrai-nos!

Dos pecados contra o Espírito Santo, livrai-nos, livrai-nos!

Acolhei, ó Mãe de Cristo, este clamor carregado do sofrimento de todos os homens! Carregado do sofrimento de sociedades inteiras!

Ajudai-nos com a força do Espírito Santo a vencer todo o pecado: o pecado do homem e o “pecado do mundo”, enfim o pecado em todas as suas manifestações.

Que se revele uma vez mais, na história do mundo, a força salvífica infinita da Redenção: a força do Amor misericordioso! Que ele detenha o mal! Que ele transforme as consciências! Que se manifeste para todos, no vosso Imaculado Coração, a luz da Esperança!». (4)

A Irmã Lúcia confirmou pessoalmente que este acto, solene e universal, de consagração correspondia àquilo que Nossa Senhora queria: «Sim, está feita tal como Nossa Senhora a pediu, desde o dia 25 de Março de 1984» (carta de 8 de Novembro de 1989). Por isso, qualquer discussão e ulterior petição não tem fundamento.

Na documentação apresentada, para além das páginas manuscritas da Irmã Lúcia inserem-se mais quatro textos: 1) A carta do Santo Padre à Irmã Lúcia, datada de 19 de Abril de 2000; 2) Uma descrição do colóquio que houve com a Irmã Lúcia no dia 27 de Abril de 2000; 3) A comunicação lida, por encargo do Santo Padre, por Sua Eminência o Cardeal Ângelo Sodano, Secretário de Estado, em Fátima no dia 13 de Maio deste ano; 4) O comentário teológico de Sua Eminência o Cardeal Joseph Ratzinger, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.

Uma orientação para a interpretação da terceira parte do «segredo» tinha sido já oferecida pela Irmã Lúcia, numa carta dirigida ao Santo Padre a 12 de Maio de 1982, onde dizia:

«A terceira parte do segredo refere-se às palavras de Nossa Senhora: “Se não, [a Rússia] espalhará os seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja. Os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas” (13-VII-1917).

A terceira parte do segredo é uma revelação simbólica, que se refere a este trecho da Mensagem, condicionada ao facto de aceitarmos ou não o que a Mensagem nos pede: “Se atenderem a meus pedidos, a Rússia converter-se-á e terão paz; se não, espalhará os seus erros pelo mundo, etc”.

Porque não temos atendido a este apelo da Mensagem, verificamos que ela se tem cumprido, a Rússia foi invadindo o mundo com os seus erros. E se não vemos ainda, como facto consumado, o final desta profecia, vemos que para aí caminhamos a passos largos. Se não recuarmos no caminho do pecado, do ódio, da vingança, da injustiça atropelando os direitos da pessoa humana, da imoralidade e da violência, etc.

E não digamos que é Deus que assim nos castiga; mas, sim, que são os homens que para si mesmos se preparam o castigo. Deus apenas nos adverte e chama ao bom caminho, respeitando a liberdade que nos deu; por isso os homens são responsáveis». (5)

A decisão tomada pelo Santo Padre João Paulo II de tornar pública a terceira parte do «segredo» de Fátima encerra um pedaço de história, marcado por trágicas veleidades humanas de poder e de iniquidade, mas permeada pelo amor misericordioso de Deus e pela vigilância cuidadosa da Mãe de Jesus e da Igreja.

Acção de Deus, Senhor da história, e corresponsabilidade do homem, no exercício dramático e fecundo da sua liberdade, são os dois alicerces sobre os quais se constrói a história da humanidade.

Ao aparecer em Fátima, Nossa Senhora faz-nos apelo a estes valores esquecidos, a este futuro do homem em Deus, do qual somos parte activa e responsável.

tarcisio bertone, SDB
Arcebispo emérito de Vercelli
Secretário da Congregação para a Doutrina da Fé

(cont.)

_____________________
Notas:

(1) Lê-se no diário de João XXIII, a 17 de Agosto de 1959: «Audiências: P. Philippe, Comissário do S.O., que me traz a carta que contém a terceira parte dos segredos de Fátima. Reservo-me de a ler com o meu Confessor». 
(2) Vale a pena recordar o comentário feito pelo Santo Padre, na Audiência Geral de 14 de Outubro de 1981, sobre «O acontecimento de Maio: grande prova divina», em: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, IV2 (Città del Vaticano 1981), 409-412; cf. L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 18-X-1981), 484.  
(3) Radiomensagem durante o rito, na Basílica de Santa Maria Maior, «Veneração, agradecimento, entrega à Virgem Maria Theotokos», em: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, IV-1 Città del Vaticano 1981), 1246; cf. L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 14-VI-1981), 302.  
(4) Na Jornada Jubilar das Famílias, o Papa entrega a Nossa Senhora os homens e as nações: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, VII-1 (Città del Vaticano 1984), 775-777; cf. L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 1-IV-1984), 157 e 160.