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15/08/2014

Evang.; Coment.; Leit. Esp. (Magistério - Ratzinguer)

Tempo comum XIX Semana

Assunção da Santíssima Virgem

Evangelho: Lc 1, 39-56

39 Naqueles dias, levantando-se Maria, foi com pressa às montanhas, a uma cidade de Judá. 40 Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel. 41 Aconteceu que, logo que Isabel ouviu a saudação de Maria, o menino saltou-lhe no ventre, e Isabel ficou cheia do Espírito Santo; 42 e exclamou em alta voz: «Bendita és tu entre as mulheres, e bendito é o fruto do teu ventre. 43 Donde a mim esta dita, que venha ter comigo a mãe do meu Senhor? 44 Porque, logo que a voz da tua saudação chegou aos meus ouvidos, o menino saltou de alegria no meu ventre. 45 Bem-aventurada a que acreditou, porque se hão-de cumprir as coisas que lhe foram ditas da parte do Senhor». 46 Então Maria disse: «A minha alma glorifica o Senhor; 47 e o meu espírito exulta de alegria em Deus meu Salvador, 48 porque olhou para a humildade da Sua serva. Portanto, eis que, de hoje em diante, todas as gerações me chamarão ditosa, 49 porque o Todo-poderoso fez em mim grandes coisas. O Seu nome é Santo, 50 e a Sua misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que O temem. 51 Manifestou o poder do Seu braço, dispersou os homens de coração soberbo. 52 Depôs do trono os poderosos, elevou os humildes. 53 Encheu de bens os famintos, e aos ricos despediu de mãos vazias. 54 Tomou cuidado de Israel, Seu servo, lembrado da Sua misericórdia; 55 conforme tinha prometido a nossos pais, a Abraão e à sua descendência para sempre». 56 Maria ficou com Isabel cerca de três meses; depois voltou para sua casa.

Comentário:

Este trecho do Evangelho escrito por S. Lucas é o escolhido para o dia de hoje - 15 de Agosto - em que todo mundo celebra a Assunção de Nossa Senhora ao Céu. E a escolha é muito a propósito já que é, no conjunto dos Evangelhos, onde a Santíssima Virgem é citada com maior extensão e detalhe.

O Magnificat é como que uma “declaração formal” que a própria Senhora faz, sobre si própria e o que Deus lhe reservou, desde o princípio dos tempos.

Um dia, haveremos de dar-nos conta dessa extraordinária festa celeste que se celebrou - e continua celebrando-se - para receber, no Céu, a Mãe de Deus e havemos de maravilhar-nos com a excelência da Criatura que, por vontade expressa do Seu Divino Filho, também é Nossa Mãe.

(ama, comentário sobre Lc 1, 39-56, 2012.08.15)

Leitura espiritual




Magistério

cardeal joseph ratzinger

Algumas perguntas pessoais

…/7

Pescadores de homens.

Hoje também a Igreja e os sucessores dos Apóstolos recebem a ordem de partir para o mar profundo da história e lançar redes, para conquistar homens e mulheres para o Evangelho - para Deus, para Cristo, para a vida verdadeira [...]. Vivemos em alienação, nas águas salgadas do sofrimento e da morte; no mar das trevas sem luz.
A rede do Evangelho retira-nos das águas da morte e nos traz para o esplendor da luz de Deus, para a vida verdadeira. E é realmente verdade: conforme seguimos Cristo nesta missão de sermos pescadores de homens, temos de trazer homens e mulheres para fora do mar, que é salobro com tantas formas de alienação, e para a terra da vida, para a luz de Deus.
E é realmente verdade: o propósito de nossas vidas é revelar Deus aos homens. E apenas quando se vê Deus a vida realmente começa. Apenas quando encontramos o Deus vivo em Cristo sabemos o que a
vida é.
Não somos um produto sem sentido do acaso da evolução. Cada um de nós é resultado de um pensamento de Deus. Cada um de nós é desejado, cada um de nós é amado, cada um de nós é necessário. Nada é mais belo que ser surpreendido pelo Evangelho, pelo encontro com Cristo. Nada é mais belo que conhecê-lo e falar aos outros da nossa amizade com Ele.
A tarefa do pastor, a tarefa do pescador de homens, pode muitas vezes parecer cansativa. Mas é bela e maravilhosa, porque é verdadeiramente um serviço para a alegria, para a alegria que Deus deseja espalhar pelo  mundo [i].


