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10/03/2014

Tratado dos vícios e pecados 26

Questão 74: Do sujeito dos pecados.

Art. 10 – Se na razão superior, como tal, i. é, enquanto contempla as razões eternas, pode haver pecado venial.

(II Sent., dist. XXIV, q. 6, a. 5; De Verit., q. 15, a. 5; De Malo, q. 7, a. 5)

O décimo discute-se assim. ― Parece que na razão superior, como tal, i. é, enquanto contemplativa das razões eternas, não pode haver pecado venial.

1. ― Pois, o acto da potência não vem a ser deficiente senão porque se comporta desordenadamente em relação ao seu objecto. Ora, o objecto da razão superior são as razões eternas, das quais não é possível afastar-se sem pecado mortal. Logo, na razão superior, como tal, não pode haver pecado venial.

2. Demais. ― Sendo a razão uma potência deliberativa, o seu acto é sempre acompanhado de deliberação. Ora, todo acto deliberadamente desordenado, relativo às coisas de Deus, é pecado mortal. Logo, na razão superior como tal não há nunca pecado venial.

3. Demais. ― Às vezes acontece que o pecado sub-reptício é venial. É mortal, ao contrário, o que implica deliberação, porque a razão deliberante se apoia num bem maior, agindo contra o qual peca mais gravemente. Assim, se a razão, consentindo deliberadamente num acto deleitável desordenado e contrário à lei de Deus, pecará mais gravemente do que se considerar que esse acto só é contrário a uma virtude moral. Ora, a razão superior não pode apoiar-se em nada mais elevado do que o seu objecto. Logo, se a moção sub-reptícia não for pecado mortal, nem o fará tal a deliberação superveniente, o que é evidentemente falso. Logo, na razão superior, como tal, não pode haver pecado venial.

Mas, em contrário. ―A moção sub-reptícia de infidelidade é pecado venial. Ora, é próprio da razão superior como tal. Logo, nela, como tal, pode haver pecado venial.

A razão superior é levada, de um modo, para o seu objecto, e, de outro, para os objectos das potências inferiores, dirigidas por ela. ― Ora, não é levada para os objectos dessas potências, senão na medida em que consulta, sobre eles, as razões eternas. Portanto não é levado para eles senão por deliberação. Ora, o consentimento deliberado no pecado genericamente mortal, constitui pecado mortal. Logo, a razão superior peca sempre mortalmente, se forem pecados mortais os actos das potências inferiores em que consente.

Por outro lado, ela é capaz de dois actos, relativamente ao seu objecto próprio, a saber: a simples intuição, e a deliberação, pela qual, mesmo relativamente ao seu objecto próprio, consulta as razões eternas. Ora, por simples intuição, ela é suscetível a uma moção desordenada relativa às coisas divinas, assim, quando nos sobrevém uma súbita moção de infidelidade. E embora esta seja genericamente, pecado mortal, contudo a seu súbito consentimento é só venial. Porque se não há pecado mortal senão contra a lei de Deus, pode contudo uma verdade de fé aparecer subitamente à razão sob um aspecto diferente, antes de, no caso, ser ou poder ser consultada a razão eterna, i. é, a lei de Deus. Assim, se tivermos o súbito pensamento de ser impossível na ordem natural a ressurreição dos mortos, e subitamente rejeitá-la antes de ter tempo de deliberar que nos foi transmitida, para nela crermos, pela lei divina. Se porém, depois dessa deliberação, permanecer a moção de infidelidade, haverá pecado mortal. E portanto, em relação ao seu objecto próprio, a razão superior pode, nos movimentos súbitos, pecar venialmente, ou mesmo mortalmente, por consentimento deliberado, embora o pecado seja, no seu género, mortal. No atinente, porém, às potências inferiores, peca sempre mortalmente, quanto ao pecado genericamente mortal, mas não quanto aos genericamente veniais.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― O pecado contra as razões eternas, embora só genericamente mortal, pode contudo ser venial, por causa da imperfeição da moção súbita, como já se disse.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― Na ordem dos actos, a razão a que pertence a deliberação pertence também a simples intuição daquilo de que a deliberação procede, assim como também, na ordem especulativa, pertence à razão formar tanto os silogismos como as proposições. E portanto, a razão também pode ser susceptível de movimentos súbitos.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― Um mesmo objecto pode ser susceptível de considerações diversas, dos quais seja um superior ao outro. Assim, Deus pode ser considerado, ou enquanto cognoscível pela razão humana, ou enquanto ensinado pela revelação divina, que é consideração mais alta. E portanto, embora o objecto da razão superior seja algo de altíssimo, por natureza, pode contudo ser reduzido a uma consideração mais alta. E por esta razão, aquilo que, no movimento súbito, não era pecado mortal, vem a sê-lo, pela deliberação redutora a uma consideração mais alta, como ficou exposto.                               

Revisão da tradução portuguesa por ama

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