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01/08/2014

Tratado da lei 71

Questão 104: Dos preceitos judiciais.

Em seguida devemos tratar dos preceitos judiciais. E primeiro, devemos considerá-los em comum. Segundo, as suas razões.

Na primeira questão discutem-se quatro artigos:


Art. 1 — Se a razão dos preceitos judiciais está em se ordenarem ao próximo.
Art. 2 — Se os preceitos judiciais são figurativos.
Art. 3 — Se os preceitos judiciais da lei antiga implicam obrigação perpétua.
Art. 4 — Se os preceitos judiciais podem ter divisão certa.

Art. 1 — Se a razão dos preceitos judiciais está em se ordenarem ao próximo.

(Supra, q. 99, a. 4).

O primeiro discute-se assim. — Parece que a razão dos preceitos judiciais não está em se ordenarem ao próximo.

1. — Pois, os preceitos judiciais eram assim chamados por causa do juízo. Ora, há muitos outros preceitos pelos quais o homem se ordena para o próximo, e não pertencem à ordenação dos juízos. Logo, não se chamam preceitos judiciais aqueles pelos quais o homem se ordena para o próximo.

2. Demais. — Os preceitos judiciais distinguem-se dos morais, como já se disse (q. 99, a. 4). Ora, há muitos preceitos morais pelos quais o homem se ordena para o próximo, como o demonstram os da segunda tábua. Logo, os preceitos judiciais não se chamam assim por se ordenarem ao próximo.

3. Demais. — Os preceitos cerimoniais estão para Deus, como os judiciais, para o próximo, conforme se disse (q. 99 a. 4; q. 101, a. 1). Ora, entre os preceitos cerimoniais, alguns respeitam à própria pessoa, como as observâncias sobre os alimentos e as vestes, de que já se tratou (q. 102, a. 6 ad 1, 6). Logo, os preceitos judiciais não se chamam assim por ordenarem o homem para o próximo.

Mas, em contrário, diz a Escritura, referindo-se às outras boas obras do varão justo (Ez 18, 8): se fizer um verdadeiro juízo entre homem e homem. Ora, os preceitos judiciais são assim chamados por causa do juízo. Logo, assim se chamam os que dizem respeito à ordenação dos homens uns para os outros.

Como do sobredito resulta (q. 95, a. 2; q. 99, a. 4), alguns preceitos de qualquer lei têm força obrigatória, em virtude de um ditame da razão, pela razão natural ditar que tal acto seja praticado ou evitado. E esses preceitos chamam-se morais, pela razão de se fundarem os costumes humanos. — Há outros preceitos sem força obrigatória em virtude do ditame mesmo da razão. Porque, em si mesmos considerados, não implicam em absoluto a noção de obrigação ou não obrigação; mas têm força de obrigar em virtude de alguma instituição divina ou humana. E tais são algumas determinações dos preceitos morais.

Se portanto forem determinados preceitos morais, por instituição divina, relativos à ordenação do homem para Deus, esses preceitos chamar-se-ão cerimoniais. Se relativos à ordenação dos homens uns para os outros, chamar-se-ão judiciais. Logo, a razão dos preceitos judiciais têm dois fundamentos: concernirem à ordenação dos homens uns para os outros; e terem força obrigatória fundada, não só na razão, mas na instituição.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Os juízos exercem-se por ofício de chefes com o poder de julgar. Ora, ao príncipe pertence não só ordenar sobre os litígios, mas também sobre os contractos voluntários dos homens entre si, e de tudo o atinente à comunidade do povo e ao regime. Donde, os preceitos judiciais não são somente os concernentes às lides judiciais, mas todos os que respeitam à ordenação mútua dos homens, sujeita à ordenação do príncipe como juiz supremo.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A objecção colhe quanto aos preceitos, que ordenam para o próximo, com força obrigatória só pelo ditame da razão.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Mesmo em relação ao que se ordena para Deus, há alguns preceitos morais, que a razão dita, informada pela fé. Assim, que devemos amar e adorar a Deus. Outros preceitos, porém são cerimoniais e não têm força obrigatória senão por instituição divina. Ora, a Deus pertencem não só os sacrifícios, que lhe são oferecidos, mas tudo o concernente à idoneidade dos oferentes e dos que o cultuam; pois, o homem ordena-se para Deus como para o fim. Portanto, o culto de Deus a par com os preceitos cerimoniais exige uma certa idoneidade para o culto divino. — Ao contrário, o homem não se ordena para o próximo, como para o fim, de modo que devesse por essência dispor-se ordenadamente para o próximo; pois seria relação de escravos para senhor, fundada em pertencerem, por aquilo mesmo que são, ao senhor, segundo o Filósofo. E portanto, não há preceitos judiciais que ordenem o homem para si mesmo; mas todos os preceitos dessa natureza são morais. Pois, a razão, princípio da moralidade, desempenha no homem, em relação ao que lhe diz respeito, o mesmo papel que, na cidade, o príncipe ou o juiz. Deve porém saber-se, que a ordenação do homem para o próximo está mais sujeita à razão do que a do homem para Deus. Por isso, são em maior número os preceitos morais ordenadores do homem para o próximo, do que os que o ordenam para Deus. E assim havia de conter a lei mais preceitos cerimoniais que judiciais.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.



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