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29/04/2014

Tratado dos vícios e pecados 74

Questão 85: Dos efeitos do pecado e, primeiro, da corrupção do bem da natureza.

Art. 5 — Se a morte e as outras misérias do corpo são efeitos do pecado.

(IIª-IIªª, q. 164, a 1; II Sent., dist. XXX, q. 1, a 1; III, dist. XVI, q. 1, a. 1; IV, Protog.; dist. IV, q. 2, a. 1, qª 3; IV, Cont. Gent., cap. LII; De Malo, q. 5, a. 4; Compend. Theol., cap. CXCIII; Ad Rom., cap. V, lect. III; Ad Hebr., cap. IX, lect V).

O quinto discute-se assim. — Parece que a morte e as outras misérias do corpo não são efeitos do pecado.

1. — Pois, causas iguais produzem efeitos iguais. Ora, as referidas misérias não são iguais para todos, mas abundam nuns mais que noutros; embora, como já disse (q. 82, a. 4), para todos seja o mesmo o pecado original, de que elas são o principal efeito. Logo, a morte e as misérias do corpo não são efeitos do pecado.

2. Demais. — Removida a causa, removido fica o efeito. Ora, removido todo pecado, pelo baptismo ou pela penitência, não ficam removidas as misérias do corpo. Logo, não são efeitos do pecado.

3. Demais. — O pecado actual é mais essencialmente pecado que o original. Ora, o pecado actual não altera a natureza do corpo, sendo causa de alguma de suas misérias. Logo, com maior razão, nem o pecado original. Portanto, a morte e as outras misérias do corpo não são efeitos do pecado.

Mas, em contrário, diz o Apóstolo (Rm 5, 12): por um homem entrou o pecado neste mundo e, pelo pecado, a morte.

Uma causa pode produzir um efeito de dois modos: essencial e acidentalmente. Essencialmente, quando o produz em virtude da sua natureza ou forma; donde se conclui ter sido o efeito em si mesmo o fim da causa. Donde, estando a morte e as outras misérias do corpo fora da intenção do pecador, é manifesto que o pecado não é, em si mesmo, causa dessas misérias.

Acidentalmente, quando remove um obstáculo; assim, como diz Aristóteles, quem arranca uma coluna move acidentalmente a pedra que lhe estava sobreposta. E deste modo, o pecado do primeiro pai é causa da morte e de todas as misérias do corpo na natureza humana. Pois, esse pecado privou-nos da justiça original, que continha sujeitas à razão, sem nenhuma desordem, não só as potências inferiores da alma, mas sujeitava também todo o corpo à alma, sem nenhuma deficiência, como estabelecemos na Primeira parte (q. 97, a. 1). Donde, perdida essa justiça original, pelo pecado do primeiro pai, assim como a natureza humana ficou lesada na alma, pela desordem das potências, segundo já provamos (q. 82, a. 3); assim também se tornou corruptível pela desordem do próprio corpo.

Ora, a perda da justiça original, como a da graça, constitui uma pena. Donde, também a morte, e todos as misérias corpóreas consequentes, são penas do pecado original. E embora essas misérias não estivessem na intenção do pecador, foram contudo pela justiça punitiva de Deus.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Causas iguais essenciais produzem, por si mesmas, efeitos iguais. Pois, aumentada ou diminuída a causa essencial, aumenta ou diminui o efeito. Mas da igualdade de causas, que removem apenas um obstáculo, não se lhes deduz a igualdade dos efeitos. Assim, de derrubarmos, com igual impulso, duas colunas, não se segue sejam as pedras, que lhes estão sobrepostas, igualmente movidas; mas, há-de mover-se mais velozmente a que for mais pesada, segundo a sua propriedade, e que fica abandonada a si mesma, uma vez removido o obstáculo. Do mesmo modo, removida a justiça original, a natureza do corpo humano ficou abandonada a si própria. E desde então, segundo a diversidade da compleição natural, os corpos de uns ficam sujeitos a maiores misérias; os de outros, a menores, embora o pecado original afecte igualmente a todos.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A culpa original e a actual removem-se do mesmo sujeito de que se removem as misérias corpóreas, conforme o Apóstolo (Rm 8, 11): dará vida aos vossos corpos mortais, pelo Espírito, que habita em vós. Mas, uma e outra coisa se realizarão em tempo oportuno, segundo a ordem da divina sabedoria. Pois, havemos de chegar à imortalidade e à impassibilidade da glória, começada em Cristo, que no-la adquiriu, depois de termos, durante a vida, participado dos Seus sofrimentos. Por isso, é necessário que, conformes com Cristo, a sua passibilidade perdure nos nossos corpos, para merecermos a impassibilidade de glória.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Podemos considerar dois elementos no pecado actual: a substância própria do acto e a culpa. Quanto àquela, o pecado actual pode causar misérias ao corpo; assim muitos adoecem e morrem por comerem demais. Quanto à esta, priva da graça, que nos é dada para rectificar os actos da alma, e não para impedir as misérias do corpo, como o fazia a justiça original. Donde, o pecado actual não causa, como o original, essas misérias.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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