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06/10/2014

Tratado da Graça 18

Questão 111: Da divisão da graça.

Art. 4 — Se o Apóstolo divide convenientemente a graça gratuita.

[III Cont. Gent., cap. CLIV, I Cor. XII, lect. II]

O quarto discute-se assim. — Parece que o Apóstolo divide inconvenientemente a graça gratuita.

1. — Pois, todo dom, que Deus nos dá gratuitamente, pode chamar-se graça gratuita. Ora, os dons que Deus nos concede gratuitamente são infinitos, referentes tanto aos bens da alma como aos do corpo, e que contudo não nos tornam agradáveis a Ele. Logo, a graça gratuita não pode ser susceptível de nenhuma divisão certa.

2. Demais. — A graça gratuita divide-se, por oposição, da santificante. Ora, a fé pertence à graça santificante, porque nos justifica, conforme a Escritura (Rm 5, 1): Justificados, pois, pela fé, etc. Logo, é inconveniente considerar a fé como uma graça gratuita, sobretudo por não se considerarem assim as outras virtudes, como a esperança e a caridade.

3. Demais. — Operar curas e falar várias línguas são milagres. Ora, a interpretação das línguas pertence à sabedoria ou ciência, conforme a Escritura (Dn 1, 17): Deus deu a estes meninos a ciência e o conhecimento de todos os livros e de toda a sabedoria. Logo, é inconveniente separar o dom de fazer curas, e de falar várias línguas, do de praticar a virtude, como se aqueles fossem opostos a este. E também o é separar, por oposição, o de interpretar as palavras, do de falar com sabedoria e ciência.

4. Demais. — Assim como a sabedoria e a ciência são dons do Espírito Santo, assim também a inteligência e o conselho, a piedade, a fortaleza e o temor, como já se disse (q. 68, a. 4). Logo, estas virtudes também se devem considerar como graças gratuitas.

Mas, em contrário, diz o Apóstolo (1 Cor 12, 8-10): A um pelo Espírito é dada a palavra de sabedoria, a outro porém a palavra da ciência, segundo o mesmo Espírito, a outro a fé pelo mesmo Espírito, a outro a graça de curar as doenças, a outro, a operação de milagres, a outro, a profecia, a outro, o discernimento dos espíritos, a outro, a variedade de lugares, a outro, a interpretação das palavras.

Como já dissemos (a. 1), a graça gratuita ordena-se a levar-nos a cooperar com outrem, a fim de conduzi-lo para Deus. Ora, isso não o podemos fazer movendo-o interiormente, o que só pertence a Deus, senão só ensinando ou persuadindo exteriormente. Donde, a graça gratuita contém em si o que o homem precisa para instruir a outrem nas coisas divinas, superiores à razão. Ora, para isso, são necessárias três condições: primeiro, um conhecimento completo das verdades divinas, para podermos instruir os outros, segundo, confirmar ou provar o que dizemos, do contrário a nossa doutrina não seria eficaz, terceiro, transmitir convenientemente aos nossos ouvintes os nossos pensamentos.

Ora, quanto à primeira condição, são necessárias três qualidades, como quando se trata do magistério humano. — Assim, primeiro, é necessário que quem deve ensinar a outrem uma ciência, possua de maneira certíssima os princípios dela. E para isso, serve a fé, que é a certeza das coisas invisíveis, supostas como princípios da doutrina católica. — Segundo, é preciso, que quem ensina uma ciência, lhe possua perfeitamente as conclusões principais. Donde o dom de falar com sabedoria, que é o conhecimento das coisas divinas. — Em terceiro lugar, é necessário que também tenha abundância de exemplos e de conhecimento dos efeitos, pelos quais é mister às vezes, manifestar as causas. Donde, o dom de falar com ciência, que é o conhecimento das coisas humanas, pois (Rm 1, 20), as coisas invisíveis de Deus se vêm pelas obras que foram feitas.

Depois, para confirmar as verdades da razão, servimo-nos de argumentos, ao passo que as verdades reveladas por Deus e superiores à razão confirmam-se por manifestações próprias do poder divino. E isto de dois modos. — Primeiro, quando quem ensina a doutrina sagrada faz, sob a forma de milagres, o que só Deus pode fazer. E esses milagres visam a saúde do corpo, donde a graça da cura, ou se ordenam apenas a uma manifestação do poder divino, como quando o sol para ou escurece, ou o mar se divide, e para isso é dada a graça de operar milagres. — Segundo, para poder manifestar os futuros contingentes, que só Deus pode fazer, e para isto é dada a graça da profecia. E também os segredos dos corações, pelo discernimento dos espíritos.

Enfim, a faculdade de falar pode significar o uso do idioma pelo qual quem ensina se faz entender, e daí o dom da variedade das línguas, ou o sentido das palavras proferidas, donde o dom da interpretação das palavras.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Como já dissemos (a. 1), nem todos os benefícios que Deus nos faz se consideram graças gratuitas, mas, só os excedentes à capacidade natural, como quando um pescador abunda em palavras de sabedoria e de ciência, e em casos semelhantes. E esses casos se compreendem na graça gratuita.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Entre as graças gratuitas, enumera-se a fé, não como virtude justificante do homem em si mesmo, mas enquanto implica uma certeza supereminente, que nos torna idóneos a ministrar aos outros as suas verdades. Quanto à esperança e à caridade, pertencem à potência apetitiva, na medida em que, por ela, o homem se ordena para Deus.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A graça das curas distingue-se do poder geral de fazer milagres, pois tem uma eficácia especial para conduzir à fé, a qual nos torna melhor dispostos pelo benefício da saúde do corpo, adquirida pela virtude mesma da fé. — Semelhantemente, falar várias línguas e interpretar as palavras têm certa eficácia especial para despertar à fé. E por isso se consideram como especiais graças gratuitas.

RESPOSTA À QUARTA. — A sabedoria e a ciência não são enumeradas entre as graças gratuitas, quando colocadas entre os dons do Espírito Santo. Isto é, enquanto o Espírito Santo torna a alma do homem tão dócil, quanto necessário para seguir as inspirações da sabedoria ou da ciência. Pois, assim consideradas, essas virtudes são dons do Espírito Santo. Mas, enumeram-se entre as graças gratuitas, enquanto implicam uma certa abundância de ciência e sabedoria, tornando o homem apto, não só a ter, por si mesmo, um conhecimento recto das coisas divinas, mas também a instruir os outros e refutar os que as contradizem. Por isso, entre as graças gratuitas, está assinaladamente colocada a palavra de sabedoria e a de ciência. Pois, como diz Agostinho, uma coisa é saber somente o que o homem dever crer para alcançar a vida eterna, outra, saber como, por esse meio, venha em auxílio das almas piedosas e os defenda contra os ímpios.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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