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24/10/2014

Evangelho diário, coment., leit. espiritual (História de uma alma)

Tempo comum XXIX Semana

Evangelho: Lc 12 54-59

54 Dizia também às multidões: «Quando vós vedes uma nuvem levantar-se no poente, logo dizeis: Aí vem chuva; e assim sucede. 55 E quando sentis soprar o vento do sul, dizeis: Haverá calor; e assim sucede. 56 Hipócritas, sabeis distinguir os aspectos da terra e do céu; como, pois, não sabeis reconhecer o tempo presente? 57 E porque não discernis também por vós mesmos o que é justo? 58 Quando, pois, fores com o teu adversário ao magistrado, faz o possível por fazer as pazes com ele pelo caminho, para que não suceda que te leve ao juiz, e o juiz te entregue ao guarda, e o guarda te meta na cadeia. 59 Digo-te que não sairás de lá, enquanto não pagares até o último centavo».

Comentário

As palavras – conselhos – de Jesus Cristo, são tão apropriadas e lógicas que, qualquer pessoa com bom senso as poderia pronunciar.
Não resolver, a tempo, coisas graves como são as dívidas - sejam quais forem - deixando para um último instante essa atitude, é correr um risco que, além de desnecessário, pode redundar em prejuízo avultado.
Que maior prejuízo poderá haver que perder a Vida Eterna na contemplação da Face do Senhor por não ter, em devido tempo – que é este e não outro – tratado de ‘saldar as contas’ que possamos ter pendentes com Ele?

(ama, comentário sobre Lc 12, 54-58, 2013.10.25)


Leitura espiritual


HISTÓRIA DE UMA ALMA


Santa Teresinha do Menino Jesus

Manuscrito "A" - Parte I


ALENÇON (1873 - 1877)
J.M.J.T.
Jesus
Janeiro de 1895
(História primaveril de uma Florzinha branca escrita por ela mesma e dedicada à Reverenda Madre Inês de Jesus.)

A vós, querida Madre, que sois duplamente minha mãe, quero confiar a história de minha alma... No dia em que me pedistes para fazê-lo, cheguei a pensar que isso dissiparia o meu coração, ao ocupá-lo consigo mesmo; mas depois Jesus me levou a compreender que, obedecendo com toda simplicidade, eu Lhe agradaria. Aliás, só quero uma coisa: Começar a cantar o que repetirei por toda a eternidade: "As Misericórdias do Senhor!!!"...

Antes de pegar a caneta, ajoelhei-me diante da imagem de Maria (aquela mesma que tantas provas nos deu das maternas predilecções da Rainha do céu pela nossa família), e lhe pedi que guiasse a minha mão para que eu não escrevesse uma linha sequer que não lhe agradasse. Em seguida, abrindo o Evangelho, os meus olhos pousaram sobre estas palavras: «Jesus, tendo subido a uma montanha, chamou a si quem Ele quis; e vieram a Ele" (São Marcos, cap. III, v. 13). Eis o mistério de minha vocação, da minha vida inteira, e, sobretudo, o mistério dos privilégios dispensados por Jesus à minha alma... Não chama os que são dignos, mas quem Ele quer, ou, como diz São Paulo: "Farei misericórdia a quem eu fizer misericórdia; terei compaixão de quem eu tiver compaixão. Desta forma, a escolha não depende daquele que quer, nem daquele que corre, mas da misericórdia de Deus" (Carta aos Romanos, cap. IX, v. 15 e 16).

Durante muito tempo eu perguntava-me porque Deus tinha preferências, por todas as almas não recebiam a mesma medida de graças. Estranhava ao vê-lo prodigalizar favores extraordinários aos santos que o haviam ofendido, como São Paulo ou Santo Agostinho, a quem forçava, por assim dizer, a receber as Suas graças; e quando lia a vida daqueles santos a quem o Senhor acariciou desde o berço até a sepultura, retirando do seu caminho todos os obstáculos que os impedisse de se elevar até Ele e provendo essas almas com tais benefícios para que nada lhes ofuscasse o brilho imaculado das suas vestes batismais, eu perguntava-me porque tantos pobres selvagens, por exemplo, morriam antes mesmo de ouvir ou sequer pronunciar o nome de Deus...

Jesus quis instruir-me a respeito deste mistério. Pôs diante dos meus olhos o livro da natureza e compreendi que todas as flores por ele criadas são belas, e que o esplendor da rosa e a brancura do lírio não tiram o perfume da humilde violeta nem a simplicidade encantadora da margarida... Compreendi que se todas as flores quisessem ser rosas, a natureza perderia a sua pompa primaveril e os campos já não seriam salpicados de florzinhas...

O mesmo ocorre no mundo das almas, o jardim de Jesus. Ele quis criar grandes santos, que podem ser comparados aos lírios e às rosas; mas criou também outros menores, e estes devem conformar-se em ser margaridas ou violetas destinadas a alegrar os olhos de Deus quando contempla os seus pés. A perfeição consiste em fazer a Sua vontade, em ser aquilo que Ele quer que sejamos...

