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02/06/2014

Servidores de todos os homens

Quando se vive deveras a caridade, não sobra tempo para procurar-se a si próprio; não há espaço para a soberba; só nos ocorrerão ocasiões de servir! (Forja, 683)

Pensai nas características dum jumento, agora que vão ficando tão poucos. Não falo dum burro velho e teimoso, rancoroso, que se vinga com um coice traiçoeiro, mas dum burriquito jovem, com as orelhas tesas como antenas, austero na comida, duro no trabalho, com o trote decidido e alegre. Há centenas de animais mais formosos, mais hábeis e mais cruéis. Mas Cristo preferiu este para se apresentar como rei diante do povo que O aclamava, porque Jesus não sabe que fazer da astúcia calculadora, da crueldade dos corações frios, da formosura vistosa mas vã. Nosso Senhor ama a alegria dum coração moço, o passo simples, a voz sem falsete, os olhos limpos, o ouvido atento à sua palavra de carinho. E é assim que reina na alma.

Se deixarmos que Cristo reine na nossa alma, não nos tornaremos dominadores; seremos servidores de todos os homens. Serviço. Como gosto desta palavra! Servir o meu Rei e, por Ele, todos os que foram redimidos com o seu sangue. (Cristo que passa, nn. 181–182)


Pequena agenda do cristão


SeGUNDa-Feira




(Coisas muito simples, curtas, objectivas)


Propósito:
Sorrir; ser amável; prestar serviço.

Senhor que eu faça ‘boa cara’, que seja alegre e transmita aos outros, principalmente em minha casa, boa disposição.

Senhor que eu sirva sem reserva de intenção de ser recompensado; servir com naturalidade; prestar pequenos ou grandes serviços a todos mesmo àqueles que nada me são. Servir fazendo o que devo sem olhar à minha pretensa “dignidade” ou “importância” “feridas” em serviço discreto ou desprovido de relevo, dando graças pela oportunidade de ser útil.

Lembrar-me:
Papa, Bispos, Sacerdotes.

Que o Senhor assista e vivifique o Papa, santificando-o na terra e não consinta que seja vencido pelos seus inimigos.

Que os Bispos se mantenham firmes na Fé, apascentando a Igreja na fortaleza do Senhor.

Que os Sacerdotes sejam fiéis à sua vocação e guias seguros do Povo de Deus.

Pequeno exame:
Cumpri o propósito que me propus ontem?



Diálogos apostólicos 18

Nota: Normalmente, estes “Diálogos apostólicos”, são publicados sob a forma de resumos e excertos de conversas semanais. Hoje, porém, dado o assunto, pareceu-me de interesse publicar quase na íntegra.

Hoje apareceste visivelmente perturbado e perguntei-te o que se passava.
De um jacto, confessaste:

‘Tens razão, Estou preocupado… preocupadíssimo! Um meu irmão – que, julgo, não conheces – tem tido inúmeros problemas, quase todos consequência de algum desregramento na sua vida. Tenho feito alguns esforços para lhe chamar a atenção mas ele nem quer ouvir falar nem de Deus, nem Igreja… nada que respeite à religião. Já lá vão umas semanas que está internado num hospital e a doença não o larga, antes parece agravar-se e, ele, está desesperado, sem conseguir manter-se lúcido e com esperança. Que está abandonado! Que é um Castigo! Que se sente irremediavelmente perdido! E, eu não sei o que fazer… Será que podes ir visitá-lo e falar um pouco com ele?’

Imediatamente, sem pensar um segundo, respondi-te: ‘Mas claro que sim! Conta comigo’

E acertámos as coisas.

