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03/06/2014

Jesus Cristo e a Igreja 25

O que é a biblioteca de Nag Hammadi?

É uma colecção de doze códices de papiro com capas de couro que foram casualmente descobertos em 1945, no alto Egipto, junto à antiga aldeia de Quenoboskion, a uns dez quilómetros da moderna cidade de Nag Hammadi. Actualmente, conservam-se no Museu Copto do Cairo, e costumam designar-se com as siglas NHC (Nag Hammadi Codices). À mesma colecção atribuem-se outros três códices, conhecidos desde o século XVIII, que se encontram em Londres (Codex Askewianus, normalmente conhecido como Pistis Sophia), Oxford (Codex Brucianus) e Berlim (Códex Berolinensis). Estes três códices, embora sejam mais tardios, procedem da mesma zona.
Os NHC foram escritos até ao ano 330 e enterrados nos finais do séc. IV ou princípios do V. Esses códices contêm umas cinquenta obras escritas em copto – a língua egípcia falada pelos cristãos do Egipto e escrita em caracteres gregos – que são traduções do grego, às vezes não muito fiáveis. Quase todas as obras são de carácter herético e reflectem distintas tendências gnósticas que, em geral, já eram conhecidas, pois foram combatidas pelos Padres da Igreja, especialmente Santo Ireneu, Santo Hipólito de Roma e Santo Epifânio. O principal contributo desses códices é podermos agora ter acesso directo às obras dos próprios gnósticos e poder-se comprovar que, efectivamente, os Santos Padres conheciam bem aquilo que enfrentavam.

Do ponto de vista literário, nos NHC estão representados os géneros mais diversos: tratados teológicos e filosóficos, apocalipses, evangelhos, orações, actos de apóstolos, cartas, etc. Por vezes os títulos não estão no original, mas foram postos pelos editores atendendo ao conteúdo. No que concerne às obras que têm como título “ evangelho”, é preciso observar que se parecem muito pouco com os evangelhos canónicos, uma vez que não apresentam uma narração da vida do Senhor, mas apenas revelações secretas que presumivelmente Jesus terá feito aos seus discípulos. Assim, por exemplo, o evangelho de Tomé, traz cento e catorze ditos de Jesus, um após outro, sem outro contexto narrativo que algumas perguntas que às vezes lhe fazem os discípulos; e o “ Evangelho de Maria [Madalena]” narra a revelação que Cristo glorioso lhe faz a ela sobre a ascensão da alma.

Do ponto de vista das doutrinas os códices contêm, em geral, obras gnósticas cristãs, se bem que em algumas, como no “Apócrifo de João” (um dos mais importantes, uma vez que se encontra em quatro códices), os traços cristãos parecem secundários em relação ao mito gnóstico que constitui o seu núcleo.
Neste mito interpretam-se em sentido inverso os primeiros capítulos do Génesis, apresentando o Deus criador ou Demiurgo como um deus inferior e perverso que criou a matéria. Mas nos códices há também obras gnósticas não cristãs, que recolhem uma gnose greco-pagã, desenvolvida em torno da figura de Hermes Trismegisto, considerado o grande revelador do conhecimento (“Discurso do oito e do nove”). Este tipo de gnose era conhecida em parte, já antes das descobertas. Inclusivamente, em NHC VI, é recolhido um fragmento da “ República”, de Platão.

© www.opusdei.org - Textos elaborados por uma equipa de professores de Teologia da Universidade de Navarra, dirigida por Francisco Varo.


Sereno no meio das preocupações

Se, por teres o olhar fixo em Deus, souberes manter-te sereno no meio das preocupações; se aprenderes a esquecer as ninharias, os rancores e as invejas; pouparás muitas energias, que te fazem falta para trabalhar com eficácia, em serviço dos homens. (Sulco, 856)

Luta contra as asperezas do teu carácter, contra os teus egoísmos, contra o teu comodismo, contra as tuas antipatias... Além de que temos de ser corredentores, o prémio que receberás (pensa bem nisso!) estará em relação directíssima com a sementeira que tiveres feito. (Sulco, 863)

Tarefa do cristão: afogar o mal em abundância de bem. Nada de fazer campanhas negativas, nem de ser anti-nada. Pelo contrário: viver de afirmação, cheios de optimismo, com juventude, alegria e paz; olhar para todos com compreensão: os que seguem Cristo e os que O abandonam ou não O conhecem.