Compreendi também que o amor de Nosso Senhor se manifesta tanto na alma mais simples, que não coloca nenhuma resistência a sua graça, quanto na alma mais sublime. É próprio do amor abaixar-se. Se todas as almas se parecessem às dos santos doutores que iluminaram a Igreja com a luz de sua doutrina, parece que Deus não teria que se abaixar bastante para vir a seus corações. Mas criou a criança, que nada sabe e só balbucia fracos gemidos, criou o pobre selvagem, que só tem a lei natural para guiá-lo. E também a seus corações ele se abaixa! São suas flores campestres, cuja simplicidade o encanta...

Assim se abaixando, Deus mostra sua grandeza infinita. Assim como o sol ilumina os cedros e cada florzinha, como se somente ela existisse sobre a terra, da mesma forma Deus cuida pessoalmente de cada alma, como se não existisse outra além dela. E assim como na natureza todas as estações estão de tal modo organizadas que no momento certo se abre até a mais humilde margarida, da mesma forma tudo concorre para o bem de cada alma.

Certamente, querida Madre, estais vos perguntando onde quero chegar, pois até agora nada disse que se pareça com a história de minha vida. Mas pedistes-me que escrevesse tudo que viesse ao meu pensamento, sem nenhum constrangimento. Assim sendo, o que vou escrever não é propriamente minha vida, mas meus pensamentos sobre as graças que Deus se dignou conceder-me.

Encontro-me num momento de minha existência em que posso lançar um olhar sobre o passado; minha alma amadureceu no crisol das provações exteriores e interiores. Agora, como a flor fortalecida pela tempestade, levanto a cabeça e vejo que em mim se realizam as palavras do salmo XXII: «O Senhor é meu pastor, nada me falta: em verdes pastagens me faz repousar; ele me conduz para fontes tranquilas e restaura minhas forças... Ainda que eu ande pelo vale das sombras, nenhum mal temerei, porque tu, vais comigo!" O Senhor sempre foi compassivo e misericordioso para comigo... lento na ira e rico em misericórdia... (Salmo CII, v. 8). Por isso, Madre, canto feliz ao vosso lado as misericórdias do Senhor... Somente para vós vou escrever a história da florzinha colhida por Jesus. Por isso, vou falar-vos com total confiança, sem preocupar-me com estilo nem com as numerosas digressões que possa fazer. Um coração de mãe sempre compreende seu filho, mesmo quando só sabe balbuciar. Portanto, estou certa de que serei compreendida e decifrada por vós, que formastes meu coração e o oferecestes a Jesus!...

Parece-me que se uma florzinha pudesse falar, contaria simplesmente o que Deus fez para ela, sem procurar esconder os presentes por ele concedidos. Não diria, a pretexto de falsa humildade, que é feia e sem perfume, que o sol roubou-lhe o esplendor e que as tempestades quebraram-lhe o talo, quando está intimamente convencida do contrário.

A flor que vai contar sua história se alegra em poder apregoar as delicadezas totalmente gratuitas de Jesus. Reconhece que nada havia nela capaz de atrair seus olhares divinos, e que somente sua misericórdia fez tudo que de bom há nela...

Ele a fez nascer numa terra santa e toda impregnada por um perfume virginal. Ele fez com que a precedessem oito lírios reluzentes de brancura. Em seu amor, quis preservar sua florzinha do sopro envenenado do mundo; e mal se entreabria sua corola, este divino Salvador a transplantou para a montanha do Carmelo, onde os dois lírios que a haviam cercado de carinho e embalado na primavera de sua vida já exalavam seu suave perfume...

Já se passaram sete anos desde que a florzinha se enraizou no jardim do Esposo das Virgens, e agora três lírios – a contar com ela – balançam ali suas corolas perfumadas; um pouco mais longe, outro lírio está se abrindo ante o olhar de Jesus. E os dois caules benditos dos quais brotaram estas flores já estão reunidos na pátria celestial para sempre... Aí se reencontraram com os outros quatro lírios que não chegaram a abrir suas corolas na terra... Oh! Que Jesus se digne não deixar por muito tempo nesta terra estranha as flores que ainda permanecem no exílio! que em breve o ramo de lírios se complete no céu!

Acabo, Madre, de resumir em poucas palavras o que Deus fez por mim. Agora vou entrar nos detalhes de minha vida de criança. Sei que onde qualquer outra pessoa só veria um relato cansativo, vosso coração de mãe encontrará verdadeiras delícias... Além do mais, as lembranças que vou evocar também vos pertencem, pois ao vosso lado passei minha infância e tenho a felicidade de pertencer a pais inigualáveis que nos cercaram dos mesmos cuidados e do mesmo carinho. Que eles abençoem a menor de suas filhas e a ajudem a cantar as misericórdias do Senhor!