Depois que nos despedimos, fiquei a pensar e resolvi escrever-te: «Meu caro amigo:
Fiquei a pensar na nossa a última conversa e o problema que se te depara com a situação do teu irmão doente.
Para começar, chego à conclusão que talvez não seja conveniente, para já, uma conversa directa dele comigo. Se se encontra nessa disposição como iria aceitar - e reagir - à aproximação de um estranho falando sobre esses temas que, tal como me contaste, se recusa a falar?
Ao contrário, tu estás numa posição diferente: és seu irmão, e existe uma intimidade entre os dois que te permite abordar o assunto sem que, ele te rejeite liminarmente.»


Fiquei a aguardar a tua reacção…

Temas para meditar 133

Bom humor

Procura observar-te a ti mesmo, e a tudo quanto te rodeia, com menor seriedade e mais à luz da fé. Verás, então, como tantas vezes o que vives é digno de riso e de dó. Tenta encarar-te com um sorriso e ri-te de ti próprio. Procura imitar Deus que, na verdade, deve ter um extraordinário sentido de humor. Basta pensar que te escolheu como colaborador na grande obra que realiza. Não é pois esta a mais eloquente expressão do Seu extraordinário sentido de humor?


(tadeus dajczerMeditações sobre a Fé, Paulus, 4ª Ed., pg. 111)

Tratado da lei 11

Questão 92: Dos efeitos da lei.

Em seguida devemos tratar dos efeitos da lei. E nesta questão dois artigos se discutem:

Art. 1 — Se o efeito da lei é tornar os homens bons.
Art. 2 — Se os actos da lei estão convenientemente assinalados na expressão: são actos da lei ordenar, proibir, permitir e punir.

Art. 1 — Se o efeito da lei é tornar os homens bons.

(II Cont. Gent., cap. CXVI: X Ethic., Irect., Iect. XIV).

O primeiro discute-se assim. — Parece que o efeito da lei não é tornar os homens bons.

1. — Pois, os homens são bons pela virtude, que torna bom quem a tem, como diz Aristóteles. Ora, a virtude do homem vem-lhe de Deus, que a produz em nós, sem nós, como se disse a propósito da definição da virtude (q. 55, a. 4). Logo, não compete à lei tornar os homens bons.

2. Demais. — A lei não é útil ao homem se ele não lhe obedecer. Ora, já é por bondade que o homem obedece à lei. Logo, antes da lei, é-lhe necessária a bondade. Logo, não é ela que torna os homens bons.

3. Demais. — A lei ordena-se para o bem comum, como já se disse (q. 90, a. 2). Ora, alguns, que procedem rectamente no atinente ao bem comum, não o fazem em relação ao próprio. Logo, não pertence à lei tornar os homens bons.

4. Demais. — Certas leis são tirânicas, como diz o Filósofo. Ora, o tirano não busca o bem dos súbditos, mas a utilidade própria. Logo, não pertence à lei tornar os homens bons.

Mas, em contrário, diz o Filósofo: A vontade de todo legislador é tornar os cidadãos bons.

Como já dissemos (q. 90, a. 1 ad 2; a. 3, a. 4), a lei não é senão o ditame da razão do chefe, que governa os súbditos. Ora, a virtude de todo súbdito está em submeter-se bem àquele por quem é governado; assim como a virtude do irascível e do concupiscível consiste em serem bem obedientes à razão. E assim, a virtude de qualquer súbdito está em sujeitar-se bem ao que governa, como diz o Filósofo. Pois, toda lei é estabelecida para ser obedecida pelos súbditos. Por onde é manifesto, que é próprio da lei levar os súbditos a serem virtuosos. Ora, como é a virtude que torna bom quem a tem, segue-se que é efeito próprio da lei tornar bons, absoluta ou relativamente, aqueles para os quais foi dada. Assim, se a intenção do legislador visar o verdadeiro bem, que é o bem comum regulado pela justiça divina, resulta que, pela lei, os homens se tornarão absoluta­mente bons. Se for, porém, a intenção do legislador o bem não absoluto, mas o útil, o deleitável ou o que repugna à justiça divina, então a lei tornará os homens bons, não absoluta, mas relativamente, em ordem a um determinado regime. Donde, existe bem, ainda nos que são, em si mesmos, maus, assim, chama-se bom ladrão o que age bem em vista dos seus fins.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Dupla é a virtude, como do sobredito se colhe (q. 63, a. 2): a adquirida e a infusa. Ora, para uma e outra contribui o agir costumeiro, mas diversamente; pois, causa a virtude adquirida, dispõe para a infusa, e conserva e promove a já adquirida. E como a lei é dada para dirigir os actos humanos, na medida em que eles levam para a virtude, nessa mesma a lei torna os homens bons. Donde o dizer o Filósofo: Os legisladores tornam os cidadãos bons, imprimindo-lhes bons hábitos.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Nem sempre obedecemos à lei pela bondade de uma virtude perfeita, mas umas vezes, pelo temor da pena, outras, pelo só ditame da razão, que é um princípio de virtude, como já estabelecemos (q. 63, a. 1).

