Páginas

19/05/2014

Seguir Cristo: é este o segredo

Ao oferecer-te aquela História de Jesus, pus como dedicatória: "Que procures a Cristo. Que encontres a Cristo. Que ames a Cristo". – São três etapas claríssimas. Tentaste, pelo menos, viver a primeira? (Caminho, 382)

Como poderemos superar estes inconvenientes? Como conseguiremos fortalecer-nos nessa decisão que começa a parecer-nos muito pesada? Inspirando-nos no modelo que nos apresenta a Virgem Santíssima, nossa Mãe: uma rota muito ampla, que passa necessariamente através de Jesus.

Neste esforço por nos identificarmos com Cristo, costumo falar de quatro degraus: procurá-lo, encontrá-lo, conhecê-lo, amá-lo. Talvez pareça que estamos na primeira etapa... Procuremo-lo com fome, procuremo-lo dentro de nós com todas as forças! Se o fizermos com este empenho, atrevo-me a garantir que já O encontrámos e que já começámos a conhecê-lo e a amá-lo e a ter a nossa conversa nos céus.

Rogo a Nosso Senhor que nos decidamos a alimentar nas nossas almas a única ambição nobre, a única que merece a pena: ir ter com Jesus Cristo, como fizeram a sua Bendita Mãe e o Santo Patriarca, com ânsia, com abnegação, sem descuidos. Participaremos na dita da amizade divina – num recolhimento interior, compatível com os nossos deveres profissionais e sociais – e agradecer-Lhe-emos a delicadeza e a caridade com que Ele nos ensina a cumprir a Vontade do Nosso Pai que está nos céus.


Seguir Cristo: é este o segredo. Acompanhá-lo tão de perto, que vivamos com Ele, como os primeiros doze; tão de perto, que com Ele nos identifiquemos. Se não levantarmos obstáculos à graça, não tardaremos a afirmar que nos revestimos de Nosso Senhor Jesus Cristo. Nosso Senhor reflecte-se na nossa conduta como num espelho. Se o espelho for como deve ser, captará o rosto amabilíssimo do nosso Salvador sem o desfigurar, sem caricaturas: e os outros terão a possibilidade de O admirar, de O seguir. (Amigos de Deus, nn. 299–303)

As sete palavras de Cristo na Cruz 19

Capítulo 4: Explicação textual da segunda palavra: “Amém, Eu te digo: Hoje estarás comigo no paraíso. 1

A segunda palavra, ou a segunda frase, pronunciada por Cristo na Cruz foi, segundo o testemunho de São Lucas, a magnífica promessa feita ao ladrão, que pendia em uma cruz a seu lado. A promessa foi feita nas seguintes circunstâncias: dois ladrões foram crucificados juntos ao Senhor, um a sua mão direita, outro a sua esquerda; um desses acrescentou a seus crimes do passado o pecado de blasfemar de Cristo, zombando de sua falta de poder para salvá-los, dizendo: “se és o Cristo, salva-te a ti mesmo e salva-nos a nós!” 1. De fato, São Mateus e São Marcos acusam ambos os ladrões desse pecado, mas é mais provável que os dois evangelistas usem o plural para se referirem ao número singular, como frequentemente se faz nas Sagradas Escrituras, conforme observa Santo Agostinho no trabalho “Sobre a Harmonia dos Evangelhos”. Assim São Paulo, em sua Epístola aos Hebreus, diz dos profetas: “taparam bocas de leões... apedrejados ..., serrados ao meio ...; andaram errantes, vestidos de pele de ovelha e de cabra” 2. Sem embargo, um só profeta houve — Daniel — que fechou a boca dos leões; um só profeta — Jeremias — que foi apedrejado; um só profeta — Isaías — que foi serrado. Mais ainda, nem São Mateus nem São Marcos são tão explícitos a respeito desse ponto como São Lucas, que disse de maneira mui clara: “um dos malfeitores, ali crucificados, blasfemava contra Ele” 3. Pois bem, mesmo se considerarmos que ambos vituperavam o Senhor, não existe razão para que um mesmo homem não haja amaldiçoado em um momento e, já em outro, proclamado seus louvores.

são roberto belarmino

(Tradução: Permanência, revisão ama).

