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22/09/2014

Evang., Coment. Leit. Espiritual (Sermão do Espírito Santo)

Tempo comum XXV Semana

Evangelho: Lc 8, 16-18

16 «Ninguém, pois, acendendo uma lâmpada a cobre com um vaso ou a põe debaixo da cama, mas põe-na sobre um candeeiro, para que os que entram vejam a luz. 17 Porque nada há oculto que não acabe por ser manifestado, nem escondido que não deva saber-se e tornar-se público. 18 Vede, pois, como ouvis. Porque àquele que tem, lhe será dado; e ao que não tem, ainda aquilo mesmo que julga ter, lhe será tirado».

Comentário:

Quem são estes que “julgam ter” a que o Senhor Se refere?
Pois são todos os que se julgam possuidores de Fé suficiente e bastante para se considerarem dispensados de a cultivarem com o estudo aprofundado da Doutrina, de alimentá-la com os Sacramentos, de, inclusive, pedir, ao Senhor, com insistente perseverança que a guarde e aumente. O aviso que Jesus Cristo faz é para ser levado muito a sério: «Vede, pois, como ouvis»!
Como se dissesse: ‘Detém-te, presta atenção, guarda o que ouves, entende o que te digo’!

(ama, comentário sobre Lc 8, 16-18, V. Moura, 2013.09.23)

Leitura espiritual


Documentos do Magistério
Sermão do Espírito Santo
Padre António Vieira
VII

E para que ninguém falte a esta obrigação e a este cuidado, só vos quero lembrar o grande serviço que fareis a Deus, se o fizerdes, e a grande conta que Deus vos há-de pedir, se vos descuidardes. É passo, de que me lembro e tremo muitas vezes, o que agora vos direi. Estavam os apóstolos no Monte Olivete em o dia da Ascensão, com os olhos pregados no céu e com os corações dentro nele, porque já se lhes escondera da vista o Mestre e o Senhor, que em si e após si lhos levara. Estavam enlevados, estavam suspensos, estavam arrebatados, e quase não em si de amor, de admiração, de glória, de júbilos, de saudades; eis que aparecem dois anjos e lhes dizem estas palavras: Viri Galilaei, quid statis aspicientes in caelum? Hic Jesus, qui assumptus est a vobis in caelum, sic veniet: Varões galileus, que fazeis aqui olhando para o céu? Este mesmo Senhor que agora se apartou de vós, há de vir outra vez, porque há de vir a julgar. — Notáveis palavras por certo, e ditas a tais pessoas, em tal lugar e em tal ocasião! De maneira que estranham os anjos aos apóstolos estarem no Monte Olivete olhando para o céu de saudades de Cristo, e para os obrigarem a que se vão logo dali — como se foram — os ameaçam com o dia do Juízo e com a lembrança da conta? Pois, estar em um monte apartado das gentes, estar com os olhos postos no céu, estar arrebatado na contemplação da glória, estar enlevado no amor e saudades de Cristo, é coisa digna de se estranhar e de a estranharem os anjos? Em tal caso, sim, porque se em todos os homens é digno de estranhar não deixarem o mal pelo bem, nos apóstolos era digno de estranhar não deixarem o bem pelo melhor. O ofício e obrigação dos apóstolos era pregar a fé e salvar almas; a ordem que Cristo lhes tinha dado era que se recolhessem a Jerusalém a preparar-se para a pregação com os dons do Espírito Santo, que lhes mandaria, e deixar o Monte Olivete pelo Cenáculo, deixar a contemplação pela escola das línguas, deixar de olhar para o céu para acudir às cegueiras da terra, deixar, enfim, as saudades de Cristo pela saúde de Cristo, não era deixar o bem, senão melhorá-lo, porque era trocar um bem grande por outro maior: era deixar um serviço de Deus por outro maior serviço, uma vontade de Deus por outra maior vontade, uma glória de Deus por outra maior glória. O contemplar em Deus é obra divina, mas o levar almas para Deus é obra diviníssima.

Assim lhe chamou S. Dionísio Areopagita: Opus Dei divinissimum. E a obrigação dos apóstolos e varões apostólicos não é só buscar o divino, senão o mais divino: é deixar o mundo pelo diviníssimo.