RESPOSTA À TERCEIRA. — A bondade da parte é considerada relativamente à do todo, por isso, diz Agostinho, é má toda a parte que não se coaduna com o todo. Sendo pois cada homem parte da cidade, é impossível que seja bom sem ser bem proporcionado ao bem comum, nem o todo pode ter boa consistência senão pelas partes, que lhe sejam proporcionadas. Donde, é impossível manter-se o bem comum da cidade sem os cidadãos serem virtuosos, ao menos aqueles a quem cabe governar. Pois basta, para o bem da comunidade, que os cidadãos sejam virtuosos na medida em que obedecem às ordens do chefe. E por isso o Filósofo diz: A virtude do chefe e a do bom cidadão é a mesma, mas não é a mesma que a do bom cidadão a virtude de um cidadão qualquer.

RESPOSTA À QUARTA. — A lei tirânica, não estando de acordo com a razão, não é, absolutamente falando, lei, antes, é uma perversão dela. E contudo, na medida em que participa da essência da lei, tende a tornar bons os cidadãos. Ora, da essência da lei não participa, senão na medida em que é um ditame de quem governa os seus súbditos e tende a que eles sejam obedientes à lei. O que é torná-los bons, não absolutamente, mas em relação ao regime.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evangelho diário, comentário e leitura espiritual (Const. Past. Gaudium et spes 1 a 7)


Tempo de Páscoa
VII Semana

Evangelho: Jo 16, 29-33


29 Os Seus discípulos disseram-Lhe: «Eis que agora falas claramente e não usas nenhuma parábola. 30 Agora conhecemos que sabes tudo e que não é necessário que alguém Te interrogue. Por isso cremos que saíste de Deus». 31 Jesus respondeu-lhes: «Credes agora?». 32 «Eis que vem a hora, e já chegou, em que sereis espalhados cada um para seu lado e em que Me deixareis só; mas Eu não estou só, porque o Pai está comigo. 33 Disse-vos estas coisas para que tenhais paz em Mim. Haveis de ter aflições no mundo; mas tende confiança, Eu venci o mundo».

Comentário:

Parece haver uma contradição nas palavras de Jesus? Atrevo-me a tanto porque sou um pobre homem que ao deparar-se com um Jesus Cristo vencedor encontra nele a paz!

Mas… quando me lembro que Ele também disse que o reino dos Céus se conquista com a violência compreendo que esta violência é o esforço pessoal por ultrapassar os obstáculos que o mundo levanta aos que desejam seguir Jesus e conquistar o Reino.

Estar ao lado – sempre – do Vencedor do mundo é a melhor opção que se pode tomar.


