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17/09/2014

Que sentido tem o mistério do mal.

Há um rasto de mal nas pessoas, nas estruturas sociais, inclusive na natureza quando se torna inóspita para o homem. A questão do mal é um escândalo que a todos interpela. E tem um aspecto teológico: se Deus é bom, como é que permite o mal no mundo? A questão colocou-se na história de muitas formas. Com o motivo do terramoto de Lisboa, seguido de um incêndio com mais de quinze mil mortos, os pensadores ilustrados colocaram-se com dramatismo singular (Voltaire, Defoe), ainda que com profundidade insuficiente.

Ninguém prometeu que este mundo tenha que funcionar na perfeição. E a felicidade é um desejo espontâneo, mas só com tal não se adquire o direito de a ter. Também há que dizer que se o bem não existisse, não haveria problema com o mal. Todas as situações seriam teoricamente iguais, nem melhores nem piores. Na realidade, a dor ante o mal é uma reprovação do bem, que não é tão perfeito como se esperava. Tomar o mal a sério é afirmar a existência do bem, e a ilusão de que seja perfeito. Dar por garantida a primazia do bem sobre o mal é, de certo modo, afirmar a existência de Deus e uma dolorosa queixa, ao não poder compreender porque permite o mal e que sentido pode ter.

O problema é mais dramático quando se afirma que existe um Deus bom, criador e todo-poderoso. Então sim o mal torna-se doloroso. Não se entende o silêncio de Deus ante uma injustiça que, como dissemos, clama ao céu. Só no ambiente cristão (também, parcialmente no judeu e no muçulmano), a questão do mal se torna poderosa e chega verdadeiramente a ser um escândalo.

O problema não é tão forte noutras religiões. A religião greco-romana, por exemplo, acreditava numa mitologia complexa, onde os deuses se enfrentavam caprichosamente uns com os outros. E, com o mesmo capricho, faziam sofrer os mortais. Perante uns deuses tão frívolos, não se podia levar muito a sério a questão do mal.

Mas a religião cristã baseia-se no paradoxo surpreendente de um Deus morto na cruz, que participa das dores dos homens. O mal da dor tem de ter algum sentido. E quando se sente o silêncio de Deus, parece ouvir-se as palavras de Cristo: “Meu Deus, porque me abandonaste?” É como se todas as dores aí estivessem incluídas. È curioso. Cristo não venceu directamente a dor. Primeiro padeceu-a; depois ressuscitou. Na ressurreição de Cristo há uma promessa de derrota do mal, mas o seu cumprimento só chegará no final dos tempos. Entretanto, toda a dor encontra essa relação inesperada de relação com a cruz de Cristo. Todo o sofrimento tem o seu ponto de referência, que lhe dá um sentido salvador, ainda que todavia envolto no mistério.

Perante o mal, não faz sentido um farisaísmo reivindicativo de deite sempre a culpa aos outros. Qualquer um também forma parte do mal no mundo. Ninguém está limpo de pecado. É maniqueísmo pensar que a culpa de tudo é dos “maus”. E torna-se uma desculpa demasiado fácil. Alexander Solzhenitzin, ao recordar a situação terrível da sociedade comunista russa, reconhecia: em alguma medida “todos somos cúmplices”. Por isso não é válida nenhuma resposta perante o mal se não começa por si mesmo, se não se assume a sentença de Sócrates: é melhor padecer a injustiça que causá-la”.

O encontro com o mal é, além disso, uma experiência importante para a maturidade do ser humano, Com a consciência da quebras e debilidades morais próprias aprendemos a arrepender-nos, e tornamo-nos mais humildes e compreensivos para com os outros. Por outro lado, os males do mundo fazem parte forma parte de uma pessoa responsável. É próprio de pessoas maduras escutar a chamada dos bens, para os realizar; mas também dos males, para os combater. Assim se intervém na história do mundo, que tem, no fundo, um argumento moral. Enquanto se vive dependente dos gostos próprios ou da felicidade própria, se vive fora da história real da humanidade. Só quando se sente a responsabilidade do bem e do mal, se entra a fazer parte na história da humanidade, na sua épica.

(juan luis lorda, Professor de Teologia sistemática e Antropologia da Faculdade de Teologia da Universidade de Navarra, in PALABRA, Abril 2014, trad ama)


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