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01/11/2014

Tratado do verbo encarnado 17

Questão 2: Do modo da união do Verbo Encarnado

Art. 11 — Se à união da Encarnação precederam alguns méritos.

O undécimo discute-se assim. — Parece que certos méritos precederam à união da Encarnação.

1. — Pois, segundo a Escritura — Faça-se sobre nós a tua misericórdia da maneira que em ti temos esperado — diz a Glosa: Isto ensina o desejo que o profeta tinha da Encarnação e merecia que ela se realizasse. Logo, a Encarnação pode ser merecida.

2. Demais. — Quem merece alguma coisa merece aquilo sem o que essa coisa não pode ser obtida. Ora, os antigos Padres mereciam a vida eterna à qual não podiam chegar senão pela Encarnação. Assim, diz Gregório: Os que vieram a este mundo antes do advento de Cristo, por maior que tivessem a virtude da justiça, de nenhum modo podiam, separados do corpo, ser logo introduzidos no seio da pátria celeste, porque ainda não tinha vindo aquele que haveria de introduzir na sua perpétua morada as almas dos justos. Logo, parece que mereceram a Encarnação.

3. Demais. — Da B. V. Maria se canta que mereceu trazer o Senhor de todas as causas, o que se deu pela Encarnação. Logo, a Encarnação é susceptível de ser merecida.

Mas, em contrário, diz Agostinho: Aquele que descobrir no nosso chefe os méritos precedentes da sua singular geração, descubra também em nós, seus membros, os méritos precedentes da multiplicada regeneração. Ora, nenhuns méritos precederam a nossa regeneração, como o diz o Apóstolo: Não por obras de justiça que tivéssemos feito nós outros mas segundo a sua misericórdia salvou-nos pelo baptismo de regeneração. Logo, nem a geração de Cristo foi precedida de quaisquer méritos.

Em relação a Cristo mesmo, é manifesto, pelo que já dissemos, que nenhuns méritos seus puderam preceder-lhe à união. Pois, não admitimos que antes tivesse sido um puro homem e depois, pelo mérito de uma boa vida, tivesse obtido ser Filho de Deus, como o ensinou Fotino. Mas, dizemos que desde o princípio da sua concepção esse homem foi verdadeiramente Filho de Deus, como não tendo nenhuma outra hipóstase senão a de Filho de Deus, segundo o Evangelho: O Santo que há-de nascer de ti será chamado Filho de Deus. Donde, todas as obras desse homem se lhe seguiram à união. E portanto, nenhuma obra sua podia ter merecido a união.

Mas nem também as obras de qualquer outro homem podiam ter sido meritórias dessa união, por um mérito de condignidade (ex condigno). Primeiro, porque as obras meritórias do homem ordenam-se propriamente à bem-aventurança, que o é prémio da virtude e consiste no pleno gozo de Deus. Ora, a união da Encarnação, realizada no ser pessoal, transcende a união da alma bem-aventurada, com Deus, que supõe da parte dela um acto de fruição. E por isso não é susceptível de mérito. — Segundo, porque a graça não é susceptível de mérito, pois é o princípio do merecer. Donde, com maior razão, não pode a Encarnação ser merecida, ela que é o princípio da graça, segundo o Evangelho: A graça e a verdade foi trazida por Jesus Cristo. — Terceiro, porque a Encarnação de Cristo é reformadora de toda a natureza humana. E portanto, não pode ser merecida pelo mérito de nenhum homem particular: porque o bem de qualquer puro homem não pode ser a causa do bem de toda a natureza.

Contudo, por congruência (ex congruo) mereceram os Santos Padres a Encarnação, desejando e pedindo. Pois, era congruente que Deus os ouvisse a eles que lhe obedeciam. Donde se deduz clara a resposta à primeira objecção.

RESPOSTA À SEGUNDA. — É falso dizer que o mérito compreende tudo àquilo sem o que o prémio não pode ser conseguido. Pois, certas coisas não somente são necessárias para o prémio, mas o mérito pré exige-as, assim, a bondade divina, e a própria natureza do homem. E semelhantemente, o mistério da Encarnação é o princípio do mérito, pois, todos nós participamos da plenitude de Cristo, como diz o Evangelho.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Dizemos que a Bem-aventurada Virgem mereceu trazer o Senhor de todas as coisas não por ter merecido que ele se encarnasse, mas por ter merecido, pela graça que lhe foi dada, um tal grau de pureza e de santidade. que pudesse congruamente ser a mãe de Deus.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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