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09/08/2014

Evang.; Coment.; Leit. Esp. (Magistério - Ratzinguer)

Tempo comum XIX Semana

Evangelho: Mt 25, 1-13

1 «Então, o Reino dos Céus será semelhante a dez virgens, que, tomando as suas lâmpadas, saíram ao encontro do esposo. 2 Cinco delas eram néscias, e cinco prudentes. 3 As cinco néscias, tomando as lâmpadas, não levaram azeite consigo; 4 as prudentes, porém, levaram azeite nas vasilhas juntamente com as lâmpadas. 5 Tardando o esposo, começaram todas a cabecear e adormeceram. 6 À meia-noite, ouviu-se um grito: “Eis que vem o esposo! Saí ao seu encontro”. 7 Então levantaram-se todas aquelas virgens, e prepararam as suas lâmpadas. 8 As néscias disseram às prudentes: “Dai-nos do vosso azeite, porque as nossas lâmpadas apagam-se”. 9 As prudentes responderam: “Para que não suceda que nos falte a nós e a vós, ide antes aos vendedores, e comprai para vós”. 10 Mas, enquanto elas foram comprá-lo, chegou o esposo, e as que estavam preparadas entraram com ele a celebrar as bodas, e foi fechada a porta. 11 Mais tarde, chegaram também as outras virgens, dizendo: “Senhor, Senhor, abre-nos”. 12 Ele, porém, respondeu: “Em verdade vos digo que não vos conheço”. 13 Vigiai, pois, porque não sabeis nem o dia nem a hora.

Comentário:

Algumas traduções chamam “néscias” às virgens “imprudentes”. Ser néscio é ser pouco atilado, prudente ou coerente.
Alguém que não leva as coisas muito a sério, que está disposto a “esperar para ver o que acontece”, não se preocupar ou não dar importância a algo que a deve ter.

Neste caso, parece evidente, que aquelas virgens a que o Senhor se refere na Sua parábola, são retrato, a imagem destas pessoas que vão pela vida como se não tivessem qualquer responsabilidade ou dever e, pior, que não lhes venham a ser pedidas contas do que deveriam ter feito e não fizeram.

Preparar-se é sinal de prudente coerência de quem se diz empenhado na sua salvação, o maior bem a que pode aspirar.

(ama, comentário sobre Mt 25, 1-13, 2013.08.09)

Leitura espiritual



Magistério

cardeal joseph ratzinger

Algumas perguntas pessoais


Um auto-retrato.

Poderia descrever-se a si mesmo?

É impossível fazer um auto-retrato; é difícil julgar-se a si mesmo. Posso apenas dizer que venho de uma família muito simples, muito humilde, e por isso, mais do que um cardeal, sinto-me um homem simples.

Tenho a minha casa na Alemanha, numa cidade pequena, cujos habitantes trabalham na agricultura, em ofícios manuais, e ali sinto-me no meu ambiente. Também procuro ser assim no meu trabalho: não sei se o consigo, não me atrevo a julgar-me.

Recordo sempre com grande carinho a profunda bondade do meu pai e da minha mãe; naturalmente, para mim, bondade inclui a capacidade de dizer "não", pois uma bondade que deixasse o outro fazer qualquer coisa não lhe faria bem. Algumas vezes, bondade significa ter que dizer "não" e correr assim o risco de que nos contradigam.

Esses são os meus critérios, essa é a minha origem; quanto ao resto, deveriam ser os outros a julgar [i].

Homem de consciência.

Seu irmão fez a seguinte caracterização da sua pessoa:

"Custa-lhe ter de agir com força, mas, quando precisa combater, actua segundo a sua consciência". O senhor é um homem de consciência?

Procuro sê-lo. Não ouso dizer que o seja. Mas parece-me bastante importante não colocar a aprovação ou o ambiente simpático do meio a que se pertence acima da verdade, embora isto seja sempre uma grande tentação. É claro que o apelo à consciência pode transformar-se na mania de ter sempre razão, de modo que uma pessoa pense que tem de se opor a tudo. Mas, entendido num sentido correto, o homem que ouve a sua consciência, e para quem aquilo que se conhece - o bem - está acima da aprovação e da aceitação dos outros, é para mim, de facto, um ideal e uma tarefa. E figuras como Thomas More, o Cardeal Newman e outras grandes testemunhas – entre elas, os que foram implacavelmente perseguidos pelo regime nazi, como por exemplo Dietrich Bonhoeffer [ii] são, para mim, grandes modelos [iii].

