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09/12/2014

Tratado do verbo encarnado 54

Questão 7: Da graça de Cristo como um homem particular

Art. 8 — Se Cristo teve a profecia.

Oitavo discute-se assim. — Parece que Cristo não tinha o dom da profecia.

1. — Pois, a profecia implica um certo conhecimento obscuro e imperfeito, segundo a Escritura: Se entre vós se achar algum profeta do Senhor, eu lhe aparecerei em visão ou lhe falarei em sonhos. Ora, Cristo teve um conhecimento pleno e patente, muito mais que Moisés de quem a Escritura acrescenta no mesmo lugar: Ele vê claramente o Senhor e não debaixo de enigmas. Logo, não devemos atribuir a Cristo a profecia.

2. Demais. — Como o objecto da fé é o que nós não vemos, e o da esperança o que não temos assim o da profecia é o que não está presente, mas distante, pois, profeta é chamado quem anuncia o que está longe (procul fans). Ora, em Cristo não havia fé nem esperança, como se disse. Logo, também não devemos atribuir a Cristo a profecia.

3. Demais. — O profeta é de ordem inferior ao anjo, por isso, de Moisés, que foi o supremo dos profetas, como mostramos na Segunda Parte, diz o Apóstolo, este é o que falava com o anjo na solidão. Ora, Cristo não foi menor que os anjos, pelo conhecimento da alma mas só pelo sofrimento do corpo. Logo, parece que Cristo não foi profeta.

Mas, em contrário, dele diz a Escritura: O Senhor teu Deus te suscitará um profeta dentre os teus irmãos. E Cristo diz de si mesmo: Um profeta não tem honra na sua pátria.

Profeta é chamado, por assim dizer quem anuncia ou vê o que está longe (procul stans), isto é, quem conhece e anuncia o que está afastado dos sentidos dos homens, como também o diz Agostinho. Ora, devemos considerar que não pode ser chamado profeta quem conhece e anuncia o que está distante para outros, com os quais ele não convive. E isto é manifesto, quanto ao lugar e quanto ao tempo. Assim, pois, quem, vivendo na França, conhecesse e anunciasse a outros, que também vivessem nesse mesmo país, o que então se passasse na Síria, fazia um anúncio profético, tal como Eliseu, quando anunciou a Giezi que um homem descia de um carro e vinha ao seu encontro. Mas quem, vivendo na Síria, anunciasse coisas que aí mesmo se passassem, não anunciaria nada de profético. E o mesmo se dá no tempo. Assim, Isaías predisse profeticamente que Ciro, rei dos Persas, haveria de reedificar o templo de Deus. Mas, nada houve de profético no que Esdras escreveu sobre o que se realizou no seu tempo. Se, portanto, Deus e os anjos, ou também os santos, conhecem e anunciam o distante do nosso conhecimento isso não constitui nenhuma profecia, porque em nada eles participam da nossa condição. Ora, Cristo, antes da paixão, participava da nossa condição, porque não somente gozava da visão clara, mas era também viandante como nós. E portanto, era profético o que, estando distante do conhecimento dos outros viandantes, ele o conhecia e anunciava. E por isso dizemos que nele havia a profecia.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Responde-se que essas palavras não pretendem significar que seja da natureza da profecia o conhecimento enigmático, que se dá pelo sonho e na visão, mas fazem uma comparação dos outros profetas, que perceberam as coisas divinas pelo sonho e em visão, com Moisés, que viu a Deus face a face e não por enigmas, que contudo é chamado profeta, segundo a Escritura: Não se levantou mais em Israel profeta algum como Moisés. Entretanto, podemos dizer que, embora Cristo tivesse um conhecimento pleno e compreensivo, quanto à sua faculdade intelectiva, realizava todavia, na sua faculdade imaginativa, certas semelhanças, através das quais podia também entender as coisas divinas, por ser não somente compreensor mas também viandante.

DONDE A RESPOSTA À SEGUNDA. — A fé tem por objecto o que é invisível ao crente, e semelhantemente, a esperança, o que ainda não é possuído por quem espera. Mas, a profecia tem por objecto o distante ao conhecimento do comum dos homens, com quem o profeta convive e comunica, pela condição da vida presente. Por isso, a fé e a esperança repugnavam à perfeição da santidade de Cristo, não porém, a profecia.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O anjo, gozando da visão beatífica, é superior ao profeta, que ainda é viandante, mas não, superior a Cristo, que ao mesmo tempo que era viandante, gozava da visão clara.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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