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25/12/2014

Tratado do verbo encarnado 70

Questão 9: Da ciência de Cristo em geral

Art. 3 — Se em Cristo há uma outra ciência infusa além da ciência beatífica.

O terceiro discute-se assim. — Parece que em Cristo não há outra ciência infusa, além da beatífica.

1. — Pois, qualquer ciência criada está para a ciência da visão beatífica como o imperfeito, para o perfeito. Ora, a presença do conhecimento perfeito exclui a do imperfeito, assim como a visão manifesta face a face exclui a enigmática, da fé, segundo se lê no Apóstolo. Ora, como Cristo tinha a ciência da visão beatífica, conforme dissemos, parece que não podia ter outra ciência, infusa.

2. Demais. — O modo imperfeito do conhecimento dispõe para o perfeito, assim a opinião, fundada no silogismo dialético, dispõe para a ciência, fundada no silogismo demonstrativo. Ora, quem já tem a perfeição não precisa de nenhuma disposição ulterior, assim como não há necessidade de movimento quando o termo foi atingido. Mas, qualquer conhecimento criado, estando para o da visão beatífica como o imperfeito, para o perfeito e como a disposição, para o termo, parece que, a Cristo, não lhe era necessário nenhum outro conhecimento, desde que tinha o da visão beatífica.

3. Demais. — Assim como a matéria corpórea está em potência para a forma sensível assim o intelecto possível para a forma inteligível. Ora, a matéria corpórea não pode receber simultaneamente duas formas sensíveis - uma mais perfeita e outra menos perfeita. Logo, nem a alma pode simultaneamente ter duas ciências, mais uma perfeita e outra menos perfeita. Donde se conclui o mesmo que antes.

Mas, em contrário, o Apóstolo: Em Cristo estão encerrados todos os tesouros da sabedoria e da ciência.

Como dissemos, convinha que a natureza humana assumida pelo Verbo não fosse imperfeita. Ora, todo o potencial é imperfeito, que não for reduzido ao acto. Mas, o intelecto humano é potencial em relação a todos os inteligíveis, reduz-se ao acto porém pelas espécies inteligíveis que lhe são umas formas completivas conforme resulta do que já dissemos. Logo, devemos atribuir a Cristo uma ciência infusa enquanto, pelo Verbo de Deus, na alma de Cristo, pessoalmente unida ao Verbo, se lhe imprimiram as espécies inteligíveis relativas a tudo o para o que o intelecto possível é potencial. Assim como também, pelo Verbo de Deus foram impressas as espécies inteligíveis na mente angelica, no princípio da criação das coisas, conforme diz Agostinho. Donde, como os anjos, segundo o mesmo Agostinho, tem duplo conhecimento — Um matutino, pelo qual conhecem as coisas no Verbo, e outro, vespertino pelo qual as conhecem nas suas próprias naturezas, por meio das espécies neles infusas, assim também, além da ciência incriada, tem a alma de Cristo a ciência da visão beatífica, pela qual conhece o Verbo e as coisas, nele, e a ciência infusa ou inata, pela qual as conhece na natureza própria delas, por meio das espécies inteligíveis proporcionadas à mente humana.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A visão imperfeita da fé inclui por essência o oposto à visão manifesta, por ser da natureza da fé ter por objecto o invisível, como se disse na Segunda Parte. Ao passo que o conhecimento por meio das espécies infusas nada inclui de oposto ao conhecimento beatífico. Donde, não há paridade em ambos os casos.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A disposição relaciona-se com a perfeição, de dois modos, como a via conducente a ela e como um efeito dela procedente. Assim, pelo calor a matéria dispõe-se a receber a forma do fogo, cuja presença não faz cessar o calor, que permanece, quase como um efeito de tal forma. Semelhantemente, a opinião causada pelo silogismo dialético é via à ciência adquirida por demonstração, com cuja aquisição pode coexistir o conhecimento pelo silogismo dialético, como uma consequência da ciência demonstrativa, que é um conhecimento pela causa, pois, quem conhece a causa pode também, por ela, com maior razão, conhecer os sinais prováveis, dos quais procede o silogismo dialético. Do mesmo modo, em Cristo, com a ciência da bem-aventurança coexiste a ciência infusa, não como via para a bem-aventurança, mas como confirmada por ela.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O conhecimento da bem-aventurança não se opera por uma espécie que seja semelhança da essência divina ou das coisas que na espécie divina se conhecem, como resulta do que foi dito na Primeira Parte. Mas tal conhecimento atinge a própria essência imediatamente, por estar a essência divina unida à alma beata como o inteligível ao inteligente. Ora, a essência divina é uma forma que excede à proporção de qualquer criatura. Donde, nada impede coexistirem, na alma racional, com essa forma sobre-excedente, espécies inteligíveis proporcionadas à sua natureza.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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