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17/05/2014

Tratado dos vícios e pecados 92




Questão 89: Do pecado venial em si mesmo.

Em seguida devemos tratar do pecado venial em si mesmo. E nesta questão discutem-se seis artigos:

Art. 1 — Se o pecado venial causa mácula na alma.
Art. 2 — Se os pecados veniais são designados convenientemente pela madeira, pelo feno e pela palha.
Art. 3 — Se o homem, no estado de inocência, podia pecar venialmente.
Art. 4 — Se um anjo bom ou mau pode pecar venialmente.
Art. 5 — Se os primeiros movimentos da sensualidade, nos infiéis, são pecados mortais.
Art. 6 — Se o pecado venial pode coexistir numa pessoa só com o original.

Art. 1 — Se o pecado venial causa mácula na alma.

(III, q. 87, a. 2, ad3; IV Sent., dist. XVI, q. 2, a. 1, qª 2, ad3; a. 2, qª 1, ad 1).

O primeiro discute-se assim. — Parece que o pecado venial causa mácula na alma.

1. — Pois, diz Agostinho, que os pecados veniais, quando multiplicados, exterminam de tal modo a nossa beleza, que nos privam dos amplexos do esposo celeste. Ora, a mácula não é mais do que um detrimento da beleza. Logo, os pecados veniais causam mácula na alma.

2. Demais. — O pecado mortal causa mácula na alma pela desordem no acto e no afecto do pecador. Ora, o pecado venial é uma desordem no acto e no afecto. Logo, causa mácula na alma.

3. Demais. — A mácula da alma é causada pelo apegar-se a um objecto temporal, com amor, como se disse (q. 86, a. 1). Ora, pelo pecado venial a alma apega-se com amor desordenado a um objecto temporal. Logo, o pecado causa mácula na alma.    

Mas, em contrário, diz a Escritura (Ef 5, 27): Para a apresentar a si mesmo Igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, i. é, comenta a Glosa, sem qualquer pecado criminal. Logo, parece ser próprio do pecado mortal o causar mácula na alma.

Como do sobredito se colhe (q. 86, a. 1), a mácula implica detrimento na beleza, proveniente de algum contacto. Vemos bem isso nas coisas corpóreas, por semelhança com as quais se transferiu para a alma o nome de mácula. Ora, a beleza do corpo é dupla — a proveniente da disposição intrínseca dos membros e da cor, e a do esplendor externo que se lhe acrescenta. O mesmo se dá com a alma: uma é a sua beleza habitual, quase intrínseca; outra, a actual, um quase fulgor externo. Ora, o pecado venial macula certamente a beleza actual, mas não a habitual, por não excluir nem diminuir o hábito da caridade e das outras virtudes, como a seguir se dirá (IIa IIae q. 24, a. 10; q. 133, a. 1 ad 2), mas por só lhes impedir o acto. E sendo a mácula algo de aderente ao ser maculado, conclui-se que ela implica detrimento, antes da beleza habitual, que da actual. Donde, em sentido próprio, o pecado venial não causa mácula na alma. E só em certo sentido se pode dizer que a causa, por empanar o esplendor resultante dos actos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Agostinho refere-se ao caso de muitos pecados veniais levarem, dispositivamente, ao mortal; pois em contrário, não poderiam impedir o amplexo do esposo celeste.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A desordem do acto pecaminoso mortal, corrompe o hábito da virtude; não porém a do pecado venial.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Pelo pecado mortal a alma busca com amor e como fim um bem temporal. E por isto perde totalmente o influxo do esplendor da graça, que desce sobre os unidos pela caridade, com Deus, como fim último. Ora pelo pecado venial o homem não se une a nenhuma criatura como ao fim último. Portanto, a comparação não colhe.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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