Páginas

22/04/2014

Tratado dos vícios e pecados 67

 Questão 84: Da causa do pecado, enquanto um é causa de outro.

Art. 2 — Se a soberba é o início de todos os pecados.

(IIª-IIªª, q. 162, a. 2; a. 5, ad 2 II Sent., dist. V, q. 1, a. 3; dist. XLII, q. 2, a. 1, ad 7; a. 3, ad 1 ; De Malo, q. 8, a. 1, ad 1, 16; II Cor., cap. XII. lect. III; I Tim., cap. VI, lect. II).

O segundo discute-se assim. — Parece que a soberba não é o início de todo pecado.

1. — Pois, a raiz é um princípio da árvore; e, assim, parece que o mesmo é ser raiz e início do pecado. Ora, a cobiça é a raiz de todo pecado, como já se disse (a. 1). Logo, ela também, e não a soberba, é o início de todo pecado.

2. Demais. — A Escritura diz (Sr 10, 14): O princípio da soberba do homem é apostatar de Deus. Ora, a apostasia de Deus é um pecado. Logo, há um pecado que é o início da soberba; e esta não é o início de todo pecado.

3. Demais. — É início de todos os pecados o que os causa a todos. Ora, tal é o amor desordenado de si, que gera a cidade de Babilónia, como diz Agostinho. Logo, é o amor de si, e não a soberba, o início de todo o pecado.

Mas, em contrário, diz a Escritura (Sr 10, 15): o princípio de todo o pecado é a soberba.

Alguns consideram a soberba em tríplice acepção. Numa, significa o desejo desordenado da própria excelência, e então a têm como pecado especial. Noutra, importa um certo desprezo actual de Deus, quanto ao seu efeito, que consiste em não nos sujeitarmos à lei divina; e então consideram-na como um pecado geral. Noutra enfim, implica uma inclinação para esse referido desprezo, pela corrupção da natureza; e então consideram-na como o início de todos os pecados. E difere da cobiça, que implica o pecado por se prender aos bens mutáveis, o que, de certo modo, nutre e favorece o pecado; e por isso é considerada como raiz dele. Ao passo que a soberba implica o pecado por afastar de Deus, a cujo preceito o homem recusa submeter-se; e é chamada início do pecado, porque esse afastamento é o início do mal.

Ora, se bem que essas distinções sejam verdadeiras, não entram na intenção do Sábio, quando disse: o princípio de todo o pecado é a soberba. Pois manifestamente, refere-se à soberba como desejo desordenado da própria excelência, como bem o esclarece o que acrescenta: Deus destruiu os tronos dos príncipes soberbos. E trata desse assunto em quase todo esse capítulo. Donde devemos concluir, que a soberba, mesmo enquanto pecado especial, é o início de todo o pecado. Pois, é mister considerar que, nos actos voluntários, como o são os pecados, há uma dupla ordem: a da intenção e a da execução. Na primeira, o fim exerce a função de princípio, como já muitas vezes dissemos. Ora, o fim de todos os bens temporais, que podemos adquirir, é levar-nos a uma certa perfeição e excelência. E portanto, por aqui, a soberba, que é o desejo da excelência, é considerada como o início de todo pecado. Por outro lado, quanto à execução, vem em primeiro lugar o que dá a oportunidade de realizar todos os desejos pecaminosos; e tais são as riquezas, que por isso exercem a função de raiz. Por isso, a avareza é considerada como a raiz de todos os males, como já se disse (a. 1).

Donde se deduz clara a RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Por causa do afastamento, é que se considera o apostatar de Deus como início da soberba. Pois, por não querer o homem sujeitar-se a Deus resulta o querer desordenadamente a própria excelência, na ordem temporal. E assim, a apostasia de Deus não é considerada, no lugar em questão, como um pecado especial; mas antes, como uma condição geral de todo pecado, que é o afastamento do bem imutável. — Ou pode dizer-se que o apostatar de Deus é considerado o início da soberba, por ser a primeira espécie dela. Pois, é próprio da soberba não querer submeter-se a nenhum superior e, principalmente, não querer submeter-se a Deus. Donde resulta que o homem se exalta indevidamente acima de si mesmo, quanto às outras espécies de soberba.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O homem ama-se a si mesmo querendo a sua excelência; pois, o amar-se a si é querer para si o bem. Donde, vem a dar no mesmo considerar como o início de todo o pecado a soberba ou o amor-próprio.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.