(ama, comentário sobre Jo 16, 29-33, 2014.04.03)

Leitura espiritual



Documentos do Concílio Vaticano II

CONSTITUIÇÃO PASTORAL
GAUDIUM ET SPES
SOBRE A IGREJA NO MUNDO ACTUAL

PROÉMIO 1

Íntima união da Igreja com toda a família humana

1. As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração. Porque a sua comunidade é formada por homens, que, reunidos em Cristo, são guiados pelo Espírito Santo na sua peregrinação em demanda do reino do Pai, e receberam a mensagem da salvação para a comunicar a todos. Por este motivo, a Igreja sente-se real e intimamente ligada ao género humano e à sua história.

A quem se dirige o Concílio: todos os homens

2. Por isso, o Concílio Vaticano II, tendo investigado mais profundamente o mistério da Igreja, não hesita agora em dirigir a sua palavra, não já apenas aos filhos da Igreja e a quantos invocam o nome de Cristo, mas a todos os homens. Deseja expor-lhes o seu modo de conceber a presença e actividade da Igreja no mundo de hoje.

Tem, portanto, diante dos olhos o mundo dos homens, ou seja a inteira família humana, com todas as realidades no meio das quais vive; esse mundo que é teatro da história da humanidade, marcado pelo seu engenho, pelas suas derrotas e vitórias; mundo, que os cristãos acreditam ser criado e conservado pelo amor do Criador; caído, sem dúvida, sob a escravidão do pecado, mas libertado pela cruz e ressurreição de Cristo, vencedor do poder do maligno; mundo, finalmente, destinado, segundo o desígnio de Deus, a ser transformado e alcançar a própria realização.

Para iluminar a problemática humana e salvar o homem

3. Nos nossos dias, a humanidade, cheia de admiração ante as próprias descobertas e poder, debate, porém, muitas vezes, com angústia, as questões relativas à evolução actual do mundo, ao lugar e missão do homem no universo, ao significado do seu esforço individual e colectivo, enfim, ao último destino das criaturas e do homem.

Por isso, o Concílio, testemunhando e expondo a fé do Povo de Deus por Cristo congregado, não pode manifestar mais eloquentemente a sua solidariedade, respeito e amor para com a inteira família humana, na qual está inserido, do que estabelecendo com ela diálogo sobre esses vários problemas, aportando a luz do Evangelho e pondo à disposição do género humano as energias salvadoras que a Igreja, conduzida pelo Espírito Santo, recebe do seu Fundador. Trata-se, com efeito, de salvar a pessoa do homem e de restaurar a sociedade humana. Por isso, o homem será o fulcro de toda a nossa exposição: o homem na sua unidade e integridade: corpo e alma, coração e consciência, inteligência e vontade.

Eis a razão por que este sagrado Concílio, proclamando a sublime vocação do homem, e afirmando que nele está depositado um germe divino, oferece ao género humano a sincera cooperação da Igreja, a fim de instaurar a fraternidade universal que a esta vocação corresponde. Nenhuma ambição terrena move a Igreja, mas unicamente este objectivo: continuar, sob a direcção do Espírito Consolador, a obra de Cristo que veio ao mundo para dar testemunho da verdade 2, para salvar e não para julgar, para servir e não para ser servido 3.

INTRODUÇÃO

A CONDIÇÃO DO HOMEM NO MUNDO ACTUAL

Esperanças e temores

4. Para levar a cabo esta missão, é dever da Igreja investigar a todo o momento os sinais dos tempos, e interpretá-los à luz do Evangelho; para que assim possa responder, de modo adaptado em cada geração, às eternas perguntas dos homens acerca do sentido da vida presente e da futura, e da relação entre ambas. É, por isso, necessário conhecer e compreender o mundo em que vivemos, as suas esperanças e aspirações, e o seu carácter tantas vezes dramático. Algumas das principais características do mundo actual podem delinear-se do seguinte modo.

A humanidade vive hoje uma fase nova da sua história, na qual profundas e rápidas transformações se estendem progressivamente a toda a terra. Provocadas pela inteligência e actividade criadora do homem, elas reincidem sobre o mesmo homem, sobre os seus juízos e desejos individuais e colectivos, sobre os seus modos de pensar e agir, tanto em relação às coisas como às pessoas. De tal modo que podemos já falar duma verdadeira transformação social e cultural, que se reflecte também na vida religiosa.

