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15/05/2014

Tratado dos vícios e pecados 90

Questão 88: Do pecado venial e do mortal.

Art. 5 — Se a circunstância pode tornar mortal o pecado venial.

(IV Sent., dist. XVI, q. 3, a. 2, qª 4; De Malo, q. 2, a. 8; q. 7, a. 4).

O quinto procede-se assim. — Parece que a circunstância pode tornar mortal o pecado venial.

1. — Pois, diz Agostinho, que a iracúndia prolongada e a embriaguez frequente passam para o número dos pecados mortais. Ora, a ira e a embriaguez não são genericamente pecados mortais, mas veniais; de contrário, sempre seriam mortais. Logo, a circunstância pode tornar mortal o pecado venial.

2. Demais. — O Mestre das Sentenças diz, que se a deleitação for morosa, o pecado é mortal; Se porém não o for, é venial. Ora, a morosidade é uma circunstância. Logo, a circunstância pode tornar mortal o pecado venial.

3. Demais. — Mais difere o mal, do bem, que o pecado venial do mortal, males genericamente. Ora, a circunstância pode tornar mal um acto bom, como quando se dá esmola por vanglória. Logo, com maior razão, podem tornar mortal o pecado venial.

Mas, em contrário, sendo a circunstância um acidente, a ela não quantitativamente pode exceder a quantidade genérica do acto; pois, o sujeito sempre tem preeminência sobre o acidente. Se portanto o acto for genericamente pecado venial, a circunstância não poderá torná-lo mortal; pois, o pecado mortal excede de certo modo infinitamente a quantidade do venial, como do sobredito resulta (q. 72, a. 5 ad 1; q. 87, a. 5 ad 1).

Como dissemos (q. 7, a. 1; q. 18, a. 5 ad 4, a. 10, a. 11), quando tratamos delas, as circunstâncias são, como tais, acidentes do acto moral. Mas podem também ser consideradas diferença específica desse acto; e então deixam de ser circunstâncias e constituem uma espécie do acto moral. E isto dá-se quando a circunstância acrescenta ao pecado uma deformidade de outro género. Assim, o acto de quem coabita com mulher que não a sua, assume a deformidade oposta à castidade; mas se essa for além disso esposa de outrem, acrescenta-lhe a deformidade oposta à justiça, com a qual colide quem usurpa as coisas alheias. Por isso, tal circunstância constitui nova espécie de pecado, chamada adultério. Mas é impossível uma circunstância transformar o pecado venial, em mortal, salvo se causar uma deformidade de outro género. Pois, como se disse, a deformidade do pecado venial está em causar desordem relativa aos meios; ao passo que a do mortal é relativa ao fim último. Donde e manifestamente, a circunstância, como tal, não pode tornar mortal o pecado venial; senão apenas quando lhe muda a espécie e se transforma, de certo modo, em diferença específica do acto moral.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A diuturnidade não é circunstância que mude a espécie do acto; do mesmo modo, nem a repetição ou frequência, salvo acidentalmente, por algum elemento sobreveniente. Pois um acto não vem a ser de nova espécie por multiplicar-se ou protelar-se; salvo se sobrevier ao acto protelado ou multiplicado algum elemento capaz de lhe variar a espécie, como a desobediência ou o desprezo ou outro semelhante. — Devemos, pois concluir: sendo a ira um movimento da alma, conducente a fazer mal ao próximo, se esse mal, intencionado pelo acto da ira for genericamente pecado mortal — como o homicídio ou furto — tal ira é genericamente pecado mortal. Mas o ser pecado venial advém-lhe da imperfeição do acto, enquanto movimento súbito da sensualidade. Se porém for diuturna, volta à natureza do seu género, pelo consentimento da razão. Mas, se o mal intencionado pelo movimento da ira for genericamente venial, como quando uma pessoa, irada contra outra, vai-lhe dizer alguma palavra leve e jocosa que a ofenda um tanto, então não será pecado mortal, embora seja prolongada. E só por acidente poderá sê-lo, se, p. ex., daí nascer um grave escândalo ou coisa semelhante. — Quanto à embriaguez devemos admitir que pode, por essência, ser pecado mortal. Pois, tornar-se o homem incapaz, sem necessidade, só pelo prazer do vinho, de usar da sua razão, que o ordena para Deus e o faz evitar muitos pecados possíveis, isso contraria expressamente à virtude. Por outro lado, o ser pecado venial advém-lhe de alguma ignorância ou fraqueza. Tal é o caso de quem ignora as virtudes do vinho, ou a debilidade própria, não pensando venha a embriagar-se. Pois então imputa-se-lhe por pecado, não a embriaguez, mas só o excesso na bebida. Se porém se embriaga frequentemente não pode desculpar-se, com essa ignorância, de que a sua vontade prefere, antes, entregar-se à embriaguez, que abster-se do vinho supérfluo. E portanto o pecado volta à sua natureza.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A deleitação morosa não é considerada pecado mortal senão quando tem como objecto o que o constitui, genericamente, tal. E em relação a esse objecto, a deleitação não morosa é pecado venial, isto é, pela imperfeição do acto, como dissemos, a respeito da ira. Pois, é a aprovação da razão deliberante que torna a ira diuturna e a deleitação, morosa.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Só quando constitui uma espécie de pecado a circunstância transforma o acto bom em mau, como estabelecemos (q. 18, a. 5 ad 4).

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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