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17/11/2014

Tratado do verbo encarnado 32

Questão 5: Da assunção das partes da natureza humana

Em seguida devemos tratar da assunção das partes da natureza humana.

E nesta questão discutem-se quatro artigos:

Art. 1 — Se o Filho de Deus assumiu um verdadeiro corpo.
Art. 2 — Se Cristo tinha um corpo carnal ou terrestre ou celeste.
Art. 3 — Se o Filho de Deus assumiu a alma.
Art. 4 — Se o Filho de Deus assumiu o entendimento humano ou intelecto.

Art. 1 — Se o Filho de Deus assumiu um verdadeiro corpo.

O primeiro discute-se assim. — Parece que o Filho de Deus não assumiu um verdadeiro corpo.

1. — Pois, diz o Apóstolo, que ele se fez semelhante aos homens. Ora, o que verdadeiramente existe não existe por semelhança. Logo, o Filho de Deus não assumiu um verdadeiro corpo.

2. Demais. — A assunção do corpo em nada contrariava à dignidade da divindade, assim, como diz Leão Papa, nem a glorificação destruiu a natureza inferior, nem a assunção diminuiu a superior. Ora, a dignidade de Deus exige que seja totalmente separado do corpo. Logo, parece que, pela assunção, Deus não se uniu a um corpo.

3. Demais. — Os sinais devem responder aos assinalados. Ora, as aparições do Antigo Testamento, que foram os sinais e as figuras da aparição de Cristo, não eram realmente de natureza corpórea, mas construíam visões imaginárias, como o adverte a Escritura: Vi o Senhor sentado, etc. Logo, parece que também a aparição do Filho de Deus no mundo não foi a de um corpo real, mas só em figura.

Mas, em contrário, diz Agostinho, se o corpo de Cristo foi um fantasma, Cristo enganou, e enganou-se, não é a verdade. Ora, Cristo é a verdade. Logo, o seu corpo não foi fantasma. E assim, é claro que assumiu um verdadeiro corpo.

Como foi dito, o Filho de Deus não nasceu putativamente, quase com um corpo figurado, mas, com um verdadeiro corpo. E disto podemos dar três razões. — A primeira é deduzida da natureza humana, à qual é próprio ter um corpo. Suposto, pois, pelo que já dissemos, que era conveniente o Filho de Deus assumir a natureza humana, resulta, como consequência, que teve um verdadeiro corpo. — A segunda razão pode ser deduzida do que se realizou no mistério da Encarnação. Pois, se o corpo de Cristo não era real mas fantástico, também consequentemente não padeceu uma verdadeira morte, nem nada do que dele narram os Evangelistas realmente praticou, mas só na aparência. Donde também resultaria que não operou a verdadeira salvação do género humano, pois, há-de o efeito proporcionar-se à causa. — A terceira razão pode ser concluída da dignidade própria da Pessoa assumente, a qual, sendo a verdade, não lhe era decente existir qualquer ficção na sua obra. Por isso, o próprio Senhor se dignou excluir esse erro quando os discípulos, conturbados e aterrados, julgavam ver um espírito e não um corpo verdadeiro. Por isso, ofereceu-se para que o apalpassem, dizendo: Apalpai e vede, que um espírito não tem carne nem ossos, como vós vedes que eu tenho.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A referida semelhança exprime a verdade da natureza humana em Cristo, ao modo pelo qual todos os que têm verdadeiramente a natureza humana se consideram semelhantes, pela espécie. Mas não se entende por ela uma semelhança fantástica. E para evidenciá-lo o Apóstolo acrescenta — Feito obediente até à morte e morte de cruz, o que não poderia ser, se a semelhança fosse somente em imagem.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Pelo facto do Filho de Deus ter assumido um corpo real em nada se lhe diminuiu a dignidade. Por isso diz Agostinho: Abateu-se a si mesmo, tomando a forma de servo, para que se tornasse servo, mas não perdeu a plenitude da forma de Deus. Pois o Filho de Deus não assumiu um corpo real para que se fizesse a forma do corpo, o que repugna à divina simplicidade e pureza, pois tal seria assumir um corpo na unidade de natureza, o que é impossível, como do sobredito se colhe. Mas, salva a distinção da natureza, assumiu um corpo na unidade da pessoa.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A figura deve corresponder à realidade quanto à semelhança e não quanto à verdade própria dessa realidade, pois, se a semelhança o fosse em tudo, já não seria um sinal, mas a própria realidade, como diz Damasceno. Logo, era conveniente que as aparições do Antigo Testamento fossem só aparências, quase figuras, mas a aparição do Filho de Deus no mundo seria segundo a verdade do corpo, quase uma realidade figurada pelas anteriores figuras. Donde o dizer o Apóstolo: Que são sombra das coisas vindouras, mas o corpo é de Cristo.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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