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13/04/2014

Tratado dos vícios e pecados 58

Questão 82: Do pecado original quanto à sua essência.

Em seguida devemos tratar da essência do pecado original. E nesta questão discutem-se quatro artigos:
Art. 1 — Se o pecado original é um hábito.
Art. 2 — Se num mesmo homem há muitos pecados originais.
Art. 3 — Se o pecado original é a concupiscência.
Art. 4 — Se o pecado original se manifesta igualmente em todos.

Art. 1 — Se o pecado original é um hábito.

(II Sent., dist. XXX, q. 1, a. 3, ad 2; De Malo, q. 4, a. 2 ad 4).

O primeiro discute-se assim. — Parece que o pecado original não é um hábito.

1. — Pois, o pecado original é a carência da justiça original, como diz Anselmo; e, portanto, é uma privação. Ora, esta opõe-se ao hábito. Logo, o pecado original não é um hábito.

2. Demais. — O pecado actual, implica, essencialmente mais que o original, a culpa, por ser, por essência, mais voluntário. Ora, o hábito do pecado actual não implica essencialmente a culpa; pois, de contrário, quem estivesse dormindo pecaria culposamente. Logo, nenhum hábito original implica a essência da culpa.

3. Demais. — O acto mau precede sempre o mau hábito, porque nenhum hábito mal é infuso, mas adquirido. Ora, o pecado original não é precedido por nenhum acto. Logo, não é hábito.

Mas, em contrário, diz Agostinho: por causa do pecado original as crianças são capazes de concupiscência, embora não a exerçam em acto. Ora, a capacidade supõe um hábito. Logo, o pecado original é hábito.

Como já dissemos, há duas espécies de hábito. — Uma inclina a potência a agir; neste sentido a ciência e a virtude chamam-se hábitos, mas, o pecado original, não é hábito. — Outra é a disposição de uma natureza, composta de muitos elementos, e que a leva a comportar-se bem ou mal, em determinado caso; e sobretudo quando essa disposição tiver quase se transformado em natureza, como se dá com a doença e a saúde. E deste modo o pecado original é um hábito. Pois é uma disposição desordenada proveniente da desaparição daquela harmonia em que consistia a essência da justiça original. Assim também a doença corpórea é uma disposição desordenada do corpo, que perturba o equilíbrio em que consiste a essência da saúde. Por isso se chama ao pecado original langor da natureza.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A doença corpórea tem algo da privação, enquanto perturba o equilíbrio da saúde; e algo de positivo, que é a disposição desordenada dos humores. Assim também o pecado original implica a privação da justiça original, seguida da disposição desordenada das partes da alma. Donde, não é privação pura, mas um certo hábito corrupto.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O pecado actual é uma certa desordem do acto. O original, porém, sendo pecado da natureza, é uma disposição desordenada desta em si mesma; e implica a essência da culpa, enquanto derivada do primeiro pai, como já dissemos. Ora, essa disposição desordenada da natureza implica a essência do hábito, o que não se dá com a disposição desordenada do acto. E, por isso, o pecado original pode ser um hábito, não, porém, o actual.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A objecção funda-se no hábito que inclina a potência para o acto; ora tal hábito não é o pecado original. Pois, não é directamente que deste resultem certas inclinações para actos desordenados. Mas, indirectamente, pela remoção do obstáculo, i. é, da justiça original, que os impede. Assim também da doença corpórea resulta indirectamente uma inclinação para movimentos corpóreos desordenados. Nem devemos dizer que o pecado original seja um hábito infuso, ou adquirido pelo acto (salvo, se for do primeiro pai e não, de uma pessoa qualquer), senão que é inato por uma origem viciosa.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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