Medo de Deus? Eminência, às vezes o senhor também sente medo de Deus?

Não falaria de medo. Graças a Cristo, sabemos como Deus é, sabemos que nos ama [...]. No entanto, sempre experimento a consciência fulminante de não estar à altura da ideia que Deus faz de mim [iv].

O primado da verdade na vida. Ao longo do meu caminho espiritual, senti muito intensamente o problema de saber se, no fundo, não é presunção dizer que podemos conhecer a verdade, em virtude de todas as nossas limitações. Também me interroguei até que ponto não seria talvez melhor pôr essa categoria em segundo plano. Ao aprofundar essa questão, pude observar, e também compreender, que a renúncia à verdade não resolve nada: pelo contrário, conduz à ditadura da arbitrariedade. Tudo o que resta só pode então ser decidido por nós e é substituível. O homem perde a dignidade quando não é capaz de conhecer a verdade, quando tudo não passa de produto de uma decisão individual ou colectiva.

Assim, vi como é importante que não se perca o conceito de verdade, mas permaneça como categoria central, não obstante as ameaças e os riscos que sem dúvida envolve.

Como exigência que nos é feita, não nos dá direitos, mas, pelo contrário, requer a nossa humildade e a nossa obediência, como também nos pode pôr no caminho daquilo que é comum a todos os homens. A partir de um longo confronto com a situação espiritual em que nos encontramos, este primado da verdade foi lentamente tornando-se visível para mim; como disse, não pode ser simplesmente entendido de forma abstracta, mas precisa estar envolvido em sabedoria [v].

Verdade e bondade.

Certa vez, o senhor afirmou que um homem deveria acentuar o primado da verdade sobre a bondade. Julgo que é uma atitude que pode ser perigosa. Isso não corresponderia à imagem do Grande Inquisidor, tal como Dostoievski a descreveu?

É preciso interpretar todo o contexto. Nessa frase, a bondade é entendida no sentido de uma falsa bondade, do tipo "não pretendo aborrecer-me". É uma atitude muito comum, que se verifica também, e sobretudo, no campo da política: não se quer ser impopular.

Em vez de ter aborrecimentos e de os criar, prefere-se contemporizar, mesmo com o que é errado, com o que não é puro, nem verdadeiro, nem bom. Está-se disposto a comprar bem-estar, sucesso, reconhecimento público e aceitação por parte da opinião dominante, à custa da renúncia à verdade. Não quis atacar a bondade em geral. A verdade só pode ter sucesso e vencer com a bondade. Referia-me a uma caricatura da bondade que é bastante comum: que se negligencie a consciência com o pretexto da bondade, que se coloque acima da verdade a aceitação e a preocupação de evitar problemas, o comodismo, o ser bem-visto [vi].

Autoridade em matéria de fé.

Como é possível, hoje em dia, ter autoridade em questões de fé?

Certamente é uma tarefa difícil, em parte porque já não existe o conceito de autoridade.

O facto de haver uma autoridade que decida coisas parece hoje incompatível com a liberdade para fazer o que se quiser. É difícil também porque muitas tendências gerais da nossa época se opõem à fé católica. Busca-se uma visão do mundo simplificada:

Cristo não poderia ser o Filho de Deus, mas um mito ou uma grande personalidade humana, pois Deus não poderia ter aceito o sacrifício de Cristo, Deus não seria um Deus cruel... Em última análise, há muitas ideias que se opõem ao cristianismo, e seria necessário reformular muitas verdades de fé para que se adequassem ao homem de hoje.

Mas tenho de dizer que muitas pessoas também agradecem que a Igreja continue a ser uma força que transmite a fé católica e ofereça um fundamento sobre o qual se pode viver e morrer. E isso é consolador para mim [vii].

Posição incómoda.

Eminência, [...] o senhor escreveu um livro chamado Deus e o mundo, no qual disse que a sua posição como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé era a posição mais incómoda que já tinha ocupado. (O cardeal Ratzinger ri tranquilamente) O que quis dizer com isso?

Sim, é uma posição incómoda de muitas maneiras. Sobretudo porque, com frequência, somos obrigados a enfrentar todos os problemas da Igreja: relativismo, heresias, teologias inaceitáveis, teólogos complicados e o resto, juntamente com os casos disciplinares; o problema dos pedófilos, por exemplo, também é problema nosso. Nesta
Congregação, temos de lutar com os aspectos mais complicados da vida da Igreja hoje.