_________________________________________
Notas:
1. Lc 23,39.
2. Hb 11,33-37.

3. Lc 23,39

Pequena agenda do cristão


Segunda-Feira

(Coisas muito simples, curtas, objectivas)

Propósito: Sorrir; ser amável; prestar serviço.

Senhor que eu faça ‘boa cara’, que seja alegre e transmita aos outros, principalmente em minha casa, boa disposição.

Senhor que eu sirva sem reserva de intenção de ser recompensado; servir com naturalidade; prestar pequenos ou grandes serviços a todos mesmo àqueles que nada me são. Servir fazendo o que devo sem olhar à minha pretensa “dignidade” ou “importância” “feridas” em serviço discreto ou desprovido de relevo, dando graças pela oportunidade de ser útil.

Lembrar-me: Papa, Bispos, Sacerdotes.

Que o Senhor assista e vivifique o Papa, santificando-o na terra e não consinta que seja vencido pelos seus inimigos.

Que os Bispos se mantenham firmes na Fé, apascentando a Igreja na fortaleza do Senhor.

Que os Sacerdotes sejam fiéis à sua vocação e guias seguros do Povo de Deus.

Pequeno exame: Cumpri o propósito que me propus ontem?


Diálogos apostólicos 16


Nota: Normalmente, estes “Diálogos apostólicos”, são publicados sob a forma de resumos e excertos de conversas semanais. Hoje, porém, dado o assunto, pareceu-me de interesse publicar quase na íntegra.

‘Pois é como dizes: Quando te habituas a algo é difícil deixar de o fazer.
Habituas-te a portar-te bem… logo… também te vais habituando a voar?

Mesmo com percalços é muito melhor que andar rasteiro ao chão, não te parece?’

Concordas comigo: ‘Afinal, o “Plano de Vida”, não é nada do outro mundo! Até parece que tenho mais tempo para tudo e, afinal… corre tudo bem. Por causa “das coisas” resolvi antecipar alguns compromissos no “Plano de Vida” e, assim, consigo cumprir como devo.’


‘Estás a ver’, respondi-te, ‘como não há complicação nenhuma, é tudo uma questão de critério.’

Temas para meditar 109

Santíssima Virgem

Para conhecer bem a grande bondade de Maria recordemos o que refere o Evangelho (...). Faltava o vinho, com o consequente apuro dos esposos. Ninguém pede à Santíssima Virgem que interceda ante o seu Filho em favor dos consternados esposos. Contudo, o coração de Maria, que não pode senão compadecer-se dos desgraçados (...), impulsionou-a a encarregar-se por si mesma do ofício de intercessora e pedir ao Filho o milagre, apesar de que ninguém lho tenho pedido (...). Se a Senhora fez assim sem que lho pedissem, que teria feito se lho rogassem?


(santo afonso maria de ligórioSermones abreviados, 4, trad. ama)

Evangelho diário, comentário e Leitura espiritual (Meditações sobre a ressurreição 1)

Tempo de Páscoa

V Semana 


Evangelho: Jo 14, 21-26


21 Aquele que aceita os Meus mandamentos e os guarda, esse é que Me ama; e aquele que Me ama, será amado por Meu Pai, e Eu o amarei, e Me manifestarei a ele». 22 Judas, não o Iscariotes, disse-Lhe: «Senhor, qual é a causa por que Te hás-de manifestar a nós e não ao mundo?». 23 Jesus respondeu-lhe: «Se alguém Me ama, guardará a Minha palavra e Meu Pai o amará, e Nós viremos a ele, e faremos nele a Nossa morada. 24 Quem não Me ama não observa as Minhas palavras. E a palavra que ouvistes não é Minha, mas do Pai que Me enviou. 25 «Disse-vos estas coisas, estando convosco. 26 Mas o Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em Meu nome, vos ensinará todas as coisas, e vos recordará tudo o que vos disse.


Comentário:

A pergunta de S. Judas parece decisiva para compreendermos muitas coisas a respeito de Jesus Cristo e da Sua missão redentora.
Talvez nos tenhamos perguntado alguma vez porque é que Jesus reservava para os Apóstolos a revelação mais clara e compreensível sobre a Sua Pessoa e a Sua Missão.