Santidade e alegria

Virtude heróica e santidade.

Vêm-me à cabeça as palavras do Senhor recolhidas no Evangelho de São João (5, 17): Meu Pai opera sempre. São palavras pronunciadas por Jesus no decorrer de uma discussão com alguns especialistas em religião que não queriam reconhecer que Deus pode trabalhar no dia de sábado. Um debate ainda aberto e actual, de certo modo, entre os homens - também entre os cristãos - do nosso tempo.

Alguns pensam que Deus, depois da criação, "se retirou" e já não tem nenhum interesse pelos nossos assuntos de cada dia. De acordo com esse modo de pensar, Deus não poderia intervir na trama da nossa vida quotidiana; no entanto, as palavras de Jesus Cristo indicam-nos precisamente o contrário. Um homem aberto à presença de Deus percebe que Deus trabalha sempre e que também actua hoje; por isso, devemos deixar que Ele entre e actue em nós [...].

Conhecendo um pouco da história dos santos, sabendo que nos processos de canonização se procura a virtude "heróica", podemos, quase inevitavelmente, formar um conceito equivocado da santidade porque tendemos a pensar: "Isso não é para mim", "eu não me sinto capaz de praticar virtudes heróicas", "é um ideal alto demais para mim"...

Nesse caso, a santidade estaria reservada para alguns "grandes" cujas imagens vemos nos altares e que são muito diferentes de nós, pecadores comuns. No entanto, seria uma ideia totalmente errada da santidade [...].

Virtude heróica não quer dizer que o santo seja uma espécie de "atleta" da santidade, que consegue fazer uns exercícios inexequíveis para as pessoas normais. Quer dizer, pelo contrário, que na vida de um homem se revela a presença de Deus, e se torna mais patente tudo aquilo que o homem não é capaz de fazer por si mesmo. No fundo, talvez se trate de uma questão terminológica, porque o adjectivo "heróico" foi com frequência mal interpretado.

Virtude heróica não significa propriamente que alguém faz coisas grandes por suas forças pessoais, mas que na sua vida aparecem realidades que não foi ele quem fez, porque ele só esteve disponível para deixar que Deus actuasse. Noutras palavras, ser santo não é senão falar com Deus como um amigo fala com o amigo. Isto é a santidade.

Ser santo não significa ser superior aos outros; pelo contrário, o santo pode ser muito fraco e cometer muitos erros na sua vida. A santidade é o contacto profundo com Deus: é fazer-se amigo de Deus, deixar que o Outro trabalhe, o Único que pode realmente fazer com que este mundo seja bom e feliz. [...]
Verdadeiramente, todos somos capazes, todos somos chamados a abrir-nos a essa amizade com Deus, a não nos soltarmos da sua mão, a não nos cansarmos de voltar uma vez e outra para o Senhor, falando com Ele como se fala com um amigo e sabendo, com toda a certeza, que o Senhor é o verdadeiro amigo de todos, também dos que não são capazes de fazer coisas grandes por si próprios [ii].

Martírio.

Se deixa de existir algo por que valha a pena morrer, também a vida se torna vazia.
Só se existe o bem absoluto, pelo qual vale a pena morrer, e o mal eterno, que nunca se converte em bem, só então o homem é confirmado na sua dignidade e estamos protegidos da ditadura das ideologias [iii].


Alegria.

"Alegrai-vos, mais uma vez vos digo: alegrai-vos" (cfr. Fil 4, 4). A alegria é fundamental no cristianismo, que é por essência evangelium, "boa nova". No entanto, é neste ponto que o mundo se engana quando abandona a Igreja em nome da alegria, pretendendo que, com todos os seus preceitos e proibições, o cristianismo a arranca ao homem.