Além disso, somos atacados como "a Inquisição"; o senhor deve sabê-lo melhor do que eu...

Isso por um lado. Mas, por outro, comprovo todos os dias que as pessoas estão agradecidas quando dizem: "Sim, a Igreja tem uma identidade, uma continuidade; a fé é real e está presente também hoje, e é possível professá-la..." E o mesmo quando vou à Praça de São Pedro e vejo tantas pessoas de lugares tão variados do mundo que me dizem: "Obrigado, padre. Estamos agradecidos pelo difícil trabalho que faz, porque nos ajuda". Muitos amigos protestantes chegam também a dizer-me: "O que o senhor vem fazendo é útil para nós porque também defende a nossa fé e a validade da fé em Cristo.

Precisamos de uma instância como a sua, mesmo quando não compartilhamos o que diz.

E é útil também para ver que temos de prosseguir na contínua defesa da fé; o senhor alenta-nos a perseverar na fé, a continuar a vivê-la". E nos últimos dias, aproximou-se de mim uma delegação de ortodoxos que me disseram o mesmo. Portanto, o nosso trabalho tem uma dimensão ecuménica que, com frequência, não é apreciada. [viii]

Deus

O Deus escondido. Onde está Deus, onde pode ser encontrado? Está escondido?

Parece que se revela muito raramente. As pessoas desesperam-se porque pensam que Ele não fala com elas, não dá sinais, não interfere na sua vida.

Ele manifesta-se, mas não de forma ruidosa, não necessariamente sob a forma de uma catástrofe natural, embora as catástrofes naturais também possam ser manifestações suas. Não o faz, pois, de forma ruidosa, mas sempre se está manifestando. É claro que o receptor tem de estar, por assim dizer, sintonizado para captar o emissor.

Na nossa maneira de viver e de pensar, há tantas interferências perturbadoras que não somos capazes de captar o som, que também se tornou tão estranho para nós que não o reconhecemos como vindo dEle. Mas eu diria que qualquer pessoa que esteja atenta pode fazer essa experiência e perceber: neste momento, Ele dirige-se a mim; é uma oportunidade que me é dada para conhecê-lo. [...] Ele pode manifestar-se se eu estiver vigilante, e também se houver alguém que me ajude a decifrar a realidade. É claro que Ele não fala de forma ruidosa, mas sim através de sinais e dos acontecimentos da vida, e através das outras pessoas. É necessário, pois, ter uma certa vigilância, e perseverança para não ser dominado pelas coisas que ocupam o primeiro plano [ix].

O Deus marginalizado.

Onde está Deus na sociedade contemporânea?

Está muito marginalizado. Na vida política, parece quase indecente falar de Deus, como se fosse um ataque à liberdade de quem não crê. O mundo político segue as suas normas e os seus caminhos, excluindo Deus como uma realidade que não pertence a esta terra.

O mesmo acontece no mundo do comércio, da economia e da vida privada. Deus fica à margem. No entanto, parece-me necessário voltar a descobrir [...] que também a esfera política e económica têm necessidade de uma responsabilidade moral, de uma responsabilidade que nasce do coração do homem e que, em última análise, tem a ver com a presença ou a ausência de Deus. Uma sociedade em que Deus esteja absolutamente ausente autodestrói-se [x].


Existência de Deus e existência humana.

Li recentemente as afirmações de um intelectual alemão que, em relação à "questão de Deus", se dizia agnóstico e, ao mesmo tempo, acrescentava que não se poderia nem provar nem excluir totalmente a existência de Deus, de modo que esse problema permaneceria sempre em aberto. No entanto, declarava-se firmemente convencido da existência do inferno: bastava-lhe ligar a televisão para comprová-lo sem sombra de dúvida.

Se a primeira parte dessa afirmação corresponde plenamente ao sentir moderno, a segunda parece extravagante, ao menos à primeira vista. Como é possível crer no inferno se Deus não existe? Mas, se considerarmos essas palavras com um pouco mais de atenção, veremos que encarnam uma certa lógica. O inferno é, por definição, viver na ausência de Deus. Onde Deus não está, ali está o inferno. Certamente, não é tanto o espetáculo diário da televisão que nos fornece a prova, quanto um olhar sobre o século que terminou e que nos deixou palavras como "Auschwitz" ou "Arquipélago Gulag", e nomes como Hitler, Stalin, Pol Pot. Esses infernos foram construídos para preparar um mundo futuro de homens auto-suficientes que não teriam nenhuma necessidade de Deus.

