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02/04/2014

Tratado dos vícios e pecados 47

Questão 79: Das causas exteriores do pecado, e primeiro por parte de Deus.

Art. 3 — Se Deus é causa da obcecação e do endurecimento.

(I Sent., dist. XL, q. 4, a. 2; III Cont. Gent., cap. CLXII; De Verit., q. 24, a. 10; In Matth., cap., XIII; In Ioan., cap. XII, lect. VII; Ad Rom., cap. IX, lect. III; II Cor., cap. IV, lect. II).

O terceiro discute-se assim. — Parece não ser de Deus a causa da obcecação e do endurecimento.

1. — Pois, como diz Agostinho, Deus não é a causa de o homem ser pior. Ora, a obcecação e o endurecimento o tornam tal. Logo, Deus não é causa nem daquela nem deste.

2. Demais. — Fulgêncio diz, que Deus não se vinga daquilo de que é o autor. Ora, Deus vinga-se do coração endurecido, conforme a Escritura (Ecle 3): O coração duro será oprimido de males no fim da vida. Logo, Deus não é a causa do endurecimento.

3. Demais. — Um mesmo efeito não pode ser atribuído a causas contrárias. Ora, tem-se como causa da obcecação a malícia do homem, conforme Escritura (Sb 2): porque à sua malícia os cegou; e também o diabo, segundo outro lugar (2 Cor 4): o Deus deste século cegou os entendimentos dos infiéis. Ora, todas essas são causas contrárias a Deus. Logo, Deus não é causa da obcecação nem do endurecimento.

Mas, em contrário, diz a Escritura (Is 6): Obceca o coração deste povo e ensurdece-lhe os ouvidos; e ainda (Rm 9): Logo ele tem misericórdia de quem quer, e endurece quem quer.

A obcecação e o endurecimento implicam dois elementos. — Um é o movimento da alma humana, aderente ao mal e apartada da luz divina. E por aí Deus não é a causa da obcecação nem do endurecimento, assim como não é a causa do pecado. — Outro é a subtracção da graça, donde resulta que a mente não é divinamente iluminada para apreciar com rectidão, e o coração do homem não se abranda para viver bem. E por aí Deus é causa da obcecação e do endurecimento. Devemos porém considerar, que Deus é a causa universal da iluminação das almas, conforme a Escritura (Jo 1): Era a luz verdadeira, que ilumina a todo o homem que vem a este mundo. Assim como o sol é a causa universal da iluminação dos corpos, mas diferentemente. Pois, ao passo que o sol actua iluminando por necessidade de natureza, Deus age voluntariamente, segundo a ordem da sua sabedoria. Mas embora o sol ilumine por natureza todos os corpos, encontrando obstáculo no corpo, deixá-lo-á obscuro, como o vemos numa casa cujas janelas estejam fechadas. Contudo, o sol não é de nenhum modo causa dessa obscuridade, pois não age a seu bel-prazer, de modo a não projectar a luz no interior; mas, só quem fechou as janelas é causa dela. Deus porém por juízo próprio, não envia o lume da graça àqueles em quem encontra obstáculo. Por onde, causa da subtracção dela é, não só quem lhe opõe obstáculo, mas também Deus que, a seu juízo, não lha concede. E deste modo Deus é causa da obcecação, do embotamento dos ouvidos e do endurecimento do coração. Pois, essas coisas distinguem-se pelos efeitos da graça que, com o dom da sabedoria aperfeiçoa o intelecto e abranda o afecto com o fogo da caridade. Ora, como para o conhecimento do intelecto contribuem principalmente os dois sentidos, da vista e do ouvido, dos quais aquele serve à invenção e este à instrução, por isso à vista se opõe a obcecação; e à audição, o embotamento dos ouvidos; ao afeto, o endurecimento.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Sendo a obcecação e o endurecimento, no concernente à subtracção da graça, determinadas penas não tornam pior o homem, que nelas incorre, bem como em outras, por ter se tornado pior pela culpa.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A objecção colhe quanto à obcecação, enquanto culpa.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A malícia é causa merecedora da obcecação, como a culpa é causa da pena. E deste modo também se diz que o diabo obceca por induzir à culpa.

Revisão da tradução portuguesa por ama





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