Por isso lhes estranham os anjos o estarem parados no monte, e com os olhos suspensos no céu; por isso lhes dizem: Quid statis? Que estais aqui fazendo? — como se o que faziam nenhuma comparação tivera com o que haviam de fazer. O que faziam e o que os ocupava eram contemplações, admirações, êxtases, arrebatamentos; o que haviam de fazer, e o em que se haviam de ocupar, era pregar, ensinar, doutrinar, batizar, converter almas, e tudo aquilo em comparação disto, no juízo dos anjos, que melhor que nós o entendem, que é? Um quid, uma coisa que se pode duvidar se é alguma coisa, um muito menos do que devera ser, um estar parados, um não ir por diante: Quid statis? Vede, vede vós e vós — com todos e com todas falo — quão grande serviço fazeis a Deus, quando ensinais os vossos escravos, quando para isso aprendeis as línguas, quando escreveis e estudais o catecismo, quando buscais o intérprete ou o mestre, e quando, talvez, só para este fim o pagais e o sustentais. Oh! ditoso dispêndio! Oh! ditoso estudo! Oh! ditoso trabalho! Oh! ditoso merecimento, e sem igual diante de Deus! Em suma, cristãos, que é maior bem e maior serviço de Deus, e maior glória sua estar ensinando um negrinho da terra, que se estivéreis enlevados e arrebatados no céu: Quid statis aspicientes in caelum?

E se é tão grande o serviço que fazem a Deus os que têm este cuidado, os que o não têm, os que tão descuidados e esquecidos vivem da doutrina, da cristandade e da salvação de seus escravos, que rigorosa, que estreita e que estreitíssima conta vos parece que lhes pedirá Deus? Ameaçam os anjos aos apóstolos com o dia do Juízo, e reparam-lhes em momentos do Monte Olivete. Por quê? Porque eram homens que tinham à sua conta almas alheias, e quem tem almas alheias à sua conta, até de um momento que não cuidar muito delas há de dar muito estreita conta a Deus. Oh! que terrível conta há de pedir Deus no dia do Juízo a todos os que vivemos neste Estado, porque todos temos almas à nossa conta! Os pregadores todas, os pastores as das suas igrejas, os leigos as das suas famílias. Se é tão dificultoso dar boa conta de uma só alma, que será de tantas? S. Jerônimo, sobre tanto deserto, sobre tantas penitências, sobre tantos trabalhos em serviço de Deus e da Igreja, estava sempre tremendo da trombeta do dia do Juízo, pela conta que havia de dar da sua alma. A alma de Santo Hilarião Abade, depois de oitenta anos de vida eremítica, e de tantas e tão insignes vitórias contra o demônio, tremia tanto da conta, que não se atrevia a sair do corpo, estando o santo para expirar, e foi necessário que ele a animasse.

Pois, se os Jerónimos, se os Hilariões, se as maiores colunas da Igreja temem de dar conta de uma alma depois de vidas tão santas, vós, depois das vossas vidas, que é certo não foram tão ajustadas com a lei de Deus como as suas, que conta esperais dar a Deus, não de uma, senão de tantas almas? Uns de cinqüenta almas, outros de cem almas, outros de duzentas almas, outros de trezentas, outros de quatrocentas, e alguns de mil. Muitos há que tendes hoje poucas, mas naquele dia haveis de ter muitas, porque todas as que morreram para o serviço, hão de ressuscitar para a conta. As que tivestes, as que tendes, as que haveis de ter, todas naquele dia hão de aparecer juntas diante do divino tribunal a dar conta cada uma de si, e vós de todas. Certo que eu antes quisera dar conta pela sua parte que pela vossa. O escravo escusar-se-á com o seu senhor; mas o senhor, com quem se há de escusar? O escravo poder-se-á escusar com o seu pouco entendimento, com a sua ignorância; mas o senhor, com que se escusará? Com a sua muita cobiça? Com a sua muita cegueira? Com faltar à piedade? Com faltar à humanidade? Com faltar à cristandade? Com faltar à fé? Oh! Deus justo! Oh! Deus misericordioso, que nem em vossa justiça, nem em vossa misericórdia acho caminho para saírem estas almas de tão intrincado labirinto! Se a justiça divina acha por onde condenar um gentio, porque não foi batizado, como achará a misericórdia divina por onde salvar um cristão, que foi causa de ele se não baptizar?

