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24/06/2014

Tratado da lei 33

Questão 98: Da lei antiga.

Em seguida devemos tratar da lei antiga. E, primeiro, da lei em si mesma. Segundo, dos seus preceitos.

Na primeira questão discutem-se seis artigos:

Art. 1 — Se a lei antiga era boa.
Art. 2 — Se a lei antiga procedia de Deus.
Art. 3 — Se a lei antiga foi dada pelos anjos, ou imediatamente por Deus.
Art. 4 — Se a lei antiga devia ter sido dada só ao povo judeu.
Art. 5 — Se todos os homens estavam obrigados a observar a lei antiga.
Art. 6 — Se a lei antiga foi dada, no tempo conveniente, a Moisés.

Art. 1 — Se a lei antiga era boa.

(Art. seq., ad 1, 2; Ad Rom., cap. VII, lect. II, III; Ad Galat., cap. III, lect. VII, VIII; I Tim., cap. I, lect. II).

O primeiro discute-se assim. — Parece que a lei antiga não era boa.

1. — Pois, diz a Escritura (Ez 20, 25): Eu lhes dei uns preceitos não bons, e umas ordenanças nas quais eles não acharam a vida. Ora, uma lei não é considerada boa senão pela bondade dos preceitos que contém. Logo, a lei antiga não era boa.

2. Demais. — Pela sua bondade é que a lei é útil para o bem público, como diz Isidoro. Ora, a lei antiga não era salutar, mas antes, mortífera e nociva. Pois, diz o Apóstolo (Rm 7, 8): Sem a lei o pecado estava morto. E eu nalgum tempo vivia sem lei; mas quando veio o mandamento reviveu o pecado; e eu sou morto. E ainda (Rm 5, 20): Sobreveio a lei para que abundasse o pecado. Logo, a lei antiga não era boa.

3. Demais. — Pela sua bondade é que a lei é de observância possível, quanto à natureza e quanto ao costume humano. Ora, tal não era a lei antiga, conforme diz Pedro (At 15, 10): Porque tentais pôr um jugo sobre as cervizes dos discípulos, que nem nossos pais nem nós pudemos suportar. Logo, parece que a lei antiga não era boa.

Mas, em contrário, diz o Apóstolo (Rm 7, 12): Assim que, a lei é na verdade santa, e o mandamento é santo, e justo, e bom.

Sem nenhuma dúvida, a lei antiga era boa. Pois, assim como se manifesta verdadeira uma doutrina, por estar de acordo com a razão; assim, mostra ser boa uma lei, por estar de acordo com a razão recta. Ora, a lei antiga estava de acordo com a razão, pois reprimia a concupiscência, que lhe é contrária, como o prova aquele mandamento (Ex 20, 17): Não cobiçaras os bens do teu próximo. E também proibia todos os pecados contrários à razão. Donde é manifesto, que era boa. E esta é a razão do Apóstolo, quando diz (Rm 7, 22): Eu deleito-me na lei de Deus, segundo o homem interior; e ainda (Rm 7, 16): consinto com a lei, tendo-a por boa.

Devemos porém notar que a bondade tem diversos graus, como diz Dionísio. Assim há uma bondade perfeita e outra, imperfeita. A perfeita relativamente aos meios consiste em ser um meio tal, que por si mesmo é conducente ao fim. A imperfeita consiste em praticarmos algum acto para a consecução do fim, mas não bastante a atingi-lo. Assim, o remédio perfeitamente bom cura-nos; o imperfeito ajuda, mas não pode curar.

Ora, como sabemos um é o fim da lei humana, e outro, o da divina. O fim da lei humana é a tranquilidade temporal da cidade. E esse fim a lei consegue-o coibindo os actos exteriores, excluindo os males capazes, de perturbar a paz civil. Ao passo que a lei divina visa levar o homem ao fim da felicidade eterna, fim que todo pecado impede; e não só por actos externos, como também por internos. Portanto, o bastante à perfeição da lei humana, que é proibir os pecados e cominar a pena, não o é à perfeição da lei divina, que há de tornar o homem totalmente capaz de participar da felicidade eterna. Ora, isto não pode ser senão por graça do Espírito Santo, pela qual se difunde a caridade nos nossos corações, que cumpre a lei; pois, a graça de Deus é a vida eterna, como diz o Apóstolo (Rm 5, 5). Mas, esta graça a lei antiga não a podia conferir, pois isso estava reservado a Cristo. Porque, como diz João, a lei foi dada por Moisés, a graça e a verdade foi trazida por Jesus Cristo. Donde vem, que a lei antiga era, por certo boa, mas imperfeita, conforme (Heb 7, 19): a lei nenhuma coisa levou à perfeição.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — No lugar citado o Senhor fala dos preceitos cerimoniais, chamados não bons por não conferirem a graça, que purifica os homens do pecado, embora por eles os homens se mostrassem pecadores. Por isso assinaladamente diz: e umas ordenanças nas quais eles não achavam a vida, i. é, pelas quais não podem obter a vida da graça. E depois acrescenta: E permiti que eles se manchassem nos seus dons, i. é, mostrei-os manchados, quando para expiação dos seus pecados ofereciam lodo o que rompe o claustro materno.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Diz-se que a lei matava, não certamente efectiva, mas, ocasionalmente, por causa da sua imperfeição, por não conferir a graça, pela qual os homens pudessem cumprir o que ela mandava e evitar o que proibia. E assim, essa ocasião não era dada, mas tomada pelos homens. E por isso o Apóstolo diz, no mesmo lugar (Rm 5, 11): o pecado, tomando ocasião do mandamento, me enganou, e me matou pelo mesmo mandamento. E por esta razão diz: sobreveio a lei para que abundasse o pecado; onde se deve considerar a expressão — para que — não consecutiva, mas causalmente, i. é, porque os homens, tomando ocasião da lei, pecaram mais intensamente. Quer por ser o pecado mais grave, depois da proibição da lei; quer ainda porque a concupiscência aumentasse, pois, maior é a nossa concupiscência quando se trata do proibido.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O jugo da lei não podia ser suportado sem a graça coadjuvante, que a lei não dava. Pois, diz o Apóstolo (Rm 9, 16): querer e correr nos preceitos de Deus não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus usar da sua misericórdia. Donde o dizer a Escritura (Sl 118, 32): Corri pelo caminho dos teus mandamentos, quando dilataste o meu coração, i. é, pelo dom, da graça e da caridade.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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