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27/03/2014

Tratado dos vícios e pecados 41

Questão 78: Da causa do pecado, por parte da vontade, chamada malícia.

Em seguida devemos tratar da causa do pecado, por parte da vontade, chamada malícia.

E sobre esta questão, discutem-se quatro artigos:

Art. 1 — Se se pode pecar de propósito ou por malícia intencional.
Art. 2 — Se todo o que peca por hábito peca por malícia intencional.
Art. 3 — Se quem peca por malícia intencional peca por hábito.
Art. 4 — Se quem peca por malícia intencional peca mais gravemente que quem peca por paixão.

Art. 1 — Se se pode pecar de propósito ou por malícia intencional.

(II Sent., dist. XLIII, a. 1; De Malo, q. 2, a. 8, ad 4; 1. 3, a. 12; a. 14, ad 7, 8).

O primeiro discute-se assim. — Parece que ninguém peca de propósito ou por malícia intencional.

1. — Pois, a ignorância opõe-se ao propósito ou à malícia intencional. Ora, todo mal é ignorante, segundo o Filósofo, e a Escritura (Pr 14): Os que obram mal, erram. Logo, ninguém peca por malícia intencional.

2. Demais. — Dionísio diz que ninguém obra mal intencionalmente. Ora, pecar por malícia é praticar o mal intencionalmente, pois, o contrário à nossa intenção é acidental e não pode classificar um acto. Logo, ninguém peca por malícia.

3. Demais. — A malícia em si mesma é pecado. Se pois fosse causa de pecado, seguir-se-ia que um pecado é causa de outro, ao infinito, o que é inadmissível. Logo, ninguém peca por malícia.

Mas em contrário: Os que como de propósito se apartaram de Deus, e não quiseram compreender todos os seus caminhos. Ora, apartar-se de Deus é pecar. Logo, alguns pecam de propósito ou por malícia intencional.

O homem, como qualquer outro ser, deseja naturalmente o bem. E só pela corrupção ou desordem em algum de seus princípios pode o seu apetite inclinar-se para o mal, e assim também pode haver pecado nos actos dos seres naturais. Ora, os princípios dos actos humanos são o intelecto e o apetite, tanto o racional, denominado vontade, como o sensitivo. Donde, pode haver pecado nesses actos, por deficiência do intelecto, como quando pecamos por ignorâ,cia; ou por deficiência do apetite sensitivo, como quando pecamos por paixão, ou ainda por deficiência da vontade, sendo esta desordenada.

E a vontade é desordenada quando mais ama o que é menos bom. Ora, preferirmos sofrer detrimento no bem menos amado é proceder consequentemente, assim, quando preferimos sofrer a amputação de um membro, mesmo cientemente, para conservarmos a vida, que amamos mais. E deste modo se uma vontade desordenada ama algum bem temporal — p. ex., as riquezas ou o prazer — mais do que a ordem da razão ou da lei divina ou a caridade de Deus ou um bem semelhante, segue-se que prefere sofrer detrimento em algum desses bens espirituais, para alcançar um bem temporal. Pois, o mal não é outra coisa que a privação de algum bem. E assim, pelo que acabamos de dizer, podemos conscientemente querer um mal espiritual, que é, o mal absoluto, e nos priva do bem espiritual, para alcançarmos um bem temporal. E portanto, pecamos intencionalmente ou de propósito, conscientemente escolhendo o mal.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A ignorância, às vezes, exclui a ciência, pela qual simplesmente sabemos que praticamos o mal, sendo por isso a causa do pecado. Outras vezes, porém, exclui a ciência pela qual conhecemos actualmente tal acto como mau, assim, quando pecamos por paixão. Outras vezes, ainda, exclui a ciência pela qual sabemos não devermos praticar um determinado mal para conseguirmos um bem, embora saibamos absolutamente ser isso um mal. E assim dizemos que ignora quem peca intencionalmente.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O mal não pode ser buscado intencionalmente por ninguém, pode sê-lo contudo para evitar outro mal ou conseguir outro bem, como dissemos. E em tal caso, preferiríamos alcançar um bem, buscado intencionalmente, em si mesmo, sem sofrermos detrimento em outro. Assim, o lascivo quereria fruir o prazer, sem ofender a Deus, mas, propostos esses dois bens, prefere, pecando, incorrer na ofensa de Deus, a privar-se do prazer.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A malícia, pela qual dizemos que alguém peca pode ser tomada como a malícia habitual, pela qual o hábito é mau, denominado malícia, segundo o Filósofo, assim como o bom é chamado virtude. E a esta luz, dizemos que peca por malícia quem peca pela inclinação do hábito. — Mas também pode ser considerada como a malícia actual. Quer seja denominada malícia a eleição do mal, dizendo-se, nesse caso, que peca por malícia quem peca por tal eleição. Quer seja chamada malícia alguma culpa precedente, da qual resulta outra subsequente, assim quando alguém se rebela contra o bem de um irmão, por inveja. E então não há identidade entre causa e efeito, mas um acto interior é causa de um acto exterior, e um pecado, causa de outro. Não assim, contudo, ao infinito, pois havemos de chegar a um primeiro pecado, não causado por outro anterior, como do sobredito se colhe.

Revisão da tradução portuguesa por ama





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