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10/07/2014

Tratado da lei 49

Questão 100: Dos preceitos morais da lei antiga.

Art. 5 — Se os preceitos do decálogo estão convenientemente enumerados.

(III Sent., dist. XXXVII, a. 2, qª 2; III Cont., Gent., cap. CXX, CXXVIII; De Virtut., q. 2, a. 7, ad 10; Ad Rom., cap. XIII, lect. II).

O quinto discute-se assim. — Parece que os preceitos do decálogo estão inconvenientemente enumerados.

1. — Pois, o pecado, como diz Ambrósio é a transgressão da Lei divina e a desobediência aos mandamentos do céu. Ora, os pecados distinguem-se por o homem pecar contra Deus, contra o próximo, ou contra si mesmo. Entre os preceitos do decálogo porém, não há nenhum que ordene o homem para si mesmo, mas só há os que o ordenam para Deus e o próximo. Logo, é insuficiente a enumeração dos preceitos do decálogo.

2. Demais. — Assim como ao culto de Deus pertencia à observância do Sábado, assim também lhe pertencia a observância das outras solenidades e a imolação dos sacrifícios. Ora, entre os preceitos do decálogo, há um pertencente à observância do Sábado. Logo, também devia haver outros pertencentes às outras solenidades e ao rito dos sacrifícios.

3. Demais. — Pode pecar-se contra Deus, tanto perjurando, como blasfemando ou, de qualquer modo, mentindo contra a divina doutrina. Ora, foi estabelecido um preceito proibindo o perjúrio, quando se disse: não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão. Logo, os pecados de blasfémia e de falsa doutrina deviam ter sido proibidos por algum outro preceito.

4. Demais. — O homem tem amor natural tanto para com os pais como para com os filhos. Além disso, o mandamento da caridade estende-se a todo o próximo. Ora, os preceitos do decálogo ordenam-se para a caridade, conforme a Escritura (1 Tm 1, 5): o fim do preceito é a caridade. Logo, assim como foi feito um preceito relativo aos pais, assim também deveriam ter sido feitos outros relativos aos filhos e ao próximo.

5. Demais. — Em qualquer género de pecados podemos pecar pelo desejo ou por obras. Ora em certos géneros de pecados, como o do furto e do adultério, proíbe-se o pecado por obra, quando se diz — Não fornicarás, não furtarás, separadamente do pecado de desejo, quando se diz — Não cobiçarás os bens do teu próximo, e não cobiçarás a mulher do teu próximo. Logo, o mesmo se deveria ter feito em relação aos pecados do homicídio e de falso testemunho.

6. Demais. — O pecado tanto pode provir da desordem do concupiscível como da do irascível. Ora, alguns preceitos proíbem a concupiscência desordenada, como o que diz — não cobiçarás. Logo, o decálogo também devia conter alguns outros proibitivos da desordem do irascível. Logo, parece que os dez preceitos do decálogo não estão convenientemente enumerados.

Mas, em contrário, diz a Escritura (Dt 4, 13): Ele vos mostrou o seu pacto, que ordenou que observásseis, e as dez palavras que escreveu em duas tábuas de pedra.

Como já se disse (a. 2), assim como os preceitos da lei humana ordenam o homem para alguma comunidade humana, assim os da lei divina, para alguma comunidade ou república dos homens sob a direcção de Deus. Ora, para que alguém possa fazer parte de uma comunidade, exigem-se duas condições. A primeira é comportar-se devidamente para com o chefe da comunidade; a segunda, comportar-se devidamente para com os outros companheiros e coparticipes dessa comunidade. Logo, era necessário que, na lei divina, se estabelecessem, primeiro, alguns preceitos que ordenassem o homem para Deus; e, segundo, outros que o ordenassem para o próximo com quem convive simultaneamente, sob a direcção de Deus.

Ora, para com o chefe da comunidade o homem tem três obrigações: primeiro, a fidelidade; segundo, a reverência; terceiro, o famulado. — A fidelidade para com o Senhor consiste em não deferir a outro a honra do principado. E é isto que visa o primeiro preceito, quando diz: não terás deuses estrangeiros. — Em segundo lugar, a reverência para com o Senhor exige que não se lhe faça nada de injurioso. E isto visa o segundo preceito, quando diz: não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão. — Por fim, o famulado é devido ao Senhor em recompensa dos benefícios que dele recebem os súbditos. E isto visa o terceiro preceito, sobre a santificação do Sábado, em memória da criação das coisas.

Quanto ao próximo, para com ele procedemos devidamente, em especial e em geral. — Em especial, pagando o débito a quem devemos. E isto visa o preceito de honrar os pais. — Em geral, em relação a todos, não causando dano a ninguém, nem por obras, nem por palavras, nem por intenção. — Pois, por obra causamos dano ao próximo, ora atingindo-lhe a existência pessoal; o que é proibido pelo mandamento que diz — não matarás. Ora, atingindo uma pessoa que lhe é conjunta, para a propagação da prole, o que proíbe o preceito quando diz: não fornicarás. Outras vezes, causamos-lhe dano no bem que ele possui, que se ordena para uma e outra coisa; e isto visa quando diz: não furtarás. — Causar dano por palavras é proibido quando se diz: não dirás falso testemunho contra o teu próximo. — Por fim, o dano por intenção e proibido quando se diz: não cobiçarás

Ora, de acordo com esta diferença, podem distinguir-se três preceitos, que ordenam para Deus. Dos quais o primeiro respeita a obra, e por isso diz: não farás imagem de escultura. O segundo, à palavra, quando diz: não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão. O terceiro, à intenção; porque na santificação do sábado, enquanto preceito moral, se preceitua o descanso do coração em Deus. — Ou, segundo Agostinho, pelo primeiro preceito reverenciamos a unidade do primeiro princípio; pelo segundo, a verdade divina; pelo terceiro, a sua bondade, pela qual nos santificamos, e na qual descansamos, como no fim.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Podemos dar dupla resposta. — A primeira é que os preceitos do decálogo se referem ao mandamento do amor. Pois, era necessário dar ao homem um preceito sobre o amor de Deus e do próximo, porque, neste ponto, a lei natural ficou obscurecida pelo pecado. Mas, não era necessário preceituar sobre o amor de si mesmo, por que neste ponto, vigorava a lei natural. Ou porque o amor de si mesmo se inclui no de Deus e do próximo; pois, o homem verdadeiramente se ama a si mesmo, ordenando-se para Deus. Por isso, os preceitos do decálogo só se referem ao próximo e a Deus.

