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17/10/2014

Tratado do verbo encarnado 02

Questão 1: Da conveniência da encarnação

Art. 2 — Se a união do Verbo encarnado se fez na Pessoa.

O segundo discute-se assim — Parece que a união do Verbo incarnado não se fez na pessoa.

1. — Pois, a Pessoa de Deus não difere da sua natureza, como se demonstrou na Primeira Parte. Se, portanto, não se fez a união na natureza, segue-se que também não se fez na pessoa.

2. Demais. — A natureza humana não teve menor dignidade em Cristo do que a tem em nós. Ora, a personalidade respeita à dignidade, como se demonstrou na Primeira Parte. Donde, tendo a natureza humana em nós uma personalidade própria, com maior razão teve uma personalidade própria em Cristo.

3. Demais. — Como diz Boécio, a pessoa é uma substância individual de natureza racional. Ora, o Verbo de Deus assumiu a natureza humana individual, pois a natureza universal não subsiste em si mesma, mas é considerada pela só contemplação, como diz Damasceno. Logo, a natureza humana tem a sua personalidade. Portanto, parece que não se fez a união na Pessoa.

Mas, em contrário, lê-se no Sínodo Calcedonense: Nós confessamos que Nosso Senhor Jesus Cristo é o Deus Verbo, um e mesmo Filho unigênito, não repartido ou dividido em duas pessoas. Logo fez-se a união do Verbo na Pessoa.

Pessoa tem uma significação diferente de natureza. Pois, a natureza significa a essência específica, expressa pela definição. E se a essência específica não fosse susceptível de nenhum acréscimo, nenhuma necessidade haveria de distinguir a natureza, do seu suposto, que é o indivíduo nela subsistente, pois, então, todo indivíduo subsistente numa natureza seria absolutamente idêntico a esta. Mas, há certas coisas subsistentes, susceptíveis do que não se inclui em a essência específica, como os acidentes e os princípios individuantes, como sobretudo o manifestam os seres compostos de matéria e forma. Donde o diferir, mesmo realmente, em tais seres, a natureza, do suposto, não como coisas absolutamente separadas mas porque o suposto inclui a natureza mesma da espécie, e se lhe fazem certos outros acréscimos, estranhos à essência específica. Por isso, o suposto é significado como um todo, tendo a natureza como a sua parte formal e perfectiva. E por isso, nos compostos de matéria e forma, a natureza não é predicada do suposto, assim, não dizemos que tal homem é a sua humanidade. Mas um ser como Deus em que absolutamente nada houver, além da essência da espécie ou da sua natureza, em tal ser não há diferença real entre o suposto e a natureza, mas somente lógica. Pois, natureza se chama ao que é uma certa essência, e ela mesma também se chama suposto, enquanto é subsistente. E o que se disse do suposto devemos entender da pessoa, na criatura racional ou intelectual, pois, a pessoa nada mais é do que a substância individual de natureza racional, segundo Boécio.

Portanto, tudo o que existe numa determinada pessoa, quer lhe pertença à natureza, quer não, está-lhe unido na pessoa. Se, pois, a natureza humana não esta unida à Pessoa do Verbo de Deus, de nenhum modo lhe está unida. - E então, desaparece totalmente a fé na Encarnação, o que é fazer em ruínas toda a fé cristã. Como, pois, o Verbo tem a natureza humana unida a si, e não como pertinente à sua natureza divina, é consequente que a união foi feita na Pessoa do Verbo, e não, na natureza.

DONDE A RESPOSTA À OBJECÇÃO. — Embora em Deus não difira realmente a natureza da pessoa, difere contudo pelo modo de significar, como se disse, porque a pessoa significa uma subsistência. E como a natureza humana está assim unida ao Verbo, que o Verbo nela subsista, e não que algo se lhe acrescente à essência da sua natureza, ou que a sua natureza se transforme em outra, por isso a união foi feita na Pessoa e não em a natureza.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A personalidade pertence necessariamente, à dignidade e à perfeição de um ser, na medida em que lhe é próprio à dignidade e à perfeição existir por si, o que se entende pelo nome de pessoa. Pois, será mais digno para um ser existir num outro de maior dignidade, do que existir por si mesmo. Donde, a natureza humana é mais digna em Cristo, do que em nós, por isso que em nós, quase existindo por si, tem a sua personalidade própria, ao passo que em Cristo existe na Pessoa do Verbo. Assim, embora o ser completivo da espécie pertença à dignidade da forma, contudo o sensitivo é mais nobre no homem, por causa da união com uma forma completiva mais nobre, do que no animal bruto, do qual é a forma complectiva.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O Verbo de Deus não assumiu a natureza humana em universal, mas na sua indivisibilidade isto é, no indivíduo, como diz Damasceno, do contrário, a qualquer homem necessariamente conviria ser o Verbo de Deus, como o convém a Cristo. Devemos porém saber, que não qualquer indivíduo, no género da substância, mesmo em a natureza racional, tem a natureza de pessoa, mas só o que existe por si, não, porém, o que existe num ser mais perfeito. Por onde, a mão de Sócrates, embora seja um indeterminado indivíduo, não é contudo uma pessoa, porque não existe por si, mas, num ser mais perfeito, isto é, no seu todo. E isto também pode ser significado quando se diz, que a pessoa é uma substância individual, pois, não é a mão uma substância completa, mas, parte da substância. Embora, portanto, esta natureza humana seja um determinado indivíduo no género da substância, porque contudo não existe por si separadamente, mas, num ser mais perfeito, a saber, na pessoa do Verbo de Deus, é consequente que não tenha personalidade própria. E portanto a união se fez na Pessoa.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.

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