A resposta do Mestre a Judas é conclusiva:



Por muito que nos seja explicado e evidenciado se, não tivermos amor Jesus, não entenderemos nem aceitaremos; mas, pelo contrário, se Lhe tivermos amor, então o Espírito Santo nos dará as luzes necessárias para entender tudo aquilo que as nossas limitações não nos permitem alcançar.

(ama, Comentário sobre Jo 14, 21-26, Fevereiro de 2009)


Leitura espiritual
Temas


Meditações sobre a Ressurreição


1. O VAZIO DO CORAÇÃO SEM DEUS

Lágrimas ao amanhecer

Quando o Domingo de Páscoa começava a clarear, um grande silêncio envolvia o descampado onde se encontrava o túmulo de Jesus. Só duas coisas poderiam chamar ali a atenção de um passante solitário: uma grande pedra circular – que servira para fechar verticalmente a entrada do sepulcro – fora rolada e estava posta a um lado; e perto da entrada escancarada, uma mulher, em pé, soluçava baixinho, com um leve estremecer de ombros, de modo que os primeiros raios de sol faziam cintilar as lágrimas que lhe escorriam pelas faces. Era Maria Madalena.

Entretanto – lemos no Evangelho de São João –, Maria conservava-se do lado de fora, perto do sepulcro, e chorava (Jo 20,11). Era a segunda vez, naquele amanhecer de Domingo, que Maria ia até ao sepulcro de Jesus, incansável no seu empenho por  prestar uma última homenagem a Nosso Senhor, depois da Sua paixão e morte.  Ajudada por outras santas mulheres, queria ungir-lhe o corpo – que na sexta-feira santa só tinham podido ungir às pressas e de modo incompleto – com os aromas que haviam preparado.

Foi assim que Maria Madalena chegou ao túmulo juntamente com Maria, mãe de Tiago e Salomé, suas amigas. Estas últimas – conta São Marcos – fugiram, trêmulas e amedrontadas (Mc 16,8), ao verem que o sepulcro estava vazio. Maria, porém, foi correndo à procura de Pedro e João, para lhes dizer, quase sem fôlego: Tiraram o Senhor do sepulcro, e não sabemos onde o puseram (Jo 20,2).

Há espanto geral. Recuperados do primeiro susto, os dois Apóstolos saem em disparada e ela vai atrás. Quando chegam ao túmulo, entram, e ficam perplexos ao ver que, além de estar vazio, os panos com que tinham amortalhado o cadáver de Jesus permaneciam intactos, com o mesmo formato que tinham quando envolviam o corpo de Cristo, só que agora espalmados, como se o corpo do Senhor os tivesse atravessado, esvaziando-os sem sequer tocá-los; e o sudário que lhe cobrira a cabeça estava cuidadosamente enrolado, também intacto, a um lado. Pedro e João, emocionados e perplexos, sentiram as pernas tremer e o coração rebentar, e voltaram correndo ao Cenáculo para avisar os outros. Maria, porém, não arredou pé de lá. Não queria ir-se embora. Queria encontrar Jesus, queria honrá-lo com carinho, mesmo que fosse apenas um pobre cadáver dilacerado. Por isso estacou ali, imóvel, chorando.

As suas lágrimas silenciosas eram a expressão do seu amor. São Gregório Magno, o grande Papa do século sexto, tem um comentário muito bonito a este respeito: “E nós temos que pensar – diz ele – na força tão grande do amor que inflamava a alma daquela mulher, que não se afastava do sepulcro do Senhor, mesmo quando os apóstolos dele já voltavam. Buscava a quem não encontrava; chorava procurando-o e, consumindo-se no fogo do seu amor, ardia no desejo de encontrar aquele que imaginava roubado. E assim aconteceu que só ela o viu, a única que ficou procurando… Começou a buscar, e não O encontrou; perseverou no seu querer, e achou-o; de tal forma cresceram os seus desejos, e tanto se dilataram, que acabaram alcançando o que buscavam”.

Quando meditamos em tudo o que nos conta dessa mulher o santo Evangelho, percebemos que a vida de Maria Madalena poderia ser definida assim: o Amor com maiúscula, ou seja, o Amor de Deus, procurou-a e salvou-a; ela correspondeu a esse Amor e não se cansou, por sua vez, de procurá-lo, de modo que toda a sua vida foi uma busca ardente e um aprofundamento nesse divino Amor, como o foi a vida de muitos grandes santos… Mas tem havido tantas confusões, tantas mentiras e interpretações esquisitas sobre o amor de Maria Madalena, que vale a pena lembrar a sua verdadeira história.

