Páginas

14/06/2014

Tratado da lei 23

Questão 96: Do poder da lei humana.

Em seguida devemos tratar do poder da lei humana.

E nesta questão discutem-se seis artigos:

Art. 1 — Se a lei humana deve ser feita para o bem comum ou antes, para o particular.
Art. 2 — Se à lei humana pertence coibir todos os vícios.
Art. 3 — Se a lei humana ordena os actos de todas as virtudes.
Art. 4 — Se a lei humana obriga no foro da consciência.
Art. 5 — Se todos estão sujeitos à lei.
Art. 6 — Se é lícito a quem está sujeito à lei agir fora dos termos dela.

Art. 1 — Se a lei humana deve ser feita para o bem comum ou antes, para o particular.

(V Ethic., lect XVI).

O primeiro discute-se assim. — Parece que a lei humana não deve ser feita para o bem comum, mas antes, para o particular.

1. — Pois, o Filósofo diz: Legal é a lei estabelecida para casos particulares; e também os decretos que regulam, como o legal, casos particulares, pois são expedidos para se aplicarem a actos particulares. Logo, a lei não é feita só para o bem comum, mas também para o particular.

2. Demais. — A lei é directiva dos actos humanos, como já se disse (q. 90, a. 1, a. 2). Ora, os actos humanos versam sobre o particular. Logo, a lei humana deve ser feita, não para o bem comum, mas antes, para o particular.

3. Demais. — A lei é a regra e a medida dos actos humanos, como já se disse (q. 90, a. 1, a. 2). Ora, a medida deve ser certíssima, como diz Aristóteles. Logo, nos actos humanos, não podendo haver nada a tal ponto certo que não falhe em casos particulares, parece que as leis devem ser feitas, não para o bem geral, mas para o particular.

Mas, em contrário, diz o jurisconsulto: O direito deve ser constituído para regular o que frequentemente se dá e não, para o que acontece fortuitamente.

Tudo o que existe para um fim deve ser-lhe proporcionado. Ora, o fim da lei é o bem comum; pois, como diz Isidoro, a lei deve ser estabelecida para a utilidade comum dos cidadãos, e não, para a utilidade privada. Donde, as leis humanas devem ser proporcionadas ao bem comum. Ora, este consta de muitos elementos, que portanto, a lei há de necessariamente visar; no concernente às pessoas, aos actos e aos tempos. Pois, a comunidade civil é composta de muitas pessoas, cujo bem é buscado por meio de muitas acções. Nem a lei é instituída para durar pouco tempo, mas para perdurar longamente, através da sucessão dos cidadãos, como diz Agostinho.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O Filósofo distingue três partes na justiça legal, que é o direito positivo. Pois algumas leis são, em si mesmas, estabelecidas para o bem geral; e são as leis gerais. E a esta luz, diz: ao legal é indiferente vir a ser de um ou de outro modo mas já não o é, quando está estabelecido: p. ex., que os prisioneiros sejam resgatados por um certo preço estatuído. — Outras são gerais, sob certo respeito e particulares, sob outro. E essas chamam-se privilégios, quase leis privadas, porque respeitam pessoas singulares, embora o seu vigor se estenda a muitos outros casos. E por isso acrescenta: além disso, todas as leis feitas para casos particulares. — Certas determinações também se chamam legais, não por serem leis, mas por constituírem aplicação das leis comuns a certos factos particulares; e tais são os decretos, tidos como leis. E, por isto, acrescenta: os decretos.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O que é directivo deve sê-lo de muitas coisas. Por isso, o Filósofo diz, que tudo o pertencente a um mesmo género é medido pelo que é primeiro nesse género. Pois, se fossem as regras ou as medidas tantas quantas as coisas medidas ou reguladas, cessaria por certo a utilidade daquelas, que consiste em podermos conhecer muitas coisas por meio de uma só. E assim, nenhuma utilidade teria a lei, se não abrangesse senão um acto particular. Ora, para dirigir actos particulares são estabelecidos os preceitos singulares dos prudentes. A lei, ao contrário, é um preceito comum, como já se disse (q. 92, a. 2 arg. 2).

RESPOSTA À TERCEIRA. — Não devemos buscar em tudo a mesma certeza, diz Aristóteles. Donde, nas coisas contingentes, como as naturais e as humanas, basta uma certeza tal, que seja um princípio verdadeiro, na maior parte dos casos, embora, em alguns possa a não vir a sê-lo.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.