Compreensão, porém, não significa abstencionismo, nem indiferença, mas actividade. (Sulco, 864)


Paradoxo: desde que me decidi a seguir o conselho do salmo – "Lança sobre o Senhor as tuas preocupações, e Ele te sustentará", cada dia tenho menos preocupações na cabeça... E ao mesmo tempo, com o devido trabalho, resolve-se tudo com mais clareza! (Sulco, 873)

Pequena agenda do cristão


TeRÇa-Feira



(Coisas muito simples, curtas, objectivas)




Propósito:
Aplicação no trabalho.

Senhor, ajuda-me a fazer o que devo, quando devo, empenhando-me em fazê-lo bem feito para to poder oferecer.

Lembrar-me:
Os que estão sem trabalho.

Senhor, lembra-te de tantos e tantas que procuram trabalho e não o encontram, provê às suas necessidades, dá-lhes esperança e confiança.

Pequeno exame:
Cumpri o propósito que me propus ontem?



Temas para meditar 134

Culto


O primeiro mandamento ordena que ofereçamos unicamente a Deus o culto supremo, culto que lhe é devido como Criador e fim nosso, e essa obrigação positiva abrange muito mais coisas do que a mera abstenção da idolatria.


(leo j. treseA fé explicada, Quadrante, S. Paulo 4ª ed. nr. 162)

Bento XVI – Pensamentos espirituais 1

O Início do ministério petrino

Neste momento o meu pensamento vai para o dia 22 de Outubro de 1978, quando o Papa João Paulo II iniciou o seu ministério nesta Praça de São Pedro. Ainda hoje, ecoam constantemente nos meus ouvidos as suas palavras de então: Não tenhais medo. Abri, ou melhor, escancarai as portas a Cristo!». O Papa dirigia-se aos fortes, aos poderosos do mundo, àqueles que temem que Cristo possa retirar-lhes alguma espécie de poder se deixarem entrar c concederem liberdade à fé. Sim, Ele retirar-lhes-á certamente alguma coisa: o domínio da corrupção, da subversão do direito, do arbítrio. Mas não lhes retirará nada daquilo que faz parte da liberdade do Homem, da sua dignidade, da construção de uma sociedade mais justa.

(BENTO XVI, Homilia da Missa Inaugural do Pontificado,2005.04.24)


Tratado da lei 12

Questão 92: Dos efeitos da lei.

Art. 2 — Se os actos da lei estão convenientemente assinalados na expressão: são actos da lei ordenar, proibir, permitir e punir.

O segundo discute-se assim. — Parece que os actos da lei não estão convenientemente assinalados na expressão: são actos da lei ordenar, proibir, permitir e punir.

1. — Pois, toda lei é um preceito geral, como diz o jurisconsulto. Ora, ordenar é a mesma coisa que preceituar. Logo, os três outros membros da enumeração tornam-se supérfluos.

2. Demais. — O efeito da lei é levar os súbditos para o bem, como já se disse (a. 1). Ora, o conselho visa um bem melhor que o do preceito. Logo, à lei pertence, antes aconselhar que mandar.

3. Demais. — Assim como o homem é incitado ao bem pelas penas, também o é pelos prémios. Logo, se punir é considerado efeito da lei, também o premiar deve sê-lo.

4. Demais. — A intenção do legislador é tornar bons os homens, como já se disse (a. 1). Ora, quem só por medo das penas obedece à lei não é bom. Pois embora pelo temor servil, que é o temor das penas, alguém possa fazer o bem, não o faz contudo bem, como diz Agostinho. Logo, parece não ser próprio da lei punir.

Mas, em contrário, diz Isidoro: Toda lei ou permite alguma coisa, p. ex., que o homem forte busque o prémio, ou proíbe, p. ex., que a ninguém é lícito desposar uma virgem consagrada, ou pune, p. ex., com pena capital quem cometeu uma morte.