Quem era a mulher de Magdala?

Na realidade, trata-se de uma confusão que – na maior boa-fé, aliás – dura há séculos. Para começar, é muito importante lembrar quem não era Maria Madalena. Os melhores comentaristas do Evangelho, já desde os tempos de Santo Agostinho, alertam-nos para que não a confundamos com outras duas mulheres do Evangelho. Uma é aquela pecadora pública que certa vez banhou os pés de Jesus com lágrimas de arrependimento e os ungiu com bálsamo (cf. Lc 7,37 ss.); e a outra é Maria de Betânia, a irmã menor – pura e singela – de Marta e Lázaro, que também derramou perfume sobre a cabeça e os pés de Jesus pouco antes da Paixão, num gesto de fina cortesia, muito oriental (Jo 12,3).

Além deste esclarecimento, é interessante frisar que o Evangelho nunca disse que Maria Madalena fosse uma prostituta ou que tivesse uma vida leviana. Aliás, afirma de facto algo muito pior. Diz que Jesus tinha expulsado dela sete demónios (Lc 8,2). Isto é muito sério. Bem sabemos que o número sete – na linguagem bíblica – significa muitos, uma multidão. Pois é isto que dela nos diz São Lucas.

É, sem dúvida, algo terrível. Só o podemos compreender se tivermos consciência de que o demónio – como ensina a Bíblia – é, acima de tudo, o pai da mentira, do orgulho e do ódio. Como deve ter sido espantosa a vida dessa pobre mulher! Um poço de ódio, de raiva, de desconfiança, de mentira, de rancor… Pode haver sofrimento maior? Um verdadeiro inferno! Uma mulher incapaz de amar, incapaz de alegrar-se, incapaz de vibrar com a verdade, de admirar a beleza e de saborear o bem; incapaz de perdoar, incapaz de sorrir com carinho para os outros…! Porque um coração afastado de Deus e entregue ao diabo – ao pecado – é como um poço escuro e fundo. Lá não pode penetrar um raio de luz divina. A pessoa chega a tornar-se incapaz de acreditar que o amor, a beleza e a bondade existam. Só conhece as trevas em que se afunda…

A tristeza no fundo do coração

Esse “poço escuro”, essas “trevas”, são o retrato da tristeza que há hoje em dia no fundo de muitos corações. Corações eternamente insatisfeitos, pessoas que podem cantar, gritar, possuir, experimentar, dançar, agitar-se, embriagar-se de álcool, sexo, drogas e emoções radicais, mas que por dentro estão sombriamente vazias. Vivem instaladas no “coração das trevas”. E, mesmo sem o saberem, procuram, procuram. Percebem que lhes falta o essencial, algo que passaram a vida buscando sem encontrar. Sentem-se como alguém que se esfalfou tentando apanhar a água da fonte com um recipiente furado. Atormenta-as, então, uma ânsia de infinito que as queima por dentro, mas que nenhum tesouro do mundo e nenhuma loucura do mundo e nenhum prazer do mundo conseguem satisfazer… Pode dizer-se que estão torturadas por uma esperança distorcida, por um infinito desejo de felicidade, que corre expectante atrás do vazio. É lógico que essa esperança distorcida termine no desespero. O fundo do fundo da vida delas é a ausência…, é o vazio…, e morrem sem saber porquê nunca foram felizes.

E, no entanto, o porquê é claro: elas sofrem da ausência de Deus! Essas pessoas – como Madalena antes de encontrar Jesus – não sabem que o seu mísero coração está gritando aquelas palavras de um poema de Tagore: “Tenho necessidade de Ti, só de Ti! Deixa que o meu coração o repita sem cansar-se. Os outros desejos que dia e noite me envolvem, no fundo, são falsos e vazios. Assim como a noite esconde na sua escuridão a súplica da luz, na escuridão da minha inconsciência ressoa este grito: «Tenho necessidade de Ti, só de Ti!». Assim como a tempestade está procurando a paz, mesmo quando golpeia a paz com toda a sua força, assim a minha revolta bate contra o teu amor e grita: «Tenho necessidade só de Ti!»”

