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23/12/2014

Tratado do verbo encarnado 68

Questão 9: Da ciência de Cristo em geral

Em seguida devemos tratar da ciência de Cristo em geral. Sobre a qual há duas questões a tratar. A primeira, sobre a ciência que Cristo teve. A segunda, sobre cada uma das suas ciências.

Na primeira questão discutem-se quatro artigos:

Art. 1 — Se Cristo tinha alguma ciência além da divina.
Art. 2 — Se Cristo teve a ciência dos santos ou dos que gozam da visão beatífica.
Art. 3 — Se em Cristo há uma outra ciência infusa além da ciência beatífica.
Art. 4 — Se Cristo tinha alguma ciência experimental adquirida.

Art. 1 — Se Cristo tinha alguma ciência além da divina.

O primeiro discute-se assim. — Parece que Cristo não tinha uma ciência, além da divina.

1 — Pois, a ciência é necessária para, por meio dela, adquirirmos certos conhecimentos. Ora, Cristo, pela ciência divina, conhecia todas as coisas. Portanto, era-lhe supérflua outra ciência.

2. Demais. — A luz maior ofusca a menor. Ora, toda ciência criada está para a ciência de Deus incriada como a luz menor, para a maior. Logo, em Cristo não refulgiu outra ciência além da divina.

3. Demais. — A união da natureza humana com a divina fez-se na pessoa, como do sobredito resulta. Ora, segundo alguns, Cristo teve uma certa ciência de união, pela qual sabia o atinente ao mistério da Encarnação, mais plenamente que qualquer outro. Ora, como a união pessoal contém duas naturezas, parece que não havia em Cristo duas ciências, mas uma só, pertinente a uma e outra natureza.

Mas, em contrário, diz Ambrósio: Deus assumiu, na carne, a perfeição da natureza humana, assumiu a alma sensitiva do homem, mas não a intumescida pela soberba da carne. Logo, Cristo teve uma ciência criada.

Como do sobredito resulta, o Filho de Deus assumiu a natureza humana criada, isto é, não só o corpo, mas também a alma, não só a sensitiva, mas também a racional. Logo, tinha necessariamente a ciência criada, por três razões. — Primeiro, por causa da perfeição da alma. Pois, em si mesma considerada, a alma é potencial em relação ao conhecimento dos inteligíveis, pois, é como uma tábua em que nada está escrito, e contudo é possível escrever nela, por meio do intelecto possível, pelo qual pode tornar-se todas as causas, como diz Aristóteles. Pois, o potencial é imperfeito, se não for reduzido ao acto. Ora, não era conveniente que o Filho de Deus assumisse a natureza humana imperfeita, mas, a perfeita, como a mediante a qual todo o género humano devesse ser reduzido à perfeição. E por isso era necessário que a alma de Cristo fosse perfeita, por meio de uma ciência, que fosse a perfeição própria dele. Logo, também devia necessariamente ter uma outra ciência além da divina. Do contrário, a alma de Cristo seria mais imperfeita que a dos outros homens. — Segundo, como todas as causas existem em vista das suas operações, conforme diz Aristóteles, teria em vão Cristo a alma intelectiva, se não inteligisse por ela. O que constitui a ciência criada. — Terceiro, porque, há uma ciência criada própria da natureza da alma humana, e é aquela pela qual conhecemos naturalmente os primeiros princípios, pois, aqui tomamos a palavra ciência em sentido lato, por qualquer conhecimento do intelecto humano. Ora, nada de natural faltou a Cristo, porque assumiu toda a natureza humana, como dissemos. Por isso, no Sexto Sínodo foi condenada a opinião dos que negavam tivesse Cristo duas ciências ou duas sabedorias.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Cristo conhecia todas as coisas pela sua ciência divina por operação incriada, que é a essência própria de Deus, pois, inteligir é a própria substância de Deus, como prova Aristóteles. Donde, esse acto, sendo de outra natureza, não podia pertencer à alma humana de Cristo. Se, pois, a alma de Cristo não tivesse outra ciência, além da divina, nada conheceria. E então teria sido assumida em vão, pois, as coisas existem em vista das suas operações.

RESPOSTA À SEGUNDA. — De duas luzes consideradas da mesma ordem, a menor é ofuscada pela maior, assim, a luz do sol ofusca a da candeia, pertencendo uma e a outra à ordem do corpo que iluminam. Mas, se considerarmos a maior como a que ilumina e a menor com a iluminada, o menor lume não é ofuscado pelo maior, mas ao contrário, é aumentado, assim a luz do ar não é ofuscada pela do sol. E, deste modo, a luz da ciência não é ofuscada, mas antes, mais se esclarece na alma de Cristo, pelo lume da ciência divina, que é a luz verdadeira, que alumia a todo o homem que vem a este mundo, no dizer do Evangelho.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Quanto às coisas unidas, em Cristo, têm ciência, tanto a natureza divina como a humana, assim que, por causa da união, pela qual o Deus e o homem têm a mesma hipóstase, o que é de Deus se atribui ao homem e o que é do homem se atribui a Deus, como se disse. Mas, quanto à própria união, não podemos admitir em Cristo nenhuma ciência. Pois aquela união refere-se ao ser pessoal, a ciência, porém, não convém à pessoa senão em razão de alguma natureza.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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