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19/11/2014

Tratado do verbo encarnado 34

Questão 5: Da assunção das partes da natureza humana

Art. 3 — Se o Filho de Deus assumiu a alma.

O terceiro discute-se assim. Parece que o Filho de Deus não assumiu a alma.

1. — Pois, João expondo o mistério da Encarnação, disse: o Verbo se fez carne, sem fazer menção nenhuma da alma. Ora, não diz que se fez carne porque nela se tivesse convertido, mas por a ter assumido. Logo, parece que não assumiu a alma.

2. Demais. - A alma é necessária ao corpo para ser vivificado por ela. Ora, para isso não era necessária ao corpo de Cristo como parece, pois é do próprio Verbo de Deus que diz a Escritura: Senhor, em ti está a fonte da vida. Logo, era supérflua a presença da alma onde estava a do Verbo. Mas, Deus e a natureza não fazem nada em vão, como também o diz o Filósofo. Logo, parece que o Filho de Deus não assumiu a alma.

3. Demais. — Da união da alma e do corpo constitui-se uma natureza comum, que é a espécie humana. Ora, em Nosso Senhor Jesus Cristo não podemos admitir uma espécie comum, como diz Damasceno. Logo, não assumiu a alma.

Mas, em contrário, diz Agostinho: Não ouçamos aqueles que dizem ter sido só o corpo humano a ser assumido pelo Verbo de Deus, esses ouvem o que foi dito - O Verbo se fez carne - para negarem que esse homem tivesse a alma ou qualquer outra causa humana, além só da carne.

Como diz Agostinho, foi primeiro opinião de Ário, e depois, de Apolinário, que o Filho de Deus assumiu só a carne sem a alma e ensinavam que o Verbo estava unido à carne, como se lhe fosse a alma. Donde resultava que em Cristo não existiam duas naturezas, mas uma só, pois, da alma e da carne constitui-se uma só natureza.

Mas esta opinião não pode subsistir, por três razões.

Primeiro, porque repugna à autoridade da Escritura, na qual o Senhor faz menção da sua alma. Assim, dizem o Evangelhos: A minha alma está numa tristeza mortal e: Tenho o poder de pôr a minha alma. — Mas a isto respondia Apolinário que, nessas palavras, a alma é tomada metaforicamente, assim, desse modo é que o Antigo Testamento se refere à alma, quando diz: A minha alma aborrece as vossas calendas e as vossas solenidades. - Mas, como diz Agostinho, os Evangelistas nas narrações dos Evangelhos narram que Jesus se admirou, que se encolerizou que se contristou e teve fome. E isso tudo demonstra que tinha verdadeiramente uma alma, assim como os factos de comer, de dormir e de se fatigar demonstram que tinha verdadeiramente um corpo humano. Do contrário, se fossem essas expressões metafóricas, como lemos coisas semelhantes de Deus, no Antigo Testamento, desapareceria a fé da narração Evangélica. Pois, é uma coisa a anunciação profética figurada, e outra o que, com propriedade real, constitui a narração histórica dos Evangelistas.

Segundo, o referido erro contraria a utilidade da Encarnação, que é a libertação do homem. Eis como a esse respeito argumenta Agostinho: Por que, tendo assumido a carne, o Filho de Deus deixou de assumir a alma? Era talvez ou porque, considerando-a inocente, pensou não ter ela necessidade de remédio, ou tendo-a como estranha a si, não a gratificou com o benefício da redenção, ou renunciou a curá-la julgando-a de todo incurável, ou enfim porque a rejeitou como um ser vil e totalmente inútil. Ora, duas dessas hipóteses implicam uma blasfémia contra Deus, pois, como ser chamado onipotente se não pôde curar uma alma, de que desesperava? Ou como é o Deus de todos, se não foi ele mesmo que criou a nossa alma? Das duas outras, uma desconhece a causa da alma, a outra não lhe leva em conta o mérito. Pois, podemos crer que conheça a causa da alma quem pretende eximi-la do pecado de uma transgressão voluntária, embora tenha sido preparada pelo hábito incluso da razão natural a receber a lei? Ou como teria a ideia da sua nobreza, quem a representa como desprezível pela sua vileza? Se lhe atenderes à origem, a alma é a mais preciosa das duas substâncias, se à culpa da transgressão, a sua causa é a pior, dada a sua inteligência. Ora, eu de um lado conheço a perfeita sabedoria de Cristo e, de outro, não duvido que seja misericordiosíssimo. A primeira dessas perfeições impediu-o de desdenhar a melhor substância, a que é capaz de sabedoria, a segunda, a unir-se à que tinha sido mais profundamente ferida.

Em terceiro lugar, essa opinião é contrária à própria verdade da Encarnação. Pois, a carne e as outras partes do homem especificam-se pela alma. Donde, ausentando-se a alma, já não há ossos nem carne senão equivocamente, como está claro no Filósofo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Quando o Evangelho diz — O Verbo se fez carne — carne significa todo o homem, como se dissesse: O Verbo se fez homem, no sentido em que diz a Escritura: Toda a carne verá a salvação do nosso Deus. E todo o homem é significado pela carne, porque, como diz o passo aduzido, pela carne o Filho de Deus se manifestou visivelmente, sendo por isso que o texto acrescenta: E vimos a sua glória. Ou então porque, como diz Agostinho, em toda a unidade dessa assunção o principal é o Verbo, a carne vem em extremo e último lugar. Querendo, pois, o Evangelista mostrar-nos até que ponto foi Deus, na abjecção da humildade, por amor de nós, referiu-se ao Verbo e à carne, deixando de parte a alma, inferior, de um lado, ao Verbo e, de outro, superior à carne. E também era racional que designasse a carne que, por distar mais do Verbo, parecia menos digna de ser assumida.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O Verbo é a fonte da vida, como a primeira causa efectiva dela. Mas, a alma é o princípio da vida do corpo, como forma dele. Ora, a forma é o efeito de um agente. Donde, da presença do Verbo poderíamos antes concluir que o corpo era animado, assim como o poderíamos, da presença do fogo, que é quente o corpo que ele atingiu.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Não é inconveniente, mas antes, necessário dizer-se que Cristo tinha uma natureza constituída pela alma que veio unir-se ao corpo. Mas Damasceno nega que haja em Nosso Senhor Jesus Cristo uma espécie comum, como um terceiro ser resultante da união da divindade à humanidade.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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