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01/06/2014

Evangelho diário, comentário e leitura espiritual (Laicismo Subjectivismo e Relativismo)


Tempo de Páscoa
Semana VII
Evangelho: Mt 28, 16-20

16 Os onze discípulos partiram para a Galileia, para o monte que Jesus lhes tinha indicado. 17 Quando O viram, adoraram-n'O; alguns, porém, duvidaram. 18 Jesus, aproximando-Se, falou-lhes assim: «Foi-Me dado todo o poder no céu e na terra. 19 Ide, pois, ensinai todas as gentes, baptizando-as em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo, 20 ensinando-as a cumprir todas as coisas que vos mandei. Eu estarei convosco todos os dias até ao fim do mundo».

Comentário:

S. Mateus fala em “discípulos” o que significa que estariam presentes muitos mais além dos Doze. Farão parte daqueles os ''alguns que duvidaram.''
Há muitos homens, infelizmente, que ainda hoje passados dois mil anos, duvidam da Ressurreição de Cristo.

A uns, o assunto não lhes interessa, a outros convém-lhes não acreditar.
Os primeiros vivem na ignorância, os segundos na cobardia e aburguesamento.

Nos dois casos, porém, a atitude é voluntária e, por isso mesmo, grave.

Recusar-se conhecer é patético, não querer ser informado é obstinação.

Ambas atitudes serão justamente avaliadas e mais culpas terão os que recusaram as oportunidades que se lhes depararam para corrigir e, voluntariamente não o fizeram

(ama, comentário sobre Mt 28, 16-20, 2012.06.03)

Leitura espiritual



Temas


LAICISMO, SUBJECTIVISMO E RELATIVISMO


I.        Introdução

1.1       Quando foi levantada pela primeira vez e remetida ao Supremo Tribunal Federal a questão da legalidade do aborto de fetos anencéfalos, houve declarações de autoridades governamentais afirmando que esse assunto devia ser estudado exclusivamente como questão de saúde pública, e não do ponto de vista religioso ou ético.

1.2 O mesmo critério foi defendido quando começou a vir à tona o tema das experiências com células-tronco embrionárias. A oposição da CNBB, de outras entidades e de cidadãos particulares a essas experiências foi comentada na media como intromissão indevida da Igreja e da religião em assuntos científicos e em decisões de um Estado laico.

1.3 Na base dessa posição, há uma ideologia bem definida, o laicismo, que grupos internacionais lutam por impor, com força normativa, mesmo através dos organismos da ONU, da União Europeia e de outras instituições internacionais.

1.4 Como ponderaremos mais amplamente depois, a ideologia laicista considera como uma intromissão indevida no âmbito do Estado quaisquer manifestações públicas da Igreja (do Papa, das Conferências episcopais, de um Bispo ou mesmo de católicos individuais) sobre valores éticos que afetam a sociedade e o bem comum (p.e., projetos de lei sobre família, divórcio, aborto, eutanásia, uso de células-tronco embrionárias, etc.).

1.5 No entanto, paradoxalmente, os próprios laicistas militantes defendem, como uma exigência irrenunciável da democracia pluralista, o direito de outras entidades (que reúnem um número muito menor de adeptos que a Igreja Católica) de manifestar-se publicamente – e até mesmo de fazer pressão política, propaganda subvencionada por órgãos públicos ou lobby financeiro – sobre assuntos éticos, e também questões sociais e políticas do âmbito do Estado (dos três poderes): p. e. o Movimento Gay, quando postula um reconhecimento legal do “matrimónio” homossexual; os grupos ecológicos New Age, quando exigem leis que se equiparem em tudo os animais aos seres humanos; ou as organizações – políticas ou não – de ideologia marxista, que defendem a necessidade de mudar a legislação brasileira e passar a adotar legislação de cunho cubano-castrista. Na prática, parece ficar evidente que, para os laicistas, numa sociedade
democrática e pluralista todos devem ter voz... menos os católicos.

1.5 Para esclarecer os equívocos existentes em relação a essas questões, é importante distinguir com clareza a diferença que existe entre a laicidade e o laicismo.

II. Laicidade e pluralismo

2.1 Entende-se por laicidade a distinção entre a esfera política e a religiosa. Chama-se "Estado laico" aquele que não é confessional, isto é, que não adotou – como era comum em séculos passados – uma religião como religião oficial do Estado [o que hoje acontece em diversos países islâmicos]. A Igreja considera essa distinção como um "valor adquirido e reconhecido pela Igreja", que "faz parte do patrimônio da civilização..." [1]

2.2 A laicidade do Estado fundamenta-se na distinção entre a esfera política e a religiosa.
Entre o Estado e a Igreja deve existir um mutuo respeito pela autonomia de cada parte.