Não há dúvida de que a alegria de Cristo não é tão fácil de enxergar como o prazer banal que nasce de qualquer diversão. Mas seria falso traduzir as palavras Alegrai-vos no Senhor por estas outras: "Alegrai-vos, mas no Senhor", como se na segunda frase se quisesse recortar o que se afirmou na primeira. Significa simplesmente "alegrai-vos no

Senhor", já que o Apóstolo evidentemente crê que toda a verdadeira alegria está no Senhor, e que fora dEle não pode haver nenhuma.

Com efeito, não há dúvida de que toda a alegria que se dá fora de Deus ou contra Ele não satisfaz, mas, pelo contrário, arrasta o homem para um redemoinho no qual não consegue experimentar um verdadeiro contentamento. Por isso, com essa expressão o Apóstolo informa-nos que a verdadeira alegria não chegará enquanto Cristo não a trouxer, e que aquilo que interessa na nossa vida é aprender a ver e compreender Cristo, o Deus da graça, a luz e a alegria do mundo. Pois a nossa alegria não será autêntica enquanto não deixar de se apoiar em coisas que possam ser arrebatadas das nossas mãos e destruídas, enquanto não encontrar um firme apoio na mais íntima profundidade da nossa existência, que não nos pode ser arrebatada por força alguma deste mundo. E toda a perda externa deveria fazer-nos avançar um passo para essa intimidade e tornar-nos mais amadurecidos para a nossa vida autêntica [iv].

Alegrar-se com a fé.

A fé dá alegria. Se Deus não está presente, o mundo desertifica-se e tudo se torna aborrecido, tudo é completamente insuficiente.
Hoje, vê-se bem como um mundo sem Deus se desgasta cada vez mais, como se tornou um mundo sem nenhuma alegria. A grande alegria vem do facto de existir o grande amor, e é essa a afirmação essencial da fé. Você é alguém indefectivelmente amado. Foi por isso que o cristianismo encontrou a sua primeira expansão sobretudo entre os fracos e os que sofriam.

É claro que agora se pode interpretar isso num sentido marxista, e dizer que na época o cristianismo representou apenas uma consolação, quando devia ter sido uma revolução.

Mas penso que, de certa forma, já ultrapassamos essas fórmulas. O cristianismo estabeleceu novas relações entre senhores e escravos, de modo que já São Paulo podia dizer a um senhor: "Não faças mal ao teu escravo porque ele se tornou teu irmão" (cfr. Filémon).

Pode-se dizer que o elemento fundamental do cristianismo é a alegria. Não me refiro à alegria no sentido de um divertimento qualquer, que pode ter o desespero como pano de fundo; como sabemos, muitas vezes o divertimento é a máscara do desespero. Refiro-me à verdadeira alegria. É uma alegria que está presente numa existência difícil e torna possível que essa existência seja vivida. A história de Cristo começa, segundo o Evangelho, com o Anjo que diz a Maria: "Alegra-te!" Na noite do Natal, os anjos dizem outra vez: "Eis que vos anunciamos uma grande alegria". E Jesus diz: "Anuncio-vos a Boa Nova".
Portanto, o núcleo de que aqui se trata é sempre: "Anuncio-vos uma grande alegria. Deus está presente, sois amados, e isso está estabelecido para sempre" [v].

Alegria e confiança.

Uma observação que sempre faço é que a alegria genuína se tornou mais rara. A alegria está hoje, por assim dizer, cada vez mais sobrecarregada de hipotecas morais e ideológicas. Quando uma pessoa se alegra, até tem medo de faltar à solidariedade com os muitos que sofrem. Pensa-se: Na realidade, nem posso alegrar-me num mundo em que existe tanta miséria, tanta injustiça.

Posso compreender isso. Estamos perante uma atitude também moral. Contudo, essa atitude é um erro. Porque o mundo não se torna melhor graças à perda da alegria: e, pelo contrário, o "não se alegrar" por causa do sofrimento também não ajuda os que sofrem.

Mas, por outro lado, o mundo precisa de pessoas que descubram o bem, que se alegrem por causa dele e que, desse modo, encontrem a energia e a coragem para o bem.
A alegria, portanto, não exclui a solidariedade. Quando é correcta, quando não é egoísta, quando vem da percepção do bem, então também quer comunicar-se e se perpetua. O que volta sempre a chamar-me a atenção é que se encontram, nos bairros pobres, por exemplo, na América do Sul, muito mais pessoas rindo, alegres, do que entre nós.