Oh! que justiças pedirão sobre vós naquele dia tantas infelizes almas, de cuja infelicidade eterna vós fostes causa! Abel pedia justiça a Deus, e salvou-se Abel, e está no céu. Se Abel, se um irmão pede justiça a Deus sobre o irmão que lhe tirou a vida temporal, um escravo, e tantos escravos, que justiça pedirão a Deus sobre o senhor que lhes tirou a vida eterna? Se Abel, se uma alma que se salvou, e que está hoje vendo a Deus, pede justiça, uma alma, e tantas almas, que se condenaram e estão ardendo no inferno, e estarão por toda a eternidade, que justiças pedirão, que justiças clamarão, que justiças bradarão no céu, à terra, ao inferno, aos homens, aos demônios, aos anjos, a Deus? Oh! que espetáculo tão triste e tão horrendo será naquele dia ver a um português destas conquistas — e muito mais aos maiores e mais poderosos — cercado de tanta multidão de índios, uns livres, outros escravos, uns bem, outros mal cativos, uns gentios, outros com nome de cristãos, todos condenados ao inferno, todos ardendo em fogo, e todos pedindo justiça a Deus sobre aquele desventurado homem, que neste mundo se chamou seu senhor?

Ai de mim, dirá um, que me condenei por não ser baptizado! Justiça sobre meu ingrato senhor, que me não pagou o serviço de tantos anos, nem com o que tão pouco lhe custava, como a água do batismo! Ai de mim, dirá outro, que me condenei por não conhecer a Deus, nem saber os mistérios da fé! Justiça sobre meu infiel senhor que, mandando-me ensinar tudo o que importava a seu serviço, só do necessário à minha salvação nunca teve cuidado! Ai de mim, dirá outro, que me condenei por passar toda a vida torpemente amigado contra a lei de Deus! Justiça sobre meu desumano senhor, que por suas conveniências particulares me consentiu o pecado, e não quis consentir o matrimónio! Ai de mim, dirá outro, que me condenei por não me confessar nas quaresmas, ou não me confessar a quem me entendesse e me encaminhasse! Justiça sobre meu avarento senhor, que por não perder dois dias de serviço, me não quis dar nem o tempo, nem o lugar, nem o confessor que minha alma havia mister!

Ai de mim, dirá finalmente o outro, que me condenei por morrer sem sacerdote nem sacramento!

Justiça sobre meu tirano senhor, que por me não chamar o remédio, ou não me mandar levar a ele, me deixou morrer como um bruto! Cão me chamava sempre na vida, e como um cão me tratou na morte.

Isto dirá cada um daqueles miseráveis escravos ao supremo juiz, Cristo. E todos juntos bradarão a seu sangue — de que por vossa culpa se não aproveitaram — justiça, justiça, justiça. — Oh! como é sem dúvida que naquele dia conhecereis quem vos dizia e pregava a verdade! Oh! como é sem dúvida que naquele dia do Juízo haveis de mudar de juízo e de juízos! Hoje tendes por ditosos os que têm muitos escravos, e por menos venturosos os que têm poucos: naquele dia os que tiveram muitos escravos serão desventurados, e os que tiveram poucos serão os ditosos, e mais ditoso o que não teve nenhum.

Tende-os, cristãos, e tende muitos, mas tende-os de modo que eles ajudem a levar a vossa alma ao céu, e vós as suas. Isto é o que vos desejo, isto é o que vos aconselho, isto é o que vos procuro, isto é o que vos peço por amor de Deus e por amor de vós, e o que quisera que leváreis deste sermão metido na alma.

O Espírito Santo, que hoje desceu sobre os apóstolos, e os ensinou para que eles ensinassem ao mundo, desça sobre todos vós, e vos ensine a querer ensinar, ou deixar ensinar, aquele a quem deveis a doutrina, para que ele por vós, e vós com ele, conseguindo nesta vida — que tão cara vos custa — a graça, mereçais gozar na outra, com grandes aumentos, a glória.






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