De outro modo, podemos dizer, que os preceitos do decálogo são os que o povo imediatamente recebeu de Deus. Por isso, diz a Escritura (Dt 10, 4): Escreveu em tábuas o que antes tinha escrito, as dez palavras que o Senhor vos tinha falado. Donde, era necessário que esses preceitos fossem tais que pudessem logo entrar na mente do povo, pois, um preceito tem natureza de obrigação devida. Ora, que o homem, tem necessariamente deveres para com Deus e o próximo, é facilmente compreensível para qualquer e, principalmente, para um fiel. Mas não é facilmente compreensível que, pelo que a si mesmo lhe pertence, e não a outrem, um homem tenha necessariamente algum dever para com outro. Pois, parece, ao primeiro aspecto, que cada um é livre quanto ao que lhe pertence. Por isso, os preceitos, que proíbem as desordens do homem para consigo mesmo, chegaram ao povo mediante a instrução dos prudentes. Donde o não pertencerem ao decálogo.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Todas as solenidades da lei antiga foram instituídas em comemoração de algum benefício divino, ou já realizado no passado, ou prefigurado, para o futuro. E semelhantemente, todos os sacrifícios eram oferecidos por isso. Ora, entre todos os benefícios de Deus a serem comemorados, o primeiro e o principal é o da criação, comemorado na santificação do Sábado. Donde, a Escritura, como razão deste preceito, diz (Ex 20, 11): Porque o Senhor fez em seis dias o céu e a terra etc. Quanto a todos os benefícios futuros, que deviam ser prefigurados, o principal e final era o repouso da mente em Deus, no presente, pela graça, ou, no futuro, pela glória, o que também estava figurado na observância do Sábado. Por isso, diz a Escritura (Is 58, 13): Se apartares do Sábado o teu pé, o fazer a tua vontade no meu santo dia, e chamares ao Sábado delicado e santo para glória do Senhor. Pois, estes benefícios estão, primeira e principalmente, na mente dos homens, sobretudo, fiéis. Quanto às outras solenidades, eram celebradas por causa de alguns benefícios temporais passageiros; como a celebração da Páscoa, por causa do benefício da passada libertação, do Egipto, e por causa da paixão futura de Cristo, realizada no tempo, e que nos conduz ao repouso do Sábado espiritual. Por onde, preteridas todas as outras solenidades e sacrifícios, só se faz menção do Sábado nos preceitos do decálogo.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Como diz o Apóstolo (Heb 6, 16), os homens juram pelo que há maior que eles, e o juramento é a maior segurança para terminar todas as suas contendas. Donde, sendo o jura­mento comum a todos, a desordem em relação a ele é especialmente proibida por um preceito do decálogo. O pecado porém de falsa doutrina não é senão de poucos; por isso, não era necessário fazer menção disso entre os preceitos do decálogo. Embora, segundo um modo de entender, o preceito — não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão — proíba a falsidade da doutrina; pois, uma Glosa expõe: não dirás que Cristo é uma criatura.

RESPOSTA À QUARTA. — A razão natural logo dita ao homem que a ninguém faça injúria; e por isso, os preceitos que proíbem o dano estendem-se a todos. A razão natural, porém, não dita imediatamente que se deva fazer alguma coisa em benefício de outrem, senão para com quem se tenha algum dever. Ora, os deveres do filho para com o pai são tão manifestos a ponto de não poderem ser negados por nenhuma tergiversação. Porque o pai é o princípio da geração e do ser e, além disso, da educação e da instrução. Por isso, não está entre os preceitos do decálogo, que devamos prestar algum benefício ou obséquio a alguém, salvo aos pais. Os pais porém não são considerados como devedores aos filhos, por quaisquer benefícios que deles houvessem recebido, mas, ao contrário. Pois, o filho é algo do pai, e os pais amam os filhos como algo deles, segundo diz o Filósofo. Donde, pelas mesmas razões, não se estabeleceram nenhuns preceitos, no decálogo, relativos ao amor dos filhos, como também nenhuns, que ordenassem o homem para si mesmo.

RESPOSTA À QUINTA. — O prazer do adultério e a utilidade das riquezas são desejáveis por si mesmos, enquanto têm a natureza de bem deleitável ou útil. E por isso os preceitos haviam necessariamente de proibir, não só a obra, mas também, a concupiscência. Ao contrário, o homicídio e a falsidade são em si mesmos horríveis; pois, o próximo e a verdade são naturalmente amados e não são desejados senão por causa de outra coisa. Donde, não era necessário, quanto aos pecados de homicídio e de falso testemunho, proibir o pecado de intenção, mas, só o de obra.

RESPOSTA À SEXTA. — Como já se disse (q. 25, a. 1), todas as paixões do irascível derivam das do concupiscível. Por isso, nos preceitos do decálogo, que são quase os primeiros elementos da lei, não se deviam mencionar as paixões do irascível, mas, só as do concupiscível.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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