Como acontece em qualquer crise de crescimento, esta transformação traz consigo não pequenas dificuldades. Assim, o homem, que tão imensamente alarga o próprio poder, nem sempre é capaz de o pôr ao seu serviço. Ao procurar penetrar mais fundo no interior de si mesmo, aparece frequentemente mais incerto a seu próprio respeito. E, descobrindo gradualmente com maior clareza as leis da vida social, hesita quanto à direcção que a esta deve imprimir.

Nunca o género humano teve ao seu dispor tão grande abundância de riquezas, possibilidades e poderio económico; e, no entanto, uma imensa parte dos habitantes da terra é atormentada pela fome e pela miséria, e inúmeros são ainda os analfabetos. Nunca os homens tiveram um tão vivo sentido da liberdade como hoje, em que surgem novas formas de servidão social e psicológica. Ao mesmo tempo que o mundo experimenta intensamente a própria unidade e a interdependência mútua dos seus membros na solidariedade necessária, ei-lo gravemente dilacerado por forças antagónicas; persistem ainda, com efeito, agudos conflitos políticos, sociais, económicos, «raciais» e ideológicos, nem está eliminado o perigo duma guerra que tudo subverta. Aumenta o intercâmbio das ideias; mas as próprias palavras com que se exprimem conceitos da maior importância assumem sentidos muito diferentes segundo as diversas ideologias. Finalmente, procura-se com todo o empenho uma ordem temporal mais perfeita, mas sem que a acompanhe um progresso espiritual proporcionado.

Marcados por circunstâncias tão complexas, muitos dos nossos contemporâneos são incapazes de discernir os valores verdadeiramente permanentes e de os harmonizar com os novamente descobertos. Daí que, agitados entre a esperança e a angústia, sentem-se oprimidos pela inquietação, quando se interrogam acerca da evolução actual dos acontecimentos. Mas esta desafia o homem, força-o até a uma resposta.

Evolução e domínio da técnica e da ciência

5. A actual perturbação dos espíritos e a mudança das condições de vida, estão ligadas a uma transformação mais ampla, a qual tende a dar o predomínio, na formação do espírito, às ciências matemáticas e naturais, e, no plano da acção, às técnicas, fruto dessas ciências. Esta mentalidade científica modela a cultura e os modos de pensar duma maneira diferente do que no passado. A técnica progrediu tanto que transforma a face da terra e tenta já dominar o espaço.

Também sobre o tempo estende a inteligência humana o seu domínio: quanto ao passado, graças ao conhecimento histórico; relativamente ao futuro, com a perspectiva e a planificação. Os progressos das ciências biológicas, psicológicas e sociais não só ajudam o homem a conhecer-se melhor, mas ainda lhe permitem exercer, por meios técnicos, uma influência directa na vida das sociedades. Ao mesmo tempo, a humanidade preocupa-se cada vez mais com prever e ordenar o seu aumento demográfico.

O próprio movimento da história torna-se tão rápido, que os indivíduos dificilmente o podem seguir. O destino da comunidade humana torna-se um só, e não já dividido entre histórias independentes. A humanidade passa, assim, duma concepção predominantemente estática da ordem das coisas para um outra, preferentemente dinâmica e evolutiva; daqui nasce uma nova e imensa problemática, a qual está a exigir novas análises e novas sínteses.

Mudanças na ordem social

6. Pelo mesmo facto, verificam-se cada dia maiores transformações nas comunidades locais tradicionais, como são famílias patriarcais, os clãs, as tribos, aldeias e outros diferentes grupos, e nas relações da convivência social.