2.3 O princípio de laicidade comporta, portanto, em primeiro lugar, por parte do Estado, o respeito de todas as confissões religiosas. O Estado deve "assegurar o livre exercício das actividades cultuais (de culto), espirituais, culturais e caritativas das comunidades dos crentes.
Numa sociedade pluralista, a laicidade é um lugar de comunicação entre as diferentes tradições espirituais e a nação" [2]

2.4 O princípio de laicidade pressupõe:

a) independência (não-dependência) do Estado em relação a qualquer igreja ou comunidade religiosa, e também a independência em relação a questões estritamente religiosas (um credo, um ritual, etc.); bem como a não-intervenção em assuntos estritamente religiosos, de competência exclusiva das igrejas e comunidades; b) o respeito, por parte do Estado, do direito à liberdade religiosa, sem outros limites que a ordem pública. Desde que a ordem pública não seja afetada
 (com tumultos, brigas, mortes, condutas imorais, privações de liberdades fundamentais, etc.), as confissões religiosas gozam da liberdade reconhecida pela Declaração dos Direitos Humanos da ONU, de 10/12/1948, art. 2, 1: "toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Esse direito inclui [...] o direito de manifestar a sua religião ou crença, individual ou coletivamente,
tanto em público como em privado, por meio do ensino, a prática, o culto, etc.".
Também a Declaração Dignitatis Humanae (n. 4) do Concílio Vaticano II afirma o direito à liberdade religiosa das diversas confissões religiosas: direito ao culto público, à formação dos seus fiéis, à promoção de instituições conformes com seus princípios religiosos; o direito de não serem impedidas no ensino e profissão pública da sua fé, de palavra ou por escrito; e o direito de estabelecer associações (educativas, culturais, caritativas, sociais, etc.).

2.5 A laicidade, bem entendia, não pode significar, porém, que os católicos e os membros de outras confissões religiosas devam abster-se de basear-se na "lei moral" em sua actuação social e pública: por exemplo, na defesa do valor da vida humana desde o seu início até o seu fim natural, da família, da educação, de justiça social, etc. É importante ter em conta que há uma ética, uma moral natural, uns valores éticos essenciais (valor da vida, valor da palavra dada, valor da honestidade que não cede à corrupção, valor da fidelidade aos compromissos, valor da família como célula-base da sociedade, etc.) que, como repete Bento XVI, “não são negociáveis” [3] Trata-se de questões éticas fundamentais, conquistadas pela reflexão racional, que constituem tesouros de sabedoria acumulada ao longo da história sobre temas importantes de "antropologia filosófica".

2.6 Como recorda o Compêndio da doutrina social da Igreja, "a laicidade, de facto, significa, em primeiro lugar, a atitude de quem respeita as verdades resultantes do conhecimento natural que se tem do homem que vive em sociedade, mesmo que essas verdades sejam contemporaneamente ensinadas por uma religião específica, pois a verdade é uma só. Buscar sinceramente a verdade, promover e defender com meios lícitos as verdades morais concernentes à vida social – a justiça, a liberdade, o respeito à vida e aos demais direitos da pessoa – é direito e dever de todos os membros de uma comunidade social e política"
2.7 Na já citada Nota doutrinal da Congregação para a Doutrina da Fé sobre a participação dos católicos na vida política, faz-se, no n. 6, uma exposição muito clara sobre a questão da laicidade e o pluralismo. Vale a pena citar o texto:
“Todos os fiéis têm plena consciência de que os actos especificamente religiosos (profissão da fé, prática dos actos de culto e dos sacramentos, doutrina teológicas, comunicação recíproca entre as autoridades
religiosas e os fiéis, etc.) permanecem fora da competência do Estado, que nem deve intrometer-se neles nem, de forma alguma, exigi-los ou impedi-los, a menos que haja fundadas exigências de ordem pública [...].
Completamente diferente é a questão do direito-dever dos cidadãos católicos, aliás como de todos os demais cidadãos, de procurar sinceramente a verdade e promover e defender com meios lícitos as verdades morais relativas à vida social, à justiça, à liberdade, ao respeito da vida e de outros direitos da pessoa. O facto de algumas dessas verdades serem também ensinadas pela Igreja não diminui a legitimidade civil e a “laicidade” do empenho dos que com elas se identificam, independentemente do papel que a busca racional e a confirmação ditada pela fé tenham tido no reconhecimento por parte de cada cidadão.
A “laicidade”, de facto, significa, em primeiro lugar, a atitude der quem respeita as verdades resultantes do conhecimento natural que se tem do homem que vive em sociedade, mesmo que essas verdades sejam contemporaneamente ensinadas por uma religião específica, pois a verdade é uma só [...].
Intervindo nesta matéria, o Magistério da Igreja não pretende exercer um poder político nem eliminar a liberdade de opinião dos católicos em questões contingentes. Entende, ao invés – como é sua função própria – instruir e iluminar a consciência dos fiéis, sobretudo dos que se dedicam a uma participação na vida política, para que o seu operar esteja sempre a serviço da promoção integral da pessoa e do bem comum [...].
Nas sociedades democráticas todas as propostas são discutidas e avaliadas livremente.
Aquele que, em nome do respeito à consciência individual, visse no dever moral dos cristãos de serem coerentes com a própria consciência um sinal para desqualificá-los politicamente, negando a sua legitimidade de agir em política de acordo com as próprias convicções, cairia numa espécie de intolerante laicismo. Com tal perspectiva pretende-se negar não só qualquer relevância política e cultural da fé cristã, mas até a própria possibilidade de uma ética natural. Se assim fosse, abrir-se-ia caminho a uma anarquia moral, que nunca teria nada a ver com qualquer forma de legítimo pluralismo. A prepotência do mais forte sobre o mais fraco seria a consequência lógica de uma tal impostação”.

