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14/07/2014

Tratado da lei 53

Questão 100: Dos preceitos morais da lei antiga.

Art. 9 — Se o modo da virtude está na alçada do preceito da lei.

(Supra, q. 96, a. 3, ad 2; IIª-IIae, q. 44, a. 4, ad 1; II Sent., dist. XXVIII, a. 3; IV, dist. XV, q. 3. a. 4. qª 1. ad 3).

O nono discute-se assim. — Parece que o modo da virtude está na alçada do preceito da lei.

1. — Pois, o modo da virtude está em praticarmos justamente actos justos; fortemente, actos fortes, e assim com as demais virtudes. Ora, a Escritura ordena (Dt 26, 20): administrarás a justiça com rectidão. Logo, o modo da virtude está na alçada do preceito.

2. Demais. — O que está na intenção do legislador é o que sobretudo está na alçada do preceito. Ora, essa intenção visa principalmente tornar os homens virtuosos, como diz Aristóteles. E sendo próprio do homem virtuoso agir virtuosamente, o modo da virtude há-de estar na alçada do preceito.

3. Demais. — O modo da virtude está propriamente em agirmos voluntária e deleitavelmente. Ora, isto está na alçada do preceito da lei divina. Pois, diz a Escritura (Sl 99, 2): servi ao Senhor em alegria; e (2 Cor 9, 7): não com tristeza, nem como por força, porque Deus ama ao que dá com alegria; ao que a Glosa diz: tudo o que fizeres fa-lo com alegria, e falas bem; se porém o fizeres com tristeza, o jeito vem de ti, mas não o fizeste tu. Logo, o modo da virtude está na alçada do preceito da lei.

Mas, em contrário. — Ninguém pode obrar como o virtuoso, sem ter o hábito da virtude, como está claro no Filósofo. Ora, quem quer que, transgrida o preceito da lei merece pena. Donde se seguiria que todo aquele que não tivesse o hábito da virtude mereceria pena por tudo o que fizesse. Ora, isto é contra a intenção da lei, que visa induzir o homem à virtude, acostumando-o às boas obras. Logo, o modo da virtude não está na alçada do preceito.

Como já dissemos (q. 90, a. 3 ad 2), o preceito de lei tem força coactiva. Donde, aquilo a que a lei obriga entra directamente no seu preceito. Ora, a coacção da lei realiza-se pelo medo da pena, como diz Aristóteles. Pois, está propriamente na alçada do preceito da lei, aquilo pelo que ela inflige uma pena. No instituir porém a pena, a lei divina procede diferentemente da humana. Pois, a pena da lei não é infligida senão relativamente àquilo de que o legislador tem que julgar; porque a lei pune em virtude de um juízo. Ora, os homens autores da lei não devem julgar senão dos actos externos, porque vêm o que está patente, como diz a Escritura (1 Sm 16, 7). E só Deus, autor da lei divina, é que pode julgar dos movimentos interiores das vontades, segundo a Escritura (Sl 7, 10): Deus, que sonda os corações e as entranhas.

Ora, a esta luz, devemos dizer, que o modo da virtude, sob certo aspecto, é levado em consideração pela lei humana e pela divina; sob outro, pela lei divina e, não, pela humana; e, enfim, sob um terceiro, nem pela lei humana, nem pela divina. Pois, esse modo consiste em três coisas, segundo o Filósofo. A primeira em obrarmos cientemente; o que é julgado, tanto pela lei divina, como pela humana. Pois, é acidental o que fazemos por ignorância. E assim, por ignorância, os actos humanos são julgados dignos de pena ou de vénia, tanto pela lei humana, como pela divina. — A segunda consiste em obrarmos voluntariamente, ou por eleição, e eleição de um objecto particular, o que implica um duplo movimento interior — o da vontade e o da intenção, de que já tratamos (q. 8; q. 12), e das quais a lei humana não pode julgar, mas só, a divina. Pois, a lei humana não pode punir quem quer matar, mas não matou. Ao passo que a lei divina o pune, conforme a Escritura (Mt 5, 22): todo o que se ira contra seu irmão será réu no juízo. — A terceira consiste em agirmos e conservarmo-nos firme e imovelmente. E esta firmeza pertence propriamente ao hábito, i. é, está em obrarmos por um hábito arraigado. Ora, neste ponto, o modo da virtude não está na alçada do preceito nem da lei divina, nem da humana. Pois, nem pelos homens, nem por Deus é punido, como transgressor do preceito, quem retribui aos pais a honra devida, embora sem o hábito da piedade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O modo de praticar um acto de justiça, pertencente ao preceito, é praticá-lo segundo a ordem do direito, e não pelo hábito da justiça.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A intenção do legislador visa duas coisas. Uma é a para a qual, pelo preceito da lei, quer levar, e essa é a virtude. Outra é a sobre a qual quer fazer o preceito, e esta é a que leva ou dispõe para a virtude, a saber, o acto de virtude. Pois, o fim do preceito não se confunde com o seu objecto; assim como, no demais, o fim não se identifica com os meios.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Praticar sem tristeza obras de virtude entra no preceito da lei divina, porque quem quer que obre com tristeza não obra voluntariamente. Mas, obrar deleitavelmente, ou com ledice e alegria, está, de certo modo, no preceito, i. é, enquanto a deleitação resulta do amor de Deus e do próximo, incluídos no preceito, por ser o amor a causa da deleitação. Mas, de outro modo, não está, enquanto a deleitação resulta do hábito; porque a deleitação na obra é sinal de um hábito existente, como diz Aristóteles. Pois, um acto pode ser deleitável pelo fim ou pela conveniência com o hábito.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.

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