Difunde-se progressivamente a sociedade de tipo industrial, levando algumas nações à opulência económica e transformando radicalmente as concepções e as condições de vida social vigentes desde há séculos. Aumentam também a preferência e a busca da vida urbana, quer pelo aumento das cidades e do número de seus habitantes, quer pela difusão do género de vida urbana entre os camponeses.

Novos e mais perfeitos meios de comunicação social permitem o conhecimento dos acontecimentos e a rápida e vasta difusão dos modos de pensar e de sentir; o que, por sua vez, dá origem a numerosas repercussões.

Nem se deve minimizar o facto de muitos homens, levados por diversos motivos a emigrar, mudarem com isso o próprio modo de viver.

Multiplicam-se assim sem cessar as relações do homem com os seus semelhantes, ao mesmo tempo que a própria socialização introduz novas ligações, sem no entanto favorecer em todos os casos uma conveniente maturação das pessoas e relações verdadeiramente pessoais («personalização»).

É verdade que tal evolução aparece mais claramente nas nações que beneficiam já das vantagens do progresso económico e técnico, mas nota-se também entre os povos ainda em vias de desenvolvimento, que desejam alcançar para os seus países os benefícios da industrialização e da urbanização. Esses povos, sobretudo os que estão ligados a tradições mais antigas, sentem ao mesmo tempo a exigência dum exercício cada vez mais pessoal da liberdade.

Transformações psicológicas, morais e religiosas

7. A transformação de mentalidade e de estruturas põe muitas vezes em questão os valores admitidos, sobretudo no caso dos jovens. Tornam-se frequentemente impacientes e mesmo, com a inquietação, rebeldes; conscientes da própria importância na vida social, aspiram a participar nela o mais depressa possível. Por este motivo, os pais e educadores encontram não raro crescentes dificuldades no desempenho da sua missão.

Por sua vez, as instituições, as leis e a maneira de pensar e de sentir herdadas do passado nem sempre parecem adaptadas à situação actual; e daqui provém uma grave perturbação no comportamento e até nas próprias normas de acção.

Por fim, as novas circunstâncias afectam a própria vida religiosa. Por um lado, um sentido crítico mais apurado purifica-a duma concepção mágica do mundo e de certas sobrevivências supersticiosas, e exige cada dia mais a adesão a uma fé pessoal e operante; desta maneira, muitos chegam a um mais vivo sentido de Deus. Mas, por outro lado, grandes massas afastam-se práticamente da religião. Ao contrário do que sucedia em tempos passados, negar Deus ou a religião, ou prescindir deles já não é um facto individual e insólito: hoje, com efeito, isso é muitas vezes apresentado como exigência do progresso científico ou dum novo tipo de humanismo. Em muitas regiões, tudo isto não é apenas afirmado no meio filosófico, mas invade em larga escala a literatura, a arte, a interpretação das ciências do homem e da história e até as próprias leis civis; o que provoca a desorientação de muitos.
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Notas:
1. A Constituição pastoral «A Igreja no mundo actual», formada por duas partes, constitui um todo unitário. E chamada «pastoral», porque, apoiando-se em princípios doutrinais, pretende expor as relações da Igreja com o mundo e os homens de hoje. Assim, nem à primeira parte falta a intenção pastoral, nem à segunda a doutrinal. Na primeira parte, a Igreja expõe a sua própria doutrina acerca do homem, do mundo no qual o homem está integrado e da sua relação para com eles. Na segunda, considera mais expressamente vários aspectos da vida e da sociedade contemporâneas, e sobretudo as questões e os problemas que, nesses domínios, padecem hoje de maior urgência. Daqui resulta que, nesta segunda parte, a matéria, tratada à luz dos princípios doutrinais, não compreende apenas elementos imutáveis, mas também transitórios. A Constituição deve, pois, ser interpretada segundo as normas teológicas gerais, tendo em conta, especialmente na segunda parte, as circunstâncias mutáveis com que estão intrinsecamente ligados os assuntos em questão.
2. Cfr. Jo. 18,37.