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23/05/2014

Tratado da lei 01

Devemos, consequentemente, tratar dos princípios exteriores dos actos. Ora, o princípio externo, que inclina para o mal, é o diabo, de cuja tentação já tratamos na Primeira Parte. E o princípio externo, que move para o bem, é Deus, que nos instrui pela lei e nos ajuda pela graça.

Por onde, devemos tratar, primeiro, da lei e, segundo, da graça.

Ora, quanto à lei, devemos considerá-la, primeiro, em geral. Segundo, nas suas partes.

E, sobre a lei, em geral, há tríplice consideração a fazer. A primeira é sobre a sua essência. A segunda, sobre a diferença entre as leis. A terceira, sobre os efeitos da lei.

Questão 90: Da essência da lei.
Questão 91: Da diversidade das leis.
Questão 92: Dos efeitos da lei.
Questão 93: Da lei eterna.
Questão 94: Da lei natural.
Questão 95: Da Lei humana
Questão 96: Do poder da lei humana.
Questão 97: Da mudança das leis.
Questão 98: Da lei antiga.
Questão 99: Dos preceitos da lei antiga.
Questão 100: Dos preceitos morais da lei antiga.
Questão 101: Dos preceitos cerimoniais em si mesmos.
Questão 102: Das causas dos preceitos cerimoniais.
Questão 103: Da duração dos preceitos cerimoniais.
Questão 104: Dos preceitos judiciais.
Questão 105: Da razão de ser dos preceitos judiciais.
Questão 106: Da lei do Evangelho, chamada nova, em si mesma considerada.
Questão 107: Da comparação entre a lei nova e a antiga.
Questão 108: Do conteúdo da lei nova.

Questão 90: Da essência da lei.

Na primeira questão discutem-se quatro artigos:
Art. 1 — Se a lei é algo de racional.
Art. 2 — Se a lei se ordena sempre para o bem comum, como para o fim.
Art. 3 — Se a razão particular pode legislar.
Art. 4 — Se a promulgação é da essência da lei.

Art. 1 — Se a lei é algo de racional.

O primeiro discute-se assim. — Parece que a lei não tem nada de racional.

1. — Pois, diz o Apóstolo (Rm 7, 23): Sinto nos meus membros outra lei, etc. Ora, o racional não está nos membros, porque a razão não se serve de órgãos corpóreos. Logo, a lei não tem nada de racional.

2. Demais. — A razão só inclui a potência, o hábito e o acto. Ora, a lei não é nenhuma potência da razão. E nem um hábito qualquer dela, porque os seus hábitos são as virtudes intelectuais, de que já se tratou (a. 57). Nem um acto, pois, se o fosse, cessando ele, como se dá com os adormecidos, cessaria a lei. Logo, a lei não tem nada de racional.

3. Demais. — A lei move os que se lhe submetem, a agir rectamente. Ora, mover à acção pertence propriamente à vontade, como resulta claro do que já foi dito (q. 9, a. 1). Logo, a lei não depende da razão, mas, antes, da vontade, conc­forme ao que também diz o Jurisperito: O que apraz ao príncipe tem força de lei.

Mas, em contrário, à lei pertence ordenar e proibir. Ora, ordenar é acto da razão, como já se demonstrou (q. 17, a. 1). Logo, a lei é algo de racional.

A lei é uma regra e medida dos actos, pela qual somos levados à acção ou dela impedidos. Pois, lei vem de ligar, porque obriga a agir. Ora, a regra e a medida dos actos humanos é a razão, pois é deles o princípio primeiro, como do sobredito resulta (q. 1, a. 1 ad 3). Porque é próprio da razão ordenar para o fim, princípio primeiro do agir, segundo o Filósofo. Ora, o que, em cada género, constitui o princípio é a medida e a regra desse género. Como a unidade, no género dos números, e o primeiro movimento, no dos movimentos. Donde se conclui que a lei é algo pertencente à razão.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Sendo a lei regra e medida, pode ser aplicada de dois modos. De um, como o que mede e regula. Ora, como isto é próprio da razão, deste modo, a lei só existe na razão. — De outro, como o que é regulado e medido. E, então existe em tudo o que em virtude dela tem alguma inclinação. De sorte que qualquer inclinação proveniente de uma lei pode ser considerada lei, não essencial, mas, participativamente. E deste modo, também a inclinação dos membros para a concupiscência se chama lei dos membros.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Podemos considerar, nos actos exteriores, a obra e o obrado, como, p. ex., a edificação e o edifício. Assim também podemos distinguir, nas obras da razão, o acto próprio dela, que é inteligir e raciocinar; e algo de constituído por esse acto. E isto, no concernente à razão especulativa, é, primeiramente, a definição; depois, o enunciado; e, em terceiro lugar, o silogismo ou argumentação. Ora, mesmo a razão prática emprega no agir um certo silogismo, conforme já demonstramos (q. 13, a. 3; q. 76, a. 1), de acordo com o que ensina o Filósofo. Donde, deve haver, na razão prática, o que esteja para as obras, como, na razão especulativa, está a proposição para as conclusões. Ora, tais proposições universais da razão prática, ordenadas para o acto, têm natureza de lei. E elas são, umas vezes, consideradas actualmente, e, outras possuídas habitualmente pela razão.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A razão tira o seu poder motor da vontade, como já se disse (q. 17, a. 1). Pois, é por querermos o fim que a razão ordena os meios. Mas para a vontade do que é ordenado vir a constituir lei é preciso seja regulada pela razão. E deste modo compreende-se que a vontade do príncipe tenha força de lei; de contrário seria antes iniquidade que lei.


Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.

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