Como um enunciado é um ditame da razão expresso pela enunciação, assim a lei o é, expresso a modo de preceito. Ora, é próprio à razão passar de uma proposição para outra. Donde, assim como nas ciências demonstrativas a razão leva a assentirmos na conclusão, em virtude de certos princípios, assim também leva a assentirmos no preceito de lei, por alguns princípios.

Ora, as ordens da lei regulam actos humanos que ela dirige como já dissemos, (q. 90, a. 1, a. 2, q. 91, a. 4), e que são de diferentes espécies. Pois, segundo já ficou dito (q. 18, a. 8), certos actos são genericamente bons, e são os das virtudes. E em relação a estes diz-se que é acto da lei preceituar ou ordenar, porque a lei preceitua todos os actos das virtudes, como diz Aristóteles. — Outros actos são genericamente maus, como os actos viciosos. A lei proíbe-os. — Outros ainda são genericamente indiferentes, e este permite-os. Também podem considerar-se indiferentes, todos os actos que são pouco bons ou pouco maus. — Enfim, o meio pelo qual a lei se faz obedecer é o temor da pena. E por aqui se considera como seu efeito punir.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Assim como cessar o mal é de certo modo bem, assim, a proibição tem de certo modo natureza de preceito. E a esta luz, tomando em sentido lato a palavra preceito, a lei é universalmente chamada preceito.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Aconselhar não é acto próprio da lei, e pode pertencer mesmo a um particular, que não pode legislar. Por isso, o próprio Apóstolo, ao dar um conselho, disse: Eu é que digo, não o Senhor. Por isso, não é considerado como efeito da lei.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Também o premiar pode pertencer a qualquer pessoa, ao passo que punir não cabe senão ao ministro da lei, por cuja autoridade a pena é aplicada. Por isso, premiar não é considerado como acto da lei, mas só punir.

RESPOSTA À QUARTA. — Começando alguém a acostumar-se a evitar o mal e a fazer o bem, pelo temor da pena, é levado às vezes a praticá-lo por vontade própria e com prazer. E assim, a lei, mesmo punindo, leva os homens a se tornarem bons.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evangelho diário, comentário e leitura espiritual (Const. Past. Gaudium et spes)


Tempo de Páscoa
VII Semana

Evangelho: Jo 17, 1-11

1 Assim falou Jesus; depois, levantando os olhos ao céu, disse: «Pai, chegou a hora: Glorifica o Teu Filho, para que Teu Filho Te glorifique a Ti 2 e, pelo poder que Lhe deste sobre toda a criatura, dê a vida eterna a todos os que lhe deste. 3 Ora a vida eterna é esta: Que Te conheçam a Ti como o único Deus verdadeiro e a Jesus Cristo a Quem enviaste. 4 Glorifiquei-Te sobre a terra; acabei a obra que Me deste a fazer. 5 E agora, Pai, glorifica-Me junto de Ti mesmo, com aquela glória que tinha em Ti antes que houvesse mundo. 6 «Manifestei o Teu nome aos homens que Me deste do meio do mundo. Eram Teus e Tu Mos deste; e guardaram a Tua palavra. 7 Agora sabem que todas as coisas que Me deste vêm de Ti, 8 porque lhes comuniquei as palavras que Me confiaste; eles as receberam, e conheceram verdadeiramente que Eu saí de Ti e creram que Me enviaste. 9 «É por eles que Eu rogo; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que Me deste, porque são Teus. 10 Todas as Minhas coisas são Tuas e todas as Tuas coisas são Minhas; e neles sou glorificado. 11 Já não estou no mundo, mas eles estão no mundo, e Eu vou para Ti. Pai Santo, guarda em Teu nome aqueles que Me deste para que sejam um, assim como Nós.

Comentário:

É consolador este trecho de S. João que, como sempre, transmite fielmente as palavras que ouviu do próprio Jesus Cristo.

Esta petição do Senhor a Deus Pai além de revelar o extremo amor que tem pelos Seus irmãos os homens – salvou todos com a Sua Morte e Ressurreição – traduz uma preocupação misericordiosa de Quem, como Ele, conhece as fraquezas e debilidades que nos sujeitam e fazem fraquejar no caminho para a Glória.