2.8 Portanto, a separação entre Igreja e Estado, a "laicidade" do Estado, não significa que o Estado possa negar à Igreja o direito e o dever de contribuir para o bem da sociedade (em assuntos não estritamente "religiosos"), ou que se impeça aos católicos de terem as suas opiniões, de defendê-las e de cumprir com a sua responsabilidade e o seu direito à participação na vida pública, como qualquer cidadão. Um Estado que não respeitasse um espaço para a Igreja na sociedade, ou negasse o direito dos católicos de expressar – como qualquer outro cidadão – as suas opiniões e opções políticas pessoais, teria acabado com a democracia, cairia no sectarismo, no totalitarismo ideológico e prático.

III. O laicismo

3.1 Completamente diferente da laicidade é o laicismo, uma ideologia que hoje, em todo o mundo ocidental – e cada vez mais no Brasil – pretende impor-se como a única democrática e admissível. Tem trânsito livre na grande imprensa e na media mais poderosa, que é seu porta-voz, que é – como já foi dito mais de uma vez –, o seu "Magistério laico" e, ao mesmo tempo, o seu "Tribunal da Inquisição laica", tribunal que, por princípio, fustiga, ridiculariza e "excomunga" todos os que não aceitam o mesmo modo de pensar.

3.2 Em que consiste o laicismo? Como dizia João Paulo II (24/1/2005), na prática actual, é "uma ideologia que leva gradualmente, de forma mais ou menos consciente, à restrição da liberdade religiosa até promover um desprezo ou ignorância de tudo o que seja religioso, relegando a fé à esfera do privado e opondo-se à sua expressão pública". E, em 12/1/2004: "Um correcto conceito de liberdade religiosa não é compatível com essa ideologia, que às vezes se apresenta como a única voz da racionalidade. Não se pode cercear a liberdade religiosa sem privar o homem de algo que é fundamental".

3.3 Um Estado que afirme respeitar as convicções dos cidadãos laicistas, pela mesma razão (se pratica honestamente o pluralismo democrático) é obrigado a respeitar as convicções dos cidadãos cristãos. Caso contrário, imporia – como já foi dito – um dogma laico e violaria o princípio da igualdade de direitos.

IV. As falácias do laicismo

4.1 O laicismo quer silenciar os cristãos, alegando que eles pretendem impor ao Estado posições, soluções ou proibições que têm apenas como base a fé, a religião, coisa que é incompatível com o Estado laico, que não pode adotar soluções "religiosas", mas apenas "racionais".
Como nos tempos áureos do Iluminismo, não hesitam em contrapor, como incompatíveis, razão e fé, e em proclamar que há incompatibilidade entre a fé e a ciência, ciência que, para eles, é a única que interessa, por ser – com reiteram uma e outra vez – o campo próprio da razão, que é a única que interessa nas questões sociais e políticas.

