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28/12/2014

Tratado do verbo encarnado 73

Questão 10: Da ciência da bem-aventurança da alma de Cristo

Art. 2 — Se a alma de Cristo conhece todas as coisas no Verbo.

O segundo discute-se assim. — Parece que a alma de Cristo não conhece todas as coisas no Verbo.

1 - Pois, diz o Evangelho, A respeito porém deste dia ninguém sabe quando há-de ser nem os anjos do céu, nem o Filho, mas só o Pai. Logo, não conhece todas as coisas no Verbo.

2. Demais. — Quanto mais perfeitamente alguém conhece um princípio tanto mais coisas conhece nesse princípio. Ora, Deus vê mais perfeitamente a sua essência, que a vê a alma de Cristo. Logo, conhece mais coisas no Verbo, que a alma de Cristo. Logo, a alma de Cristo não conhece todas as coisas no Verbo.

3. Demais. — A extensão da ciência mede-se pelo número de objectos que ela abrange. Se, pois, a alma de Cristo conhecesse no Verbo tudo o que o Verbo conhece, resultaria que a ciência da alma de Cristo havia de igualar à ciência divina, isto é, o criado igualaria o incriado, o que é impossível.

Mas, em contrário, àquilo do Apocalipse. — Digno é o cordeiro, que foi morto, de receber a virtude e a sabedoria — diz a Glosa: isto é, o conhecimento de todas as causas.

Quando se pergunta se Cristo conhece todas as coisas no Verbo, devemos notar que a expressão — todas as coisas — pode-se entender em dois sentidos. Num, o próprio, abrange todas as coisas que de qualquer modo existem, existirão ou existiram, ou que foram feitas, ditas ou pensadas por qualquer e em qualquer tempo. E então, devemos afirmar, que a alma de Cristo conhece todas as causas no Verbo. Pois, cada intelecto criado conhece no Verbo, não todas as causas absolutamente falando, mas tanto mais quanto mais perfeitamente vê no Verbo. Mas, nenhum intelecto de bem-aventurado deixa de conhecer no Verbo tudo o que lhe concerne. Ora, a Cristo e à sua dignidade concernem de certo modo todas as causas, enquanto tudo está sujeito a ele, como diz o Apóstolo. E também ele, no dizer do Evangelho, foi constituído por Deus juiz de todas as coisas, porque é Filho do Homem. E portanto, a alma de Cristo conhece no Verbo tudo o que existe, em qualquer tempo, e também os pensamentos dos homens, dos quais é juiz. Por isso, o dito do evangelista: Ele bem sabia por si mesmo o que havia no homem, pode entender-se não só da ciência divina, mas também da ciência que a sua alma tem no Verbo.

Noutro sentido, todas as coisas é uma expressão susceptível de sentido mais lato, abrangendo não só todas as coisas actuais num tempo qualquer, mais ainda todas as potências, que nunca serão actualizadas. — Ora, destas, algumas dependem só do poder de Deus. E tais a alma de Cristo não as conhece a todas no Verbo. Pois, o contrário seria compreender tudo o que Deus pode fazer, o que seria compreender o poder divino e, portanto, a essência divina, pois, toda virtude se conhece conhecendo o que ela pode fazer. — Mas há outras causas que estão no poder, não só de Deus, mas também da criatura. E a alma de Cristo conhece-as a todas no Verbo. Pois, compreende, no Verbo, a essência de toda criatura, e por consequência, a potência, a virtude e tudo o que está no poder da criatura.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Ario e Eunómio entenderam essas palavras, não quanto à ciência da alma, que não admitiam em Cristo, como dissemos, mas, quanto ao conhecimento divino do Filho, do qual ensinavam ser menor do que o Pai, pela ciência. — Mas esta Doutrina não pode manter-se. Pois, pelo Verbo de Deus todas as coisas foram feitas, como diz o Evangelho, e, entre todas, também por ele foram feitos todos os tempos. Logo, não havia nada do feito por ele, que ele ignorasse. - Donde, diz-se que ignora o dia e a hora do juízo, por não o dar a conhecer, assim, interrogado sobre isso pelos Apóstolos, não quis revelá-lo. Como, ao contrário, se lê na Escritura: Agora conheci que temes a Deus, isto é, agora te fiz conhecer. E se diz que o Pai conhece, por ter transmitido ao Filho esse conhecimento. Donde, a expressão da Escritura — só o Pai — dá a entender que o Filho conhece, não só pela sua natureza divina, mas também pela humana. Pois, como argui Crisóstomo, se a Cristo lhe foi dado saber, enquanto homem, como deve julgar — o que é mais, com muito maior razão também lho foi o tempo do juízo — que é menos — Orígenes, porém, expõe esse lugar, de Cristo, quanto ao seu corpo, que é a Igreja, a qual ignora esse referido tempo. — Mas, alguns dizem que essa expressão se deve entender do filho de Deus adoptivo e não, do natural.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Deus conhece a sua essência mais perfeitamente que a conhece a alma de Cristo, por a compreender. E portanto conhece todas as coisas, não só as que actualmente existem em qualquer tempo — ao que chamamos ciência de visão, mas também conhece a todas, as que pode fazer, ao que se chama conhecer pela simples inteligência, como se estabeleceu na Primeira Parte. Portanto, a alma de Cristo conhece todas as coisas que Deus em si mesmo conhece pela ciência de visão, mas não, todas as que Deus conhece em si mesmo pela simples ciência da inteligência. E assim, Deus, em si mesmo, conhece mais coisas, que a alma de Cristo.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A extensão da ciência não se funda só no número das coisas conhecidas, mas também na clareza do conhecimento. Embora, pois, a ciência da alma de Cristo que tem no Verbo, seja igual à ciência de visão que Deus tem em si mesmo, quanto ao número das coisas conhecidas, contudo a ciência de Deus excede infinitamente, quanto à clareza do conhecimento, a ciência da alma de Cristo. Porque a luz incriada do intelecto divino excede infinitamente a luz criada, qualquer que ela seja, recebida na alma de Cristo, não só quanto ao modo de conhecer, mas também quanto ao número das coisas conhecidas, conforme dissemos.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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