Na história de minha alma, até minha entrada no Carmelo, distingo três períodos bem definidos: o primeiro, embora de curta duração, não é o menos fecundo em recordações. Ele vai do despertar de minha razão até a partida de nossa querida mãe para a pátria celeste.

Deus deu-me a graça de despertar minha inteligência muito cedo e de gravar tão profundamente em minha memória as recordações de minha infância, de modo que me parecem ter acontecido ontem. Sem dúvida, Jesus, em seu amor, quis fazer-me conhecer a mãe incomparável que me dera, mas que sua mão divina tinha pressa de coroar no céu!
Durante toda minha vida, Deus quis cercar-me de amor. Minhas primeiras recordações estão repletas dos mas ternos sorrisos e carícias... Mas, se ele colocara muito amor perto de mim, também o pôs em meu coração, criando-o amoroso e sensível. Assim, eu amava muito papai e mamãe, e lhes demonstrava meu carinho de mil maneiras, pois eu era muito expansiva. Só que os meios que eu usava eram, às vezes, estranhos, como o prova este trecho de uma carta de mamãe:
"A menina é um verdadeiro diabinho, que vem me acariciar desejando-me a morte: ´Como eu gostaria que morresses, minha pobre mãezinha...!´censuram-na e ela responde: ´Mas é para ires para o céu! Não dizes que precisamos morrer para ir para lá?´ Em seus excessos de amor, deseja também a morte de seu pai".

No dia 25 de Junho de 1874, quando eu tinha apenas 18 meses, eis o que mamãe dizia de mim:  «Vosso pai acaba de instalar um balanço. Celina está deslumbrada, mas é preciso ver a pequena balançar-se! É de rir; segura-se como uma moça, não há perigo de que se solte a corda e quando a balançam mais devagar, grita. Nós a amarramos na frente com outra corda, mas apesar de tudo não fico tranqüila quando a vejo lá em cima.

"Recentemente aconteceu uma aventura engraçada com a pequena. Tenho costume de ir à missa das cinco e meia. Nos primeiros dias, não ousava deixá-la sozinha; mas ao ver que ela nunca acordava, decidi deixá-la. Deitava-a na minha cama e puxava o berço de modo que seria impossível que ela caísse. Mas um dia me esqueci de puxar o berço. Quando cheguei, vi que a pequena não estava na cama. Neste momento escutei um grito; olhei e a vi sentada numa cadeira que estava de frente à cabeceira de minha cama, com a cabecinha deitada no travesseiro e dormindo mal, pois estava mal acomodada. Não entendi como pôde cair sentada naquela cadeira, pois ela estava deitada. Dei graças a Deus por que nenhum mal lhe aconteceu; foi realmente providencial, pois poderia ter rolado no chão. Seu anjo de guarda cuidou dela, como também as almas do purgatório, a quem diariamente faço uma oração para que protejam a pequena. Assim vejo a coisa... vejam como quiserem..."

No final da carta, mamãe acrescentava:«Eis que o bebezinho acaba de passar a mãozinha sobre o meu rosto e me beijar. Esta pobre pequena não quer me deixar nem por um instante e não sai de perto de mim. Gosta muito de ir ao jardim, mas se eu também não for, ela não quer ficar. Começa a chorar e só pára quando a trazem a mim".

(Aqui a passagem de uma outra carta): "Teresinha perguntou-me outro dia se iria para o céu. Disse-lhe que sim, se se comportar direito. Respondeu-me: "Sim, mas se eu não for ajuizada irei para o inferno... mas sei o que farei: voaria contigo, que estarás no céu. Mas como Deus faria para me pegar? Tu me segurarias bem forte em teus braços?" Vi em seus olhos que acreditava piamente que o Bom Deus nada poderia fazer-lhe ainda que estivesse nos braços de sua mãe...

«Maria gosta muito de sua irmãzinha e a acha muito mimosa. Isto não é de se estranhar, pois esta pobre pequena tem receio de desagradá-la nas mínimas coisas. Ontem, sabendo que ela tanto gosta de rosas, quis dar-lhe uma, mas suplicou-me que não a colhesse, porque Maria proibira. Estava rubra de emoção. Assim mesmo, dei-lhe duas e ela não queria entrar em casa. Embora eu lhe dissesse que as rosas eram minhas, ela afirmava: "Não, as rosas são de Maria..."

«A menina se emociona facilmente. Quando faz alguma traquinagem, todos precisam saber. Ontem, tendo rasgado, sem querer, um canto do papel de parede, ficou em estado lastimável, e quis logo contar ao pai. Quando este chegou, quatro horas depois, ninguém se lembrava mais do acontecido e ela foi correndo dizer a Maria: "Diga logo para o papai que eu rasguei o papel". E ficou esperando sua condenação como um criminoso; mas tem em sua pequena ideia que obterá mais facilmente o perdão se confessar a falta".

(cont.)






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