Ele sabe muito bem que só com o amoroso auxílio divino seremos capazes de perseverar até à vitória final.

(ama, comentário sobre Jo 17, 1-11, 2014.04.03)

Leitura espiritual



Documentos do Concílio Vaticano II 

CONSTITUIÇÃO PASTORAL
GAUDIUM ET SPES
SOBRE A IGREJA NO MUNDO ACTUAL

A CONDIÇÃO DO HOMEM NO MUNDO ACTUAL

Esperanças e temores

Desequilíbrios pessoais familiares e sociais

8. Uma tão rápida evolução, muitas vezes processada desordenadamente e, sobretudo, a consciência mais aguda das desigualdades existentes no mundo, geram ou aumentam contradições e desequilíbrios.

Ao nível da própria pessoa, origina-se com frequência um desequilíbrio entre o saber prático moderno e o pensar teórico, que não consegue dominar o conjunto dos seus conhecimentos nem ordená-los em sínteses satisfatórias. Surge também desequilíbrio entre a preocupação da eficiência prática e as exigências da consciência moral; outras vezes, as condições colectivas da existência e as exigências do pensamento pessoal e até da contemplação. Gera-se, finalmente, o desequilíbrio entre a especialização da actividade humana e a visão global da realidade.

No seio da família, originam-se tensões, quer devido à pressão das condições demográficas, económicas e sociais, quer pelas dificuldades que surgem entre as diferentes gerações, quer pelo novo tipo de relações sociais entre homens e mulheres.

Grandes discrepâncias surgem entre as raças e os diversos grupos sociais; entre as nações ricas, as menos prósperas e as pobres; finalmente, entre as instituições internacionais, nascidas do desejo de paz que os povos têm, e a ambição de propagar a própria ideologia ou os egoísmos colectivos existentes nas nações e em outros grupos.

Daqui nascem desconfianças e inimizades mútuas, conflitos e desgraças, das quais o homem é simultâneamente causa e vítima.

Aspirações mais universais do género humano

9. Entretanto, vai crescendo a convicção de que o género humano não só pode e deve aumentar cada vez mais o seu domínio sobre as coisas criadas, mas também lhe compete estabelecer uma ordem política, social e económica, que o sirva cada vez melhor e ajude indivíduos e grupos a afirmarem e desenvolverem a própria dignidade.

Daqui vem a insistência com que muitos reivindicam aqueles bens de que, com uma consciência muito viva, se julgam privados por injustiça ou por desigual distribuição. As nações em vias de desenvolvimento, e as de recente independência desejam participar dos bens da civilização, não só no campo político mas também no económico, e aspiram a desempenhar livre. mente o seu papel no plano mundial; e, no entanto, aumenta cada dia mais a sua distância, e muitas vezes, simultâneamente, a sua dependência mesmo económica com relação às outras nações mais ricas e de mais rápido progresso. Os povos oprimidos pela fome interpelam os povos mais ricos. As mulheres reivindicam, onde ainda a não alcançaram, a paridade de direito e de facto com os homens. Os operários e os camponeses querem não apenas ganhar o necessário para viver, mas desenvolver, graças ao trabalho, as próprias qualidades; mais ainda, querem participar na organização da vida económica, social, política e cultural. Pela primeira vez na história dos homens, todos os povos têm já a convicção de que os bens da cultura podem e devem estender-se efectivamente a todos.

Subjacente a todas estas exigências, esconde-se, porém, uma aspiração mais profunda e universal: as pessoas e os grupos anelam por uma vida plena e livre, digna do homem, pondo ao próprio serviço tudo quanto o mundo de hoje lhes pode proporcionar em tanta abundância. E as nações fazem esforços cada dia maiores por chegar a uma certa comunidade universal.

O mundo actual apresenta-se, assim, simultâneamente poderoso e débil, capaz do melhor e do pior, tendo patente diante de si o caminho da liberdade ou da servidão, do progresso ou da regressão, da fraternidade ou do ódio. E o homem torna-se consciente de que a ele compete dirigir as forças que suscitou, e que tanto o podem esmagar como servir. Por isso se interroga a si mesmo.

