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09/07/2014

Tratado da lei 48

Questão 100: Dos preceitos morais da lei antiga.

Art. 4 — Se os preceitos do decálogo se distinguem convenientemente.

O quarto discute-se assim. — Parece que os preceitos do decálogo se distinguem inconvenientemente.

1. — Pois, a latria é uma virtude distinta da fé. Ora, os preceitos são dados para regular os actos de virtude. E o que se diz no princípio do decálogo — Não terás deuses estrangeiros diante de mim — pertence à fé; o que se acrescenta — não farás para ti imagem de escultura, etc. — à latria. Logo, há duas sortes de preceitos, e não uma só, como diz Agostinho.

2. Demais. — Os preceitos afirmativos da lei, como — Honrarás a teu pai e a tua mãe — distinguem-se dos negativos, como — Não matarás. Ora, o preceito — Eu sou o Senhor teu Deus — é afirmativo; e o que se lhe acrescenta — Não terás deuses estrangeiros diante de ti — é negativo. Logo, há duas espécies de preceitos, e não uma só, como quer Agostinho.

3. Demais. — O Apóstolo diz (Rm 7, 7): eu não conheceria a concupiscência, se a lei não dissera — não cobiçarás. E, por aí se vê que o preceito — não cobiçarás — é um só. Logo, não devia dividir-se em dois.

Mas, em contrário, é a autoridade de Agostinho, ensinando que três são os preceitos relativos a Deus, e sete, ao próximo.

Os preceitos do decálogo alguns distinguem-nos diversamente. Assim, Hesíquio, comentando o lugar — dez mulheres cozam pães num só forno — diz que o preceito sobre a observação do Sábado não é um dos dez, porque não deve ser observado literalmente, em todo tempo. Distingue contudo quatro preceitos relativos a Deus. O primeiro é — Eu sou o Senhor teu Deus — o segundo — Não terás deuses estrangeiros diante de mim; e Jerónimo também distingue estes dois, comentando Oseas (Os 10, 10), por causa das suas duas iniquidades; o terceiro preceito diz que é: não farás para ti imagem de escultura; o quarto, enfim: não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão. Dos relativos ao próximo diz serem seis. O primeiro: Honrarás a teu pai e a tua mãe; o segundo: Não matarás; o terceiro: Não fornicarás; o quarto: não furtarás; o quinto: não darás falso testemunho; o sexto: não cobiçarás.

Mas, é inadmissível, que o preceito sobre a observação do Sábado seja posto entre os do decálogo, se de nenhum modo faz parte deles. Em segundo lugar, o dito — Ninguém pode servir a dois Senhores — parece ter a mesma razão e cair sob a alçada desses mesmos preceitos — Eu sou o Senhor teu Deus, e, Não terás deuses estrangeiros. E por isso Orígenes, distinguindo também quatro preceitos relativos a Deus, considera esses dois supra-referidos como um só; considera como segundo: não farás para ti imagem de escultura; como terceiro: não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão; e como quarto: lembra-te de santificar o dia de Sábado. Quanto aos outros seis, considera-os como Hesíquio.

Mas, como fazer imagem de escultura, ou semelhança, não é proibido senão para que não seja adorada como Deus, pois, no tabernáculo, Deus mandou fazer a imagem de um serafim, como se lê na Escritura (Ex 25, 18), por isso, Agostinho, mais convenientemente, considera um só preceito — Não terás deuses estrangeiros — e — Não farás imagem de escultura. Semelhantemente, desejar relação com mulher alheia é manifestação da concupiscência da carne. Ao passo que a cobiça das outras coisas, que se desejam possuir, pertence à concupiscência dos olhos. Donde, o mesmo Agostinho considera como dois preceitos: não cobiçar a casa alheia e a mulher alheia. E assim, considera três preceitos como relativos a Deus, e sete, ao próximo. E esta opinião é melhor.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A latria não é mais que uma protestação de fé. Por isso, não se deviam estabelecer uns preceitos sobre a latria e outros, sobre a fé. Mas, antes, deviam-se estabelecer alguns referentes à latria, que, à fé. Porque, o preceito sobre a fé é um pressuposto aos do decálogo, bem como o preceito do amor. Pois, assim como os primeiros preceitos comuns da lei da natureza são evidentes para quem tem a razão natural, e não precisam de promulgação; assim também o de crer em Deus é, em si e primariamente, conhecido a quem tem fé; porquanto, diz a Escritura, é necessário que o que se chega a Deus creia que há Deus. Por isso não precisa de nenhuma promulgação, senão da infusão da fé.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Os preceitos afirmativos distinguem-se dos negativos, quando um não está compreendido no outro. Assim, honrar os pais não inclui que não se mate ninguém, nem inversamente. Mas, quando o afirmativo está compreendido no negativo, ou inversamente, não se constituem preceitos diversos. Assim, — não furtarás — não constitui preceito diverso de — conservar a coisa alheia, ou, restituí-la. E por isto, crer em Deus e não crer em deuses alheios não são preceitos diversos.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Toda a concupiscência convém numa mesma razão; e por isso o Apóstolo se refere, singularmente, ao mandamento relativo à concupiscência. Como, porém, há razões diversas especiais de cobiçar, Agostinho distingue diversos preceitos relativos à repressão da concupiscência. Pois, as espécies diferem dela segundo a diversidade das acções ou dos concupiscíveis, como diz o Filósofo.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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