O encontro que tudo mudou

Assim estava Maria Madalena, quando um belo dia – de surpresa – Jesus foi buscá-la. Não conhecemos os detalhes. Só sabemos que Jesus teve compaixão dela, e expulsou dela sete demónios, como recordávamos acima. Dá para imaginar o que deve ter sentido aquela alma, ao encontrar-se livre do Maligno e inundada pelo dom da graça, conduzida por Jesus à descoberta deslumbrante de Deus? Que deve ter sentido quando experimentou – quiçá pela primeira vez na vida – a pureza e a grandeza do Amor, pois, como diz São João, Deus é Amor (1 Jo 4,8).

Encontrar Deus, na pessoa de Cristo, foi como sair da asfixia do poço e, de repente, “respirar”, absorver Deus até ao fundo da alma, como uma aragem do Céu que a criava de novo. Madalena passou a ser uma mulher que, pela primeira vez na vida, se apercebeu de como é bela a criação, todas as criaturas, transfiguradas pelo olhar e a presença do Salvador. O seu coração transformou-se numa brasa incandescente, inflamada pelo Amor que se derrama do Céu sobre o mundo através do Coração de Jesus.

É natural que, a partir do dia em que o antigo coração das trevas foi inundado pela fé, pela esperança e pelo amor, começasse a seguir Jesus e a servi-lo, com uma dedicação abnegada e total, como conta o Evangelho, juntamente com outras santas mulheres. Seguir Cristo tornou-se, a partir daquele momento, a razão – toda a razão – da sua existência. Servir Jesus passou a ser para ela um puro amor, que cumulava de plenitude e sentido o seu pensar, sonhar e viver.

Por isso, quando a avalanche das brutalidades da Paixão, o ódio implacável dos inimigos, desabou sobre Cristo e O reduziu a um cadáver ensanguentado na Cruz, Maria Madalena – grudada à Mãe do Salvador – agarrou-se à Cruz como quem se agarra à vida. Viver sem Jesus era para ela – como para todos os corações que de verdade encontraram Cristo – a vertigem de um vazio de morte. Essa é a Madalena que vemos chorar junto do sepulcro do Senhor. Essa a razão de que só pense em buscar o meu Senhor (Jo 20,13).

O reencontro da vida

Enquanto estava assim, desolada, o Evangelho descreve-nos uma cena deliciosa: Chorando, inclinou-se para olhar dentro do sepulcro. Viu dois anjos vestidos de branco… Eles perguntaram-lhe: “Mulher, por que choras?” Ela respondeu: “Porque levaram o meu Senhor, e não sei onde o puseram” (Jo 20,13). A Madalena suplicante, toda “procura”, encarnava nesses momentos aquelas palavras do profeta Isaías: A minha alma desejou-Te, meu Deus, durante a noite e, dentro de mim, o meu espírito procurava-Te (Is 26,9). Assim buscava Jesus.

O Evangelho continua, e dá-nos alegria acompanhá-lo: Ditas estas palavras, voltou-se para trás e viu Jesus em pé, mas não o reconheceu. Perguntou-lhe Jesus: “Mulher, por que choras? Quem procuras?”  (Jo 20,15). Comove-nos ver Jesus ressuscitado, Jesus em pessoa, indo ao encontro daquela pobre criatura, como o pai que desfruta por dentro ao pensar na surpresa maravilhosa que preparou para o filho. E é muito bonito perceber – para quem conhece e medita o Evangelho – que, depois da Ressurreição, Jesus se mostra mais humano ainda, se possível, do que quando andava com os seus pelos caminhos da Galileia e da Judeia. Torna-se mais próximo, afectuoso, acessível. E aparece com uma nova carga de alegria: “diverte-se”, por assim dizer, alegrando os seus amigos com atitudes cheias de “bom humor”, de um divino e delicioso bom humor.

