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11/07/2014

Tratado da lei 50

Questão 100: Dos preceitos morais da lei antiga.

Art. 6 — Se os dez preceitos do decálogo estão convenientemente ordenados.

(IIª-IIae, q. 122, a. 2, sqq; III Sent., dist. XXXVII, a. 2, qª 3).

O sexto discute-se assim. — Parece que os dez preceitos do decálogo estão inconvenientemente ordenados.

1. — Pois, a dilecção do próximo é a que conduz para a de Deus, porque o próximo nos é mais conhecido que Deus, conforme a Escritura (1 Jo 4, 20): aquele que não ama a seu irmão, a quem vê, como pode amar a Deus, a quem não vê? Ora, os três primeiros preceitos pertencem ao amor de Deus; e os outros sete, ao do próximo, Logo, os preceitos do decálogo estão inconvenientemente ordenados.

2. Demais. — Os preceitos afirmativos ordenam actos de virtude; os negativos, proíbem os do vício. Ora, segundo Boécio, hão-de primeiro extirpar-se os vícios, que semear as virtudes. Logo, entre os preceitos pertencentes ao próximo, era mister estabelecerem-se os negativos antes dos afirmativos.

3. Demais. — Os preceitos da lei são feitos para dirigir os actos dos homens. Ora, o acto do coração é anterior ao da palavra e ao da obra externa. Logo, os preceitos, que proíbem a concupiscência e que respeitam o coração, estão inconvenientemente postos em último lugar.

Mas, em contrário, o Apóstolo diz (Rm 13, 1): as coisas que veem de Deus são ordenadas. Ora, os preceitos do decálogo foram imediatamente dados por Deus, como já se disse (a. 3). Logo, estão convenientemente ordenados.

Como já se estabeleceu (a. 3; a. 5 ad 1), os preceitos do decálogo versam sobre o que de pronto a razão do homem compreende. Ora, é manifesto que a razão apreende tanto mais facilmente um objecto, quanto mais o contrário deste lhe é grave e repugnante. É claro, porém, que a ordem da razão, começando pelo fim, vai sobretudo contra ela o proceder o homem desordenadamente, em relação ao fim. Ora, o fim da vida humana e da sociedade é Deus. Donde, era primeiramente necessário, pelos preceitos do decálogo, ordenar o homem para Deus, por ser gravíssimo o que a isto contraria. Assim também, num exército, ordenado para o chefe como para o fim, primeiro hão-de os soldados estar sujeitos ao chefe, sendo o contrário gravíssimo; em segundo lugar, hão-de coordenar-se entre si.

Ora, entre os meios pelos quais o homem se ordena para Deus, ocorre em primeiro lugar submeter-se fielmente, sem lhe ter nenhuma participação com os inimigos. Em segundo lugar, há-de prestar-lhe reverência. Em terceiro, há-de servir-lhe pelo famulado. Assim também, num exército, maior falta do soldado é agir infielmente, tendo inteligência com o inimigo, do que fazer qualquer irreverência ao chefe; e isto é ainda mais grave do que deixar de prestar qualquer serviço ao chefe.

Quanto aos preceitos, que ordenam para o próximo, é manifesto que mais repugna à razão e é mais grave pecado o homem não conservar a ordem devida para com as pessoas a quem mais deve. Por isso, entre os preceitos que ordenam para o próximo, vem em primeiro lugar o que respeita aos pais. E, entre os outros preceitos, também a ordem se funda na da gravidade dos pecados. Assim, é mais grave e mais repugnante à razão pecar por obra, que por palavra; e por palavra, do que por intenção. E, entre os pecados por obra, é mais grave o homicídio, que priva da vida, do que o adultério, que torna incerta a prole nascitura. E o adultério é mais grave que o furto, relativo aos bens exteriores.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Embora, por via dos sentidos, o próximo seja mais conhecido que Deus, contudo, o amor de Deus é a razão do amor do próximo, como a seguir ficará claro (IIa IIae, q. 25, a. 1; IIa IIae, q. 26, a. 2). Por isso é que se estabeleceram, em primeiro lugar, os preceitos que ordenam para Deus.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Assim como Deus é a causa universal e o princípio da existência de todas as coisas, assim o pai é o princípio da existência do filho. Por isso era conveniente, depois dos preceitos relativos a Deus, estabelecer o concernente aos pais. Mas a objecção colhe, quando os preceitos afirmativos e os negativos respeitam ao mesmo género de obras. Embora também, neste ponto, não tenha omnímoda eficácia. Pois, na execução de uma obra, hão-de primeiro extirpar-se os vícios que semear as virtudes, conforme a Escritura (Sl 33, 15): Desvia-te do mal e faz o bem; (Is 1, 16-17), cessai de obrar perversamente, aprendei a fazer o bem. Contudo, quanto ao conhecimento, a virtude precede o pecado, pois, pelo recto é que se conhece o obliquo, como diz Aristóteles. Ora, pela lei se conhece o pecado, no dizer da Escritura (Rm 3, 20). E sendo assim, o preceito afirmativo devia ser posto em primeiro lugar. A razão da ordem porém não é esta, mas a exposta acima. Porque, nos preceitos referentes a Deus, concernentes à primeira tábua, está posto em último lugar o preceito afirmativo, porque a sua transgressão implica menor reato.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Embora o pecado intencional tenha precedência quanto à execução, contudo a razão apreende-lhe a proibição posteriormente.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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