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15/10/2014

Tratado da Graça 44

Questão 114: Do mérito, que é efeito da graça cooperante.

Art. 10 – Se podemos merecer os bens temporais.

(IIª.IIªe, q. 122, a. 5, ad 4, III. Q. 89, a. 6, ad 3, De Pot., q.6, a. 9.)

O décimo discute-se assim. – Parece que podemos merecer os bens temporais

1. – Pois, podemos merecer o que nos é prometido como prémio da justiça. Ora, a lei antiga promete os bens temporais como recompensa da justiça, conforme está na Escritura. Logo, parece que podemos merecer os bens temporais.

2. Demais. – Parece que podemos merecer o que Deus nos dá em paga de algum serviço feito. Ora, Deus às vezes recompensa com certos bens temporais os que lhe prestaram algum serviço. Assim, diz a Escritura: E porque as parteiras temeram a Deus ele lhes estabeleceu as suas casas. Ao que a Glosa comenta: a recompensa da beneficência delas podia consistir na vida eterna, mas, por causa do pecado da mentira, recebem uma recompensa terrestre. E noutro lugar, a Escritura diz: O rei de Babilónia me rendeu com o seu exército um grande serviço no cerco de Tiro e não se lhe deu nenhuma recompensa, e depois, acrescenta: haverá uma recompensa para o seu exército, eu lhe entregarei a terra do Egito porque ele trabalhou para mim. Logo, podemos merecer os bens temporais.

3. Demais. – O bem está para o mérito como o mal para o demérito. Ora, por causa do demérito do pecado, Deus puniu alguns homens com penas temporais, como o demonstra claramente o caso dos sodomitas. Logo, também podemos merecer os bens temporais.

Mas, em contrário, nem todos recebem igualmente os bens que podem merecer. Mas, ao contrário, os bens temporais e os males os bons e os maus os recebem conforme à mesma medida, segundo a Escritura: Acontecem igualmente todas as coisas ao justo e ao ímpio, ao bom e ao mau, ao puro e ao impuro, ao que sacrifica vítimas e ao que despreza os sacrifícios. Logo, não podemos merecer os bens temporais.

O que podemos merecer é um prémio ou uma recompensa, cujo carácter essencial é ser um bem. Ora, o bem do homem é duplo: o absoluto e o relativo. – O seu bem absoluto é o fim último, conforme à Escritura: Para mim é bom unir-me a Deus, e por consequência, tudo o que se ordena a conduzir para esse fim. E podemos merecer tudo isso, absolutamente. – O bem relativo e não absoluto do homem é o que lhe é actualmente bem, ou sob um certo aspecto. E esse não podemos merecer absoluta, mas, relativamente.

Assim sendo, devemos pois dizer, que os bens temporais, considerados enquanto úteis à prática da virtude, que nos conduz à vida eterna, podem ser directa e absolutamente objecto de mérito, ao mesmo título que aumento da graça e tudo o que, depois da primeira graça, nos ajuda a chegar à felicidade. Pois Deus dá aos justos os bens temporais, e também aos maus, o quanto lhes baste para alcançarem a vida eterna. E nessa medida esses bens são-no absolutamente. Por isso, diz a Escritura: Os que temem ao Senhor não serão privados de bem algum, e, noutro lugar: Não vi o justo desamparado.

Considerados, porém, esses bens temporais em si mesmos, são bens do homem, não absolutos, mas relativos. E então não constituem absolutamente matéria de mérito, senão só relativamente, isto é, enquanto os homens são movidos por Deus à prática de certos actos temporais, com os quais, gozando do favor divino, conseguem o que se propuserem. De modo que, assim como a vida eterna é, absolutamente, o prémio das obras justas, por causa da moção divina, conforme já dissemos, assim também os bens temporais, considerados em si mesmos, implicam por essência o carácter de recompensa, levando-se em conta a moção divina, que move as vontades humanas a buscá-los, embora, por vezes, ao fazê-lo, os homens não sejam movidos por uma intenção recta.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. – Como diz Agostinho, essas promessas temporais foram figuras dos bens espirituais futuros, que se realizaram em nós. Pois esse povo carnal apegava-se às promessas da vida presente, mas não só a língua, como também a vida deles foi profética.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Essas referidas retribuições consideram-se feitas por Deus por causa da moção divina, não porem em consideração da malícia da vontade, sobretudo no concernente ao rei de Babilónia. Este não combateu contra Tiro por querer servir a Deus, mas antes, para usurpar para si o domínio sobre essa cidade. – Semelhantemente, também as parteiras, embora tivessem boa vontade relativamente à salvação das crianças, contudo essa vontade não foi recta, pois falaram mentirosamente.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Os males temporais são afligidos aos ímpios como pena, enquanto não os ajudam a alcançar a vida eterna. Aos justos, pelo contrário, que são coadjuvados por esses males, não são penas, mas antes, remédios, como já dissemos.

RESPOSTA À QUARTA. – Tudo acontece igualmente, tanto para os bons como para os maus, quanto à própria substância dos bens ou dos males temporais. Mas não, quanto ao fim, pois, ao passo que os bons são conduzidos por eles à felicidade, os maus não o são.
E o que dissemos até aqui, sobre a moral geral, é o bastante.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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