Manifestamente, apesar de destituídas de tudo, ainda têm a percepção do bem, que as orienta como força inspiradora.

Nessa medida, precisamos outra vez dessa confiança originária, que, em última análise, só a fé pode dar: [a confiança de saber] que, no fundo, o mundo é bom, que Deus está presente e é bom, que é bom viver e ser humano. Daí vem também a coragem para a alegria, que, por sua vez, leva a que outros se alegrem e possam receber a Boa Nova [vi].


Nossa Senhora



Nossa Senhora, a Encarnação e as mulheres.

Alguém poderia objectar que esta [a igreja de Santa Maria Maior, em Roma] não é uma igreja dedicada à Natividade, e, portanto, uma igreja dedicada a Cristo, mas sim um templo mariano, a primeira igreja dedicada a Maria em Roma e em todo o Ocidente. Essa objecção indicaria, porém, que quem a formula não entendeu precisamente aquilo que é essencial, tanto na piedade mariana da Igreja como no mistério do Natal.

O Natal tem na estrutura interna da fé cristã, um significado muito particular.
Não o celebramos da mesma maneira como se recordam os dias em que nasceram os grandes homens, porque a nossa relação com Cristo é também muito diferente da admiração que experimentamos diante dos grandes homens. O que interessa neles é a sua obra: os pensamentos que pensaram e deixaram escritos, a arte que criaram e as instituições que nos legaram. Essa obra pertence-lhes, não procede das suas mães, pelas quais só nos interessamos na medida em que podem fornecer-nos algum elemento que contribua para explicar a obra mencionada.

Mas Cristo não conta para nós apenas pela sua obra, pelo que fez, mas sobretudo pelo que era e pelo que é, na totalidade da sua pessoa. Conta para nós de uma maneira distinta da de qualquer outro homem, porque Ele não é simplesmente um homem. Conta porque nEle a terra e o céu se tocam, e assim Deus se faz nEle tangível para nós como homem.
Os Padres da Igreja denominaram Maria a terra santa da qual Ele foi formado enquanto homem; e o que é mais maravilhoso é que, em Cristo, Deus permanece para sempre unido a esta terra. Agostinho expressou certa vez este mesmo pensamento da seguinte forma: Cristo não quis um pai humano para manter visível a sua filiação com respeito a Deus, mas quis uma Mãe humana. "Quis receber em si o género masculino, e dignou-se honrar o feminino na sua Mãe... Se Cristo homem tivesse aparecido sem enaltecer o género das mulheres, estas teriam que desesperar de si... Mas Ele honrou os dois, enalteceu os dois, assumiu os dois. Nasceu de mulher. Não desespereis, homens: Cristo dignou-se ser homem. Não desespereis, mulheres: Cristo dignou-se nascer da mulher. Ambos os géneros colaboram para a salvação, quer se trate do masculino, quer do feminino: na fé, não há homem nem mulher".

Digamo-lo de novo de outra maneira: no drama da salvação, não é que Maria tenha tido que desempenhar um papel para depois calar-se, como alguém cuja fala terminou. A Encarnação a partir da mulher não é um papel que se tenha encerrado depois de um breve tempo, mas a estada permanente de Deus na terra, com o ser humano, connosco, que somos terra. Daí que a festa do Natal seja ao mesmo tempo uma festa de Maria e uma festa de Cristo, e é por isso que uma autêntica igreja dedicada ao Natal deve ser um templo mariano [vii].

(cont.)

(Revisão da versão portuguesa por ama)





[i] Homilia da Missa pelo início do pontificado, Vaticano, 24.04.2005.
[ii] Deixar Deus trabalhar, em l’Osservatore Romano, 06.10.2002
[iii] Las catorze encíclicas de Juan Pablo II, discurso no Congresso de homenagem aos vinte e cinco anos de Pontificado de João Paulo II, Pontifícia Universidade Lateranense, 07-09.05.2004
[iv] Sentido del Adviento
[v] O sal da terra, págs. 23-24
[vi] O sal da terra, págs. 30-31
[vii] Meditación para el tiempo de Navidad, em Humanitas, n. 12

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