Para captar isso, basta continuar a acompanhar esse diálogo do Senhor com Madalena. Quem procuras? ­ pergunta-lhe Jesus -, e ela, supondo que fosse o jardineiro, respondeu: “Senhor, se tu o tiraste, diz-me onde o puseste, e eu o irei buscar”. Cristo não quer prolongar mais a aflição, e manifesta-se abertamente: Disse-lhe Jesus: “Maria!” O Evangelho aqui balbucia, só sabe repetir a exclamação que saiu daquela Maria estremecida de gozo, com os olhos arregalados e o coração prestes a explodir: Voltando-se ela, exclamou em hebraico: Raboni!”, que quer dizer “Mestre!”… Nesse exacto momento, Jesus olha-a com ternura e “nomeia-a” Sua primeira mensageira da fé, da alegria da Ressurreição:  Não Me retenhas… Vai aos meus irmãos e diz-lhes: Subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus. Maria Madalena correu (nesse dia, realmente, não parou de correr…) para anunciar aos discípulos que tinha visto o Senhor e contou o que Ele lhe tinha falado (Jo 20,15-18).

A partir desse momento, para Madalena a vida voltava a ser Vida, com maiúscula. O futuro era radiante: o reencontro com Jesus encheu de novo o vazio da alma com a luz cálida e inextinguível da esperança.

A chegarmos a este ponto, será bom reflectir e perguntar-nos: “Será que, pensando nos vazios que com frequência eu sinto, a lição da Madalena não me diz nada?” Todo o vazio, toda amargura, é uma ausência: a ausência de Deus. Pode ser a terrível ausência provocada pelo pecado, pelos sete demónios, mas pode ser também a ausência de uma alma boa que perde Deus de vista, fica morna na fé, e acha então muitas tristezas inexplicáveis que a atormentam e que têm uma perfeita explicação: são a ausência do “amor” de Deus na alma, são a frieza de quem tem Jesus ao lado (sempre está ao nosso lado, sempre nos procura, como fez com Madalena) e não o enxerga, são a amargura esquizofrênica de quem se queixa de Deus, justamente na hora em que Deus mais a ajuda… Como Madalena, que pensava que Jesus (aquele Jesus que não reconheceu) lhe tinha roubado Jesus… Não acontece algo disto connosco?

Sim, acontece. Diante de muitas dificuldades, lutas ou cruzes que Deus nos envia para nosso bem, pensamos tolamente que Deus nos abandonou ou Se afastou de nós. Que retirou a Sua mão e não nos ajuda com a Sua graça. E é quando está mais próximo.

Gravemos bem a lição das lágrimas e do júbilo de Maria Madalena. Convençamo-nos, profundamente, de que toda a tristeza, toda a amargura, toda a revolta, no fundo, é uma ausência de Deus (maligna ou benigna, mas nunca boa). Por isso, decidamo-nos a procurar Deus, a procurar Jesus com toda a nossa alma, como Madalena: com a mesma determinação com que ela O procurou. –”Onde está?” – diremos a nós mesmos – e responderemos com a decisão de aumentar o nosso aprofundamento na fé, a nossa leitura e meditação do Evangelho e das riquezas da doutrina cristã… E, se nos perguntarmos: – “Como achá-lo?”, deveremos responder: – “Como Madalena, que busca, pergunta, procura e não pára até encontrá-lo, ou seja, como Jesus nos ensinou: rezando, pedindo, orando sem cessar, pois a Sua promessa não falha: Eu vos digo: Pedi e dar-se-vos-á; buscai e achareis; batei e abrir-vos-ão. 



Tratado dos vícios e pecados 94

Questão 89: Do pecado venial em si mesmo.

Art. 3 — Se o homem, no estado de inocência, podia pecar venialmente.

(II Sent., dest. XXI, q. 2, a. 3; De Malo, q. 2, a. 8, ad 1; q. 7, a. 7. a. 3. ad 13; a. 7).

O terceiro discute-se assim. — Parece que o homem, no estado de inocência podia pecar venialmente.

1. — Pois, segundo a Escritura (1 Tm 2, 14) — Adão não foi seduzido — diz a Glosa: Inexperiente da divina severidade podia ter-se enganado, de modo a crer que cometera um pecado venial. Ora, tal não teria crido se não pudesse pecar venialmente, sem pecar mortalmente.