Jesus Cristo, resposta e solução da problemática humana

10. Na verdade, os desequilíbrios de que sofre o mundo actual estão ligados com aquele desequilíbrio fundamental que se radica no coração do homem. Porque no íntimo do próprio homem muitos elementos se com batem. Enquanto, por uma parte, ele se experimenta, como criatura que é, multiplamente limitado, por outra sente-se ilimitado nos seus desejos, e chamado a uma vida superior. Atraído por muitas solicitações, vê-se obrigado a escolher entre elas e a renunciar a algumas. Mais ainda, fraco e pecador, faz muitas vezes aquilo que não quer e não realiza o que desejaria fazer 4. Sofre assim em si mesmo a divisão, da qual tantas e tão grandes discórdias se originam para a sociedade. Muitos, sem dúvida, que levam uma vida impregnada de materialismo prático, não podem ter uma clara percepção desta situação dramática; ou, oprimidos pela miséria, não lhe podem prestar atenção. Outros pensam encontrar a paz nas diversas interpretações da realidade que lhes são propostas. Alguns só do esforço humano esperam a verdadeira e plena libertação do género humano, e estão convencidos que o futuro império do homem sobre a terra satisfará todas as aspirações do seu coração. E não faltam os que, desesperando de poder encontrar um sentido para a vida, louvam a coragem daqueles que, julgando a existência humana vazia de qualquer significado, se esforçam por lhe conferir, por si mesmos, todo o seu valor. Todavia, perante a evolução actual do mundo, cada dia são mais numerosos os que põem ou sentem com nova acuidade as questões fundamentais: Que é o homem? Qual o sentido da dor, do mal, e da morte, que, apesar do enorme progresso alcançado, continuam a existir? Para que servem essas vitórias, ganhas a tão grande preço? Que pode o homem dar à sociedade, e que coisas pode dela receber? Que há para além desta vida terrena?

A Igreja, por sua parte, acredita que Jesus Cristo, morto e ressuscitado por todos 5, oferece aos homens pelo seu Espírito a luz e a força para poderem corresponder à sua altíssima vocação; nem foi dado aos homens sob o céu outro nome, no qual devam ser salvos 6. Acredita também que a chave, o centro e o fim de toda a história humana se encontram no seu Senhor e mestre. E afirma, além disso, que, subjacentes a todas as transformações, há muitas coisas que não mudam, cujo último fundamento é Cristo, o mesmo ontem, hoje, e para sempre 7. Quer, portanto, o Concílio, à luz de Cristo, imagem de Deus invisível e primogénito de toda a criação 8, dirigir-se a todos, para iluminar o mistério do homem e cooperar na solução das principais questões do nosso tempo.

PRIMEIRA PARTE

A IGREJA E A VOCAÇÃO DO HOMEM

Que pensa a Igreja sobre o homem

11. O Povo de Deus, movido pela fé com que acredita ser conduzido pelo Espírito do Senhor, o qual enche o universo, esforça-se por discernir nos acontecimentos, nas exigências e aspirações, em que participa juntamente com os homens de hoje, quais são os verdadeiros sinais da presença ou da vontade de Deus. Porque a fé ilumina todas as coisas com uma luz nova, e faz conhecer o desígnio divino acerca da vocação integral do homem e, dessa forma, orienta o espírito para soluções plenamente humanas.

O Concílio propõe-se, antes de mais, julgar a esta luz os valores que hoje são mais apreciados e pô-los em relação com a sua fonte divina. Tais valores, com efeito, na medida em que são fruto do engenho que Deus concedeu aos homens, são excelentes, mas, por causa da corrupção do coração humano, não raro são desviados da sua recta ordenação e precisam de ser purificados.

Que pensa a Igreja acerca do homem? Que recomendações parecem dever fazer-se, em ordem à construção da sociedade actual? Qual é o significado último da actividade humana no universo? Espera-se uma resposta para estas perguntas. Aparecerá então mais claramente que o Povo de Deus e o género humano, no qual aquele está inserido, se prestam mútuo serviço; manifestar-se-á assim o carácter religioso e, por isso mesmo, profundamente humano da missão da Igreja.