4.2 Nisso há uma evidente falácia. Porque, mesmo que os cristãos, cumprindo com o seu dever de consciência, defendessem posições em matérias políticas e sociais baseadas nas suas convicções "cristãs", um Estado democrático e pluralista – é preciso repeti-lo, frisá-lo sem cessar – deveria respeitar essas posições como respeita quaisquer outras inspiradas em “crenças ideológicas”.

4.3 Pelo que mostramos até agora, fica patente que, hoje, quando um cristão coerente defende as suas convicções, as suas "opiniões" (às quais, como cidadão, tem direito), a máquina laicista o agride de palavra e por escrito, tenta silenciá-lo e procede à sua "exclusão" cívica, com o apoio e o aplauso de políticos e de quase toda a media. Um exemplo paradigmático é o da exclusão do ministro italiano Rocco Buttiglione do Conselho da União Europeia, por ter manifestado a sua opinião “privada” contrária ao aborto, mesmo que não a defendesse – omissão de que se penitenciou depois publicamente – quando o Parlamento europeu aprovou o aborto. Estamos perante a negação do pluralismo, do diálogo e da verdadeira democracia.

4.4 Mas é necessário dar ainda mais um passo para compreender as falácias do laicismo.
No campo social e político, os católicos conscientes e responsáveis defendem (pode-se dizer que em 99,9% dos casos, se não em 100%) posições que decorrem, não diretamente da religião nem da Revelação divina, mas apenas da Ética racional, como já vimos. Fazem-no seguindo uma visão filosófica respeitável, baseada na antropologia filosófica e na ética natural (não sobrenatural).
São precisamente os católicos os que, nessas matérias, mais invocam a racionalidade e a ciência (e não Encíclicas ou outros documentos magisteriais da Igreja). Este é, por exemplo, o caso da defesa do dado cientificamente inegável de que a vida “humana” começa no instante da concepção; e, em consequência, de que a manipulação de células embrionárias é um desrespeito e um atentado contra a vida “humana”.

4.5 Qualquer pessoa culta sabe que os pais da Ética natural, racional, foram os filósofos gregos, principalmente Sócrates e o seu discípulo Platão; depois, dando um passo à frente, Aristóteles ("Ética a Nicómaco", "Grande Ética"), e os filósofos estoicos (Epicteto), até se chegar a Cícero, com seu tratado moral de inspiração estoica, intitulado "De officiis" ("Dos deveres")", e a Séneca com suas "Cartas a Lucílio", etc. Nenhum deles pretendia fazer teologia. A indagação fundamental de todos eles não era "o que Deus quer ou manda", mas "qual é a verdadeira felicidade humana", e assim toda a ética racional foi – também entre muitos cristãos, que sabem distinguir entre Ética racional e Moral cristã – , um esforço da razão para achar as respostas certas a essa indagação básica sobre o verdadeiro bem e a verdadeira felicidade do homem e da sociedade.
Esse esforço acumulou séculos de sabedoria e atingiu cumes muito elevados do pensamento humano, que hoje a ditadura ideológica do laicismo pretende ignorar. Mas prescindir dessas conquistas da inteligência humana acarreta um empobrecimento do pensamento, da cultura, da vida social e, sobretudo, da dignidade humana.

4.6 Na argumentação laicista, muitos ignoram ou prescindem desses tesouros do pensamento ético. Mas, mesmo não os ignorando, é frequente que, na hora de defender as suas posições – conforme as conveniências de uma posição já tomada com “voluntarismo prévio” –
mudem a argumentação e se contradigam, isto é, que abandonam a sua defesa da "razão contra o obscurantismo religioso", e passem a descartar essa mesma "razão" como imprestável, inútil e inconsistente, no campo da ética e dos valores. Segundo as conveniências, pois, umas vezes invocam a razão contra a religião, e, em outras ocasiões, arremetem contra a “pretensão” de usar a razão para conhecer a verdade, invocando o agnosticismo, considerado, sem debate, como o moderno "dogma de fé" filosófico: o dogma que afirma ser impossível conhecer a verdade, e que, por isso, não se pode mais falar em "verdade".