2. Demais. — Agostinho diz: Não se deve pensar que o tentador teria feito cair o homem, se já não lhe existisse na alma um certo orgulho, que devia ser reprimido. Ora, esse orgulho precedente à queda, efectivada pelo pecado mortal, não poderia ser senão pecado venial. E semelhantemente, no mesmo lugar, Agostinho diz, um certo desejo de experimentar solicitou o homem, quando viu a mulher comer do pomo proibido, sem morrer. Ora, Eva cedeu a um movimento de infidelidade, por ter posto em dúvida a palavra de Deus, como o demonstra o seu dito (Gn 3, 3) — não suceda que morramos, que se lê na Escritura. E tudo isso constitui pecados veniais. Logo, o homem podia pecar venialmente, antes de tê-lo feito mortalmente.

3. Demais. — O pecado mortal opunha-se, mais que o venial, à integridade do estado primitivo. Ora, não obstante essa integridade, o homem podia pecar mortalmente. Logo, também venialmente.

Mas, em contrário, a todo pecado é devida uma pena. Ora, no estado de inocência, nenhuma pena podia ser cabível, como diz Agostinho. Logo, não podia o homem cometer nenhum pecado que não o lançasse fora desse estado de integridade. E como o pecado venial não lhe mudava o estado, não podia pecar venialmente.

Conforme a opinião comum, no estado de inocência o homem não podia pecar venialmente. Mas, isto não se deve entender como se o pecado, para nós venial, lhe fosse mortal, se o cometesse, dada a dignidade do seu estado. Pois, a dignidade de uma pessoa é circunstância agravante do seu pecado. Mas não lhe muda a espécie, salvo se sobrevier a deformidade da desobediência proveniente de um voto ou de coisa semelhante, o que, no caso vertente, não tem cabida. Donde, não por causa da dignidade primitiva é que o pecado, em si mesmo, venial, deixaria de transformar-se em mortal. E portanto, devemos concluir, que Adão não podia pecar venialmente, por não poder cometer nenhum pecado, em si mesmo, venial, antes de, pecando mortalmente, ter perdido a integridade do estado primitivo.

E a razão é que nós podemos pecar venialmente, ou por imperfeição do acto, como é o caso dos movimentos súbitos, no género dos pecados mortais; ou pela desordem relativa aos meios, conservada a ordenação devida para o fim. Ora, ambos os casos implicam uma certa falta de ordem, por não estar firmemente contido no superior o inferior. Pois, se surgem em nós movimentos súbitos de sensualidade é por esta não se submeter completamente à razão. Se, na nossa própria razão surgem movimentos súbitos, é pela execução do acto da mesma não se sujeitar à deliberação, que se inspira num bem mais elevado, como se disse (q. 74, a. 10). Que, por fim, a alma humana se desordene, quanto aos meios, conservando a ordenação devida para o fim, isso provém de não se ordenarem aqueles infalivelmente a este, que ocupa o primeiro lugar, sendo quase o princípio, na ordem dos desejos, como dissemos (q. 10, a. 1, a. 2 ad 3; q. 72, a. 5). Ora, no estado de inocência, conforme estabelecemos na Primeira Parte (q. 95, a. 1), era infalível a firmeza da ordem, de modo a o inferior estar sempre contido no superior, enquanto a parte do homem mais elevada estivesse submetida a Deus, como também o diz Agostinho. Logo e necessariamente, não haveria desordem no homem senão deixando de submeter-se a Deus o que ele tem de mais elevado; e tal dá-se pelo pecado mortal. Donde é claro que, no estado de inocência, o homem não poderia pecar venialmente, antes de havê-lo feito mortalmente.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — No lugar aduzido venial não é tomado no sentido em que agora o tomamos, senão no sentido do que é facilmente remissível.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Esse orgulho precedente, na alma do homem, foi o seu primeiro pecado mortal; e é considerado como precedente à queda no acto exterior do pecado. Pois, a esse orgulho se lhe seguiu o desejo de experimentar, e, na mulher, a dúvida. Pois, esta encheu-se logo de um certo orgulho, só por ter ouvido, da serpente, a menção do preceito, e como já não querendo submeter-se-lhe.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O pecado mortal opunha-se à integridade do estado primitivo, na medida em que lhe era possível corrompê-lo; o que o pecado venial não podia fazer. E como qualquer desordem era incompatível com a integridade desse estado, consequentemente, o primeiro homem não poderia pecar venialmente antes de ter cometido pecado mortal.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.