Mas onde Deus não está, surge o inferno, e o inferno persiste, muito simplesmente, pela ausência de Deus. Pode-se chegar a esse extremo também de maneiras subtis, que quase sempre afirmam que o que se busca é o bem dos homens. Hoje, quando se comercializam órgãos humanos, quando se fabricam fetos para dispor de órgãos de reposição ou para promover o avanço da ciência e da prevenção médicas, muitos consideram implícito o caráter humanitário dessas práticas. Mas o desprezo pelo homem que esse usar e abusar do ser humano pressupõe, conduz, quer se queira quer não, à descida aos infernos.

Isto não significa que não possa haver ou não haja ateus com um grande senso ético.

Seja como for, atrevo-me a afirmar que essa ética se baseia na luz que emanou um dia do Monte Sinai e que continua a brilhar até hoje: a luz de Deus. Nietzsche tinha razão ao sublinhar que, quando a notícia da morte de Deus se tornasse conhecida por todo o mundo, quando a sua luz se tivesse apagado definitivamente, esse momento seria necessariamente terrível.

O cristianismo não é uma filosofia complicada e envelhecida com o passar do tempo, não é uma imensa coleção de dogmas e preceitos: a fé cristã consiste em sermos tocados por Deus e sermos as suas testemunhas.

Precisamente por isso podemos dizer: a Igreja existe para que Deus, o Deus vivente, seja anunciado, para que o homem possa aprender a viver com Deus, sob o seu olhar e em comunicação com Ele. A Igreja existe para evitar o avanço do inferno sobre a terra e para fazer com que esta se torne mais habitável à luz de Deus.. Graças a Ela, e somente graças a Ela, a terra será humana. Nem que seja apenas por este motivo, a Igreja deve continuar a existir, porque a sua eventual desaparição arrastaria a humanidade para o torvelinho das trevas, da escuridão, até à destruição de tudo o que torna humano o homem. [...] Sem Deus, o mundo não consegue iluminar-se. A Igreja serve ao mundo fazendo com que Deus viva nela, permitindo que Ele transpareça nEla, e estando pronta assim para levá-lo à humanidade [xi].

Encontro pessoal com Deus.

O cristianismo apresenta-se hoje como uma antiga tradição carregada de antigos mandamentos, algo que já conhecemos e que não nos diz nada de novo, uma instituição forte, uma das grandes instituições que pesam sobre os nossos ombros. [...] Mas se pararmos nesta impressão, não viveremos o núcleo do cristianismo, que é um encontro sempre novo, um acontecimento graças ao qual podemos encontrar o Deus que fala connosco, que se aproxima de nós, que se faz nosso amigo. [...] É decisivo chegar a este ponto fundamental de um encontro pessoal com Deus, que também hoje se faz presente e que é nosso contemporâneo. [...] Se encontrarmos este centro essencial, compreenderemos também o restante; mas se este acontecimento que toca o coração não se realizar, tudo o mais passará a ser como que um peso, quase que algo absurdo [xii].

(cont.)

(Revisão da versão portuguesa por ama)






[i]  Entrevista à Radio Vaticano, 23.11.2001
[ii] Dietrich Bonhoeffer (1906-1945), teólogo e pastor luterano alemão que se opôs à ditadura nazi; foi condenado à morte e enforcado (N. do T.).
[iii] O sal da terra, págs. 55-56.
[iv] Dios y el mundo, repr. em Avvenire, 27.09.2001
[v] O sal da terra, pág. 55
[vi] Ibid., pág. 56
[vii] Entrevista à Radio Vaticana
[viii] A crise da Igreja: uma fé fraca, entrevista a Raymond Arroyo, canal de televisão EWTN, Irondale (Alabama), 23.08.2003; repr. por Zenit, 24.08.2003
[ix] O sal da terra, pág. 26
[x] El laicismo está poniendo en peligro la libertad religiosa, entrevista a La Reppublica, repr. por Zenit, 19.11.2004
[xi] 1Testigos de Ia luz de Dios, em La Razôn, 23.04.2001
[xii] Por qué el cristianismo no es visto como fuente de alegria, declarações ao semanário Vita Trentina, Zenit, 07.05.2004

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