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07/12/2014

Tratado do verbo encarnado 52

Questão 7: Da graça de Cristo como um homem particular

Art. 6 — Se em Cristo houve o dom do temor.

O sexto discute-se assim. — Parece que em Cristo não houve o dom do temor.

1. — Pois, a esperança parece mais principal que o temor, porque sendo o objecto dela o bem, o dele é o mal, como na Segunda Parte se estabeleceu. Ora, em Cristo não havia a virtude da esperança, conforme se demonstrou. Logo, também não havia nele o dom do temor.

2. Demais. — Pelo dom do temor tememos a separação de Deus, o que constitui o temor casto, ou o sermos punidos por ele, o que constitui o temor servil, como diz Agostinho. Ora, Cristo não temia ser separado de Deus, pelo pecado, nem ser punido por ele por culpa, pois, era-lhe impossível pecar, como depois se dirá. Ora, não há temor do impossível. Logo, em Cristo não houve o dom do temor.

3. Demais. — A Escritura diz: A caridade perfeita lança fora o temor. Ora, Cristo tinha a caridade perfeitíssima, segundo o Apóstolo: A caridade de Cristo que excede todo entendimento. Logo, em Cristo não havia o dom do temor.

Mas, em contrário, a Escritura: E enchê-lo-á o Espírito do temor do Senhor.

Como dissemos na Segunda Parte, o temor respeita dois objectos: um é o mal que atemoriza, o outro, quem tem o poder de fazer o mal e assim teme-se o rei porque tem o poder de matar. Ora, não temeríamos quem tem o poder se este não fosse de uma eminência tal que não lhe pudéssemos facilmente resistir, pois, não tememos o que podemos prontamente repelir. Donde, é claro que não tememos a outrem senão por causa da sua eminência. E portanto, devemos concluir que em Cristo houve o temor de Deus, não enquanto respeita o mal da separação de Deus pela culpa nem enquanto respeita o mal da punição por causa da culpa, mas enquanto respeita a própria eminência divina. Isto é, enquanto a alma de Cristo se eleva para Deus por um certo afecto de reverência, levada do Espírito Santo. Donde o dizer o Apóstolo, que em tudo foi atendido pela sua reverência. Ora, esse afecto de reverência para com Deus, Cristo, enquanto homem, teve-o em maior plenitude que os demais. Por isso, a Escritura lhe atribui a plenitude do dom do temor.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Os hábitos das virtudes e dos dons própria e essencialmente respeitam o bem, e o mal, por consequência. Pois, é da essência da virtude tornar a obra boa, como diz Aristóteles. Donde, não é da essência do dom do temor aquele mal a que se refere o temor, mas a eminência daquele bem, isto é, divino, por cujo poder um mal pode ser infligido. Ora, a esperança, enquanto virtude, respeita não só o autor do bem, mas o próprio bem, enquanto não possuído. Donde, a Cristo, que já tinha o bem perfeito da bem-aventurança, não se lhe atribui a virtude da esperança, mas, o dom do temor.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A objecção colhe, do temor enquanto respeita ao objecto, que é o mal.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A caridade perfeita expulsa o temor servil, que respeita principalmente à pena. Ora, nesse sentido, não houve temor em Cristo.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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