4.7 O agnosticismo, e o consequente relativismo, “levaram a investigação filosófica [à procura racional do ser e da verdade] a perder-se nas areias movediças de um cepticismo geral [...]. A legítima pluralidade de posições cedeu o lugar a um pluralismo indefinido, fundado no pressuposto de que todas as posições são equivalentes: trata-se de um dos sintomas mais difusos, no contexto atual, da desconfiança na verdade [...]. Neste horizonte, tudo fica reduzido a mera opinião”[4]

4.8 Essas palavras da Encíclica Fides et Ratio são um retrato do nosso tempo. Suprimida a capacidade da razão para atingir verdades, negada a existência de verdades objetivas e universais, o que resta? Só a vontade, o puro e simples querer, apetecer, desejar. Toda a Encíclica Veritatis Splendor desmascara e alerta sobre os perigos dessa tendência de fazer da liberdade a fonte da verdade, isto é, de só aceitar como "verdadeiro" e "certo", em cada momento (pois tudo é relativo) o que livremente escolhe a "maioria", por consenso. Por exemplo, se os legisladores ficarem de acordo em dizer que a vida começa quando a criança tem dois anos de idade (e que, em consequência, até os dois anos a criança pode ser eliminada), esse "consenso" será "a verdade" que todos deverão acatar. Dentro dessa ideologia laicista, agnóstica e relativista, deixa de haver qualquer "referencial" objectivo, absoluto e permanente da verdade e do bem. Sobra apenas, como lei, o desejo, o interesse, os apetites e paixões, desde que os que fazem as leis cheguem a um "consenso".

4.9 Entende-se, por isso, que o Compêndio da Doutrina Social da Igreja diga, no n. 572, como já lembrávamos: "Chega-se também e mais radicalmente a negar a ética natural. Esta negação, que faz entrever uma condição de anarquia moral, cuja consequência é a prepotência do mais forte sobre o mais fraco, não pode ser acolhida por nenhuma forma legítima de pluralismo, porque mina as próprias bases da convivência humana”.

4.10 Acontece, porém que, na atual mentalidade predominante, laicista e agnóstica, em que "tudo é convencional, tudo é negociável" [5], como dizia João Paulo II, a "prepotência do mais forte sobre o mais fraco", a imposição ditatorial é inevitável, pela simples razão de que os mais fortes economicamente, politicamente e "mediaticamente" são os que dominam os organismos políticos nacionais e internacionais, e impõem, ou manipulam com dinheiro, a opinião de uma minoria de grupos poderosos, como se fosse a opinião majoritária do povo.
Por ex., é um facto que em todas as decisões da ONU e dos seus organismos sobre família a mulher a natalidade, etc., dominam as poderosas ONGS (dotadas de bilhões de dólares) do Movimento Gay e do Movimento Feminista (“parenthood”, "for choice", abortista, antinatalista).
Centenas de ONGS católicas, ou cristãs de outras denominações, ou simplesmente defensoras da ética natural, são barradas ou anuladas (e não obtém jamais, como é lógico, ajudas ou subvenções das poderosas fontes internacionais que alimentam as outras). Deste modo, vai-se impondo no mundo, de maneira sistemática e massiva, a ideologia laicista, uma verdadeira ditadura do relativismo, para usar a expressão de Bento XVI.

4.9 Por isso, e já como conclusão, é natural que, que o n. 570 do Compêndio da Doutrina Social da Igreja, citando o n. 39 da Exortação apostólica Christifideles laici, de João Paulo II, frise o seguinte: "Tenha-se presente que, em face das múltiplas exigências morais fundamentais e irrenunciáveis, o testemunho cristão deve considerar-se um dever inderrogável que pode chegar ao sacrifício da vida, ao martírio, em nome da caridade e da dignidade humana”.
Mais recentemente, Bento XVI, no n. 83 da Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis, de 22/2/2007, reafirma o dever do cristão de dar o “testemunho público da sua fé”, e acrescenta as seguintes palavras: Isso – o testemunho público da fé – “vale para todos os baptizados, mas impõe-se com particular premência a quantos, pela posição social ou política que ocupam, devem tomar decisões sobre valores fundamentais como o respeito e defesa da vida humana desde a concepção até a morte natural, a família fundada sobre o Matrimônio entre um homem e uma mulher, a liberdade de educação dos filhos e a promoção do bem comum em todas as suas formas. Esses são valores não negociáveis”.

Pe. Francisco Faus






[1] Pontifício Conselho “Justiça e Paz”, Compêndio de doutrina social da Igreja, , Ed. Paulinas, São Paulo 2005, n. 571.
[2] João Paulo II, Discurso ao Corpo Diplomático, 12 de janeiro de 2004. In Compêndio de Doutrina Social da Igreja, n. 572 3
[3] Bento XVI, Exortação Apostólica Sacramentum caritatis, de 22/2/2007, n. 834 n. 5714.
[4] João Paulo II, Enc. Fides et ratio, 14/9/1998, n. 5
[5] João Paulo II, Enc. Evangelium Vitae, 25/3/1995, n. 20

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