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31/05/2014

Tratado da lei 09

Questão 91: Da diversidade das leis.

Art. 5 — Se há só uma lei divina.

(Infra, q. 107, a. I; Ad Galat., cap. I, lect. II).

O quinto discute-se assim. — Parece que a lei divina é só uma.

1. — Pois, no mesmo reino, a lei do rei é só uma. Ora, todo o género humano está para Deus como para um rei, conforme a Escritura (Sl 46, 8): Deus é o rei de toda a terra. Logo, há só uma lei divina.

2. Demais. — Toda lei se ordena ao fim que o legislador visa relativamente àqueles para os quais legisla. Ora, em relação aos homens, Deus visa uma mesma coisa, segundo a Escritura (1 Tm 2, 4): Quer que todos os homens se salvem, e que cheguem a ter o conhecimento da verdade. Logo, a lei divina é só uma.

3. Demais. — A lei divina parece estar mais próxima da lei eterna, que é una, do que a lei natural, por ser mais elevada a revelação dá graça do que o conhecimento da natureza. Ora, a lei natural é a mesma para todos os homens. Logo, com maior razão, a lei divina.

Mas, em contrário, diz o Apóstolo (Heb 7, 12): Mudado que seja o sacerdócio, é necessário que se faça também mudança da lei. Ora, como no mesmo lugar se diz, duplo é o sacerdócio: o levítico e o de Cristo. Logo, também dupla há-de ser a lei divina; a antiga e a nova.

Como já dissemos na Primeira Parte (q. 30, a. 3), a distinção é a causa do número. Ora, podem as coisas distinguir-se de dois modos. — De um, quando absoluta e especificamente diversas, como o cavalo e o boi. — De outro, como o perfeito se distingue do imperfeito, dentro da mesma espécie; assim, a criança, do homem. Ora, é deste modo que a lei divina se distingue em lei antiga e nova. Donde, o Apóstolo (Gl 3, 24-25) compara o estado da lei antiga ao da criança dirigida por um mestre; e o da lei nova, ao do homem perfeito, que já não precisa de mestre.

Ora, a perfeição e imperfeição da lei fundam-se nas suas três funções, já antes expostas. — Assim, primeiramente, pertence à lei ordenar para o bem comum, como para o fim, segundo já dissemos (q. 90, a. 2). E esse bem pode ser duplo. Um é o bem sensível e terreno, ao qual ordenava directamente a lei antiga. Por isso, logo no princípio, o povo é convidado ao reino terrestre dos cananeus. O outro é o bem inteligível e celeste, ao qual ordena a lei nova. Por isso, Cristo, logo no princípio da sua pregação, convida para o reino dos céus, dizendo (Mt 4, 17): Fazei penitência, porque está próximo o reino dos céus. Donde o dizer Agostinho, que as promessas das coisas temporárias estão contidas no Antigo Testamento, que, por isso, se chama antigo; ao passo que a promessa da vida eterna pertence ao Novo Testamento. Em segundo lugar, à lei pertence dirigir os actos humanos conforme à ordem da justiça. No que também a lei nova extravasa a antiga, ordenando os actos internos da alma, conforme a Escritura (Mt 5, 20): Se a vossa justiça não for maior e mais perfeita do que a dos Escribas e dos Fariseus, não entrareis no reino dos céus. E, por isso se diz, que a lei antiga coíbe as mãos, a nova, a alma. — Em terceiro lugar, pertence à lei levar os homens à observância dos mandamentos. E isto, que a lei antiga fazia, pelo temor das penas, a nova o faz pelo amor, infundido em nossos corações pela graça de Cristo, conferida na lei nova, e figurada apenas, na antiga. Donde o dizer Agostinho: O temor e o amor, eis a breve diferença entre a Lei e o Evangelho.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Na casa o pai de família propõe uma ordem aos filhos e outra, aos adultos. Assim também o mesmo rei, Deus, dá, no seu reino, uma lei aos homens, que ainda vivem na imperfeição, e outra, mais perfeita, aos que pela lei anterior chegaram à capacidade maior das coisas divinas.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A salvação dos homens não podia vir senão de Cristo, conforme a Escritura (At 4, 12): Nenhum outro nome foi dado aos homens pelo qual nós devamos ser salvos. Donde, a lei, que perfeitamente conduz todos à salvação, não podia ser dada senão depois do advento de Cristo. Mas antes dela, era necessário que fosse dada ao povo, do qual Cristo havia de nascer, uma lei preparatória para recebê-lo, em que já se achassem contidos certos rudimentos da justiça salvífica.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A lei natural dirige o homem por certos preceitos gerais, em que convêm tanto os perfeitos como os imperfeitos. Por isso é a mesma para todos. Ao passo que a lei divina o dirige mesmo em certas particularidades, em que os perfeitos não se comportam do mesmo modo que os imperfeitos. Por isso, a lei tinha que ser dupla, como ficou dito.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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