CAPÍTULO I

A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O homem criado à imagem de Deus

12. Tudo quanto existe sobre a terra deve ser ordenado em função do homem, como seu centro e seu termo: neste ponto existe um acordo quase geral entre crentes e não-crentes.

Mas, que é o homem? Ele próprio já formulou, e continua a formular, acerca de si mesmo, inúmeras opiniões, diferentes entre si e até contraditórias. Segundo estas, muitas vezes se exalta até se constituir norma absoluta, outras se abate até ao desespero. Daí as suas dúvidas e angústias. A Igreja sente profundamente estas dificuldades e, instruída pela revelação de Deus, pode dar-lhes uma resposta que defina a verdadeira condição do homem, explique as suas fraquezas, ao mesmo tempo que permita conhecer com exactidão a sua dignidade e vocação.

A Sagrada Escritura ensina que o homem foi criado «à imagem de Deus», capaz de conhecer e amar o seu Criador, e por este constituído senhor de todas as criaturas terrenas 1, para as dominar e delas se servir, dando glória a Deus 2. «Que é, pois, o homem, para que dele te lembres? ou o filho do homem, para que te preocupes com ele? Fizeste dele pouco menos que um anjo, coroando-o de glória e de esplendor. Estabeleceste-o sobre a obra de tuas mãos, tudo puseste sob os seus pés» (Salmo 8, 5-7).

Deus, porém, não criou o homem sozinho: desde o princípio criou-os «varão e mulher (Gén. 1,27); e a sua união constitui a primeira forma de comunhão entre pessoas. Pois o homem, por sua própria natureza, é um ser social, que não pode viver nem desenvolver as suas qualidades sem entrar em relação com os outros.

Como também lemos na Sagrada Escritura, Deus viu «todas as coisas que fizera, e eram excelentes» (Gén. 1,31).

O pecado e suas consequências

13. Estabelecido por Deus num estado de santidade, o homem, seduzido pelo maligno, logo no começo da sua história abusou da própria liberdade, levantando-se contra Deus e desejando alcançar o seu fim fora d'Ele. Tendo conhecido a Deus, não lhe prestou a glória a Ele devida, mas o seu coração insensato obscureceu-se e ele serviu à criatura, preferindo-a ao Criador 3. E isto que a revelação divina nos dá a conhecer, concorda com os dados da experiência. Quando o homem olha para dentro do próprio coração, descobre-se inclinado também para o mal, e imerso em muitos males, que não podem provir de seu Criador, que é bom. Muitas vezes, recusando reconhecer Deus como seu princípio, perturbou também a devida orientação para o fim último e, ao mesmo tempo, toda a sua ordenação quer para si mesmo, quer para os demais homens e para toda a criação.

O homem encontra-se, pois, dividido em si mesmo. E assim, toda a vida humana, quer singular quer colectiva, apresenta-se como uma luta dramática entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas. Mais: o homem descobre-se incapaz de repelir por si mesmo as arremetidas do inimigo: cada um sente-se como que preso com cadeias. Mas o Senhor em pessoa veio para libertar e fortalecer o homem, renovando-o interiormente e lançando fora o príncipe deste mundo (cfr. Jo. 12,31), que o mantinha na servidão do pecado 4. Porque o pecado diminui o homem, impedindo-o de atingir a sua plena realização.

A sublime vocação e a profunda miséria que os homens em si mesmos experimentam, encontram a sua explicação última à luz desta revelação.
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Notas:
3. Cfr. Jo. 3, 17; Mt. 20, 28; Mc. 10,45.
4. Cfr. Rom. 7,14 s.
5. Cfr. 2 Cor. 5,15.
6. Cfr. Act. 4,12.
7. Cfr. Hebr. 13,8.
8. Cfr. Col. 1,15.

PRIMEIRA PARTE

Capítulo I
1. Cfr. Gén. 1,26; Sab. 2,23.
2. Cfr. Ecli. 17, 3-10.
3. Cfr. Rom. 1, 21-25.